Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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No. 92 (2004: 6)
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Economia e cultura na emigração dos Países Baixos ao Brasil. O fator confessional
Holambra, Trabalhos da A.B.E. 2004
No âmbito do ciclo de estudos dedicado ao complexo temático "Economia
- História Colonial -Alegoria", a Academia Brasil-Europa procurou
fomentar reflexões sobre as relações entre o desenvolvimento econômico
e o cultural em relações internacionais, com especial consideração
de questões da história da imigração européia no Brasil e das
fases mais recentes dos empreendimentos coloniais.
Um dos escopos desse ciclo foi, em estudos de caso, analisar as
relações entre processos econômicos e culturais em determinados
contextos sob a perspectiva teórica que a ABE procura desenvolver.
Esta diz respeito à inserção da economia em processos culturais,
ao invés da cultura como um epifenômeno do desenvolvimento econômico,
como em geral defendido. Antes de um desenvolvimento maior de
edifícios teóricos nesse sentido, procura-se ganhar subsídios
a partir de estudos in loco de determinadas situações histórico-culturais.
No Brasil, uma das cidades consideradas foi Holambra, situada
a 145 km da cidade de São Paulo, na região metropolitana de Campinas,
fundada em 1993 por imigrantes nederlandeses e seus descendentes.
A razão desse escolha residiu no fato de Holambra pertencer ao
rol das comunidades brasileiras que mais se destacam na atualidade
quanto à valorização da identidade e diferenciação cultural de
seus habitantes, imigrantes e descendentes de imigrantes para
o desenvolvimento econômico da localidade.
Esse fenômeno, que relaciona de forma evidente economia e cultura,
pode ser observado em regiões e em grupos diferentes da imigração:
em comunidades alemãs de Santa Catarina, por ex. Joinville, Blumenau,
Pomerode, do Rio Grande do Sul, por ex. Nova Petrópolis, Gramado,
Canela, do Espírito Santo, por ex. Domingos Martins e Santa Maria
do Jetibá, de São Paulo, por ex. Monteverde, de comunidades italianas
do Rio Grande do Sul, por ex. Caxias do Sul e do Espírito Santo,
por ex. Venda Nova dos Imigrantes. Nesse contexto geral poder-se-ia
também considerar a identidade de bairros de grandes metrópoles
que trazem o cunho da história imigratória e que é utilizada para
o fomento do turismo e do comércio.
Esse fenômeno é de relevante interesse culturológico sob diversos
aspectos. Basta lembrar que várias regiões do Brasil já foram
marcadas de forma perceptível na sua paisagem urbana e na sua
imagem por esse complexo que une imigração, história colonial,
questões de identidade e comércio. Para o seu estudo diferenciado,
porém, não basta que os estudos da imigração e da colonização
permaneçam na fase de levantamento de fontes e de reconstrução
histórica das comunidades. Como salientado no Congresso de Estudos
Euro-Brasileiros da A.B.E., em 2002, esse estudo deve ser acompanhado
por reflexões teóricas a respeito de seu questionamento e métodos,
aproximando-as dos novos debates das ciências culturais. Esse
estudo pode contribuir também para a atualização conceptual da
área de estudos compreendida como Folclore. Esse desenvolvimento
nas áreas caracterizadas pela imigração já faz parte indissolúvel
da própria "cultura do observador" segundo a conceituação tradicional
da disciplina, já não pode ser considerado como corpo estranho
provisório a ser assimilado e que tende a desaparecer. Já não
basta também lamentar uma folclorização artificial alienígena
do país, o Kitsch arquitetônico que marca muitas paisagens, a
comercialização da cultura e a criação de universos-fantasias.
O estudioso deve procurar perspectivas que permitam analisar e
compreender um desenvolvimento que criou fatos, dirigindo a sua
atenção aos mecanismos de processos em andamento.
Como relatado na edição anterior desta revista, em seqüência ao
Colóquio Internacional de Estudos Interculturais pelos 450 anos
de São Paulo, a A.B.E. promoveu estudos de reflexões sobre os
seus resultados, entre outros sobre a questão do ramo disciplinar
denominado em alemão de Volkskunde,no Brasil de Folclore, e de
museus ao ar livre, tais como aquele modelar de Kommern. Sob o
pano de fundo desse debate, a visita de Holambra foi muito sugestiva
para novos questionamentos. Se em Kommern - e em outros museus
ao ar livre - intuitos de conservação de edifícios e objetos são
fundamentais, manifestados até mesmo na transferência de casas,
igrejas e construções rurais ameaçadas de demolição para a área
respectiva, em empreendimentos como Holambra a situação é outra:
trata-se antes de reconstrução de modêlos e de um imaginário que
mesmo em seus países de origem já faziam parte de museus ao ar
livre. Nesse sentido, Holambra não pode ser comparada diretamente
com cidades resultantes da colonização mais remota e que procuram
conservar, aprofundar e dialogar com o seu próprio patrimônio
local. Por outro lado, porém, é inquestionável que também Holambra
representa um fenômeno de extraordinário interesse para estudos
de identidades, como exemplificado em atividades do Museu Histórico
e Colonial de Holambra
Holambra e a conquista da imagem de Cidade das Flores
Uma das questões que merece particular atenção é a inserção de
Holambra no âmbito geral dos estudos culturais das relações entre
os Países Baixos e o Brasil. A própria Holambra salienta o fato
de ter a sua identidade e imagem determinada pela emigração holandesa
no período posterior à Segunda Guerra. Em 1948, fundou-se a Cooperativa
Agropecuária de Holambra, localizada na Fazenda Riberão, área
compreendida nos municípios de Jaguariúna, Santo Antonio da Posse,
Artur Nogueira e Cosmópolis. Os membros da cooperativa receberam
lotes sob a condição de neles desenvolver atividades produtivas.
Uma primeira tentativa de produção de laticínios não logrou por
inadaptabilidade do gado holandês às condições naturais e climáticas,
levando os imigrantes à lavoura e à criação suína e de aves.
O que caracteriza a imagem de Holambra, porém, independentemente
dos sucessos de atividades da agricultura e da pecuária, é a floricultura.
A Expoflora, realizada anualmente no mês de setembro, adquiriu
expressão nacional como exposição e feira de plantas ornamentais,
flores, produtos e aparelhos relacionados com a jardinagem. O
cultivo de flores teve início já nos primeiros anos da colonia,
em 1951, com gladíolos, ampliando-se a partir de fins da década
de 50. Encontrava-se já plenamente estabelecido em fins da próxima
década e, em 1972, instituiu-se um departamento de floricultura.
História colonial e oral
Diferentemente da maioria das cidades nascidas da imigração no
Brasil, Holambra tem uma história colonial bastante recente. Relaciona-se
com a situação econômica e social dominante nos Países Baixos
após a Segunda Guerra. Teria sido em grande parte uma emigração
dirigida, fomentada pelo govêrno. Dentre os países receptores,
de diferentes línguas e contextos culturais - França, Canadá,
Austrália e Brasil -, o Brasil possibilitava a emigração de grupos
maiores.
Uma questão de importância foi, porém a da religião, sendo a emigração
para o Brasil constituída por católicos. A questão confissional,
porém, é de grande relevância nos Países Baixos, sobretudo até
um passado recente, marcando a sua história e as organizações
sociais e culturais. O catolicismo holandês exerceu papel fundamental
na própria história eclesiástica global dos séculos XIX e XX,
na restauração litúrgica, na cultura católica expressa na arquitetura
e na arte sacra e na ação missionária. De tendências eminentemente
restaurativas e conservadoras passou, à época do Concílio Vaticano
II e nos anos subseqüentes a ser marcado por posições renovadoras
e modernizadoras que muitas vezes levantaram polêmicas.
A questão da religião dos emigrantes dos Países Baixos que vieram
para o Brasil não é, portanto, irrelevante, e exige a consideração
pormenorizada das circunstâncias histórico-culturais do país de
origem. Mentor do projeto foi J. Gerrt Heymeyer. Na organização
da emigração atuou uma associação agrícola católica, a KNBTB (Katholieke
Nederlandse Boer en Tuinders Bonde), que tratou do assunto com
instâncias governamentais do Brasil, então sob a presidência do
General E. G. Dutra. Governador do Estado de São Paulo era Adhemar
de Barros. Após a compra de área na fazenda Ribeirão, a colonia
foi fundada a 14 de julho de 1948. Segundo uma tradição, o nome
Holambra para a Cooperativa Agro-Pecuária foi constituído pelas
palavras Holanda, América, Brasil. É possível, também que tenha
sido inspirado simplesmente pela junção dos nomes Holanda-Brasil,
ou seja Holanbra, modificado para Holambra por razões gramaticais
(n antes de b).
Para a história local, a oral, ou seja reconstruída a partir de
informações e da memória dos imigrados surge naturalmente como
particularmente relevante. Dela são os dados divulgados sobre
as dificuldades dos primeiros anos e da viagem. Recorda-se sempre
que os grupos, de ca. de 60 pessoas, muitas vezes tinham de viajar
em navios de carga e teria sido a bordo que se estabeleceram contactos
mais estreitos entre os colonistas. Os primeiros contactos com
o Brasil deram-se em escalas no porto do Recife, e esses ficaram
marcados na memória dos emigrados pelas diferenças de aparência
dos habitantes e dos produtos agrícolas. Também se salienta a
impressão obtida pelas diferenças naturais e topográficas do país,
por exemplo da Serra do Mar. Também o papel desempenhado na vida
dos imigrantes tem sido registrado a partir de informações orais.
Tem-se dados a respeito do significado da vida religiosa e de
festas comunitárias por ocasião de datas agrícolas e do ciclo
religioso. As informações oferecem subsídios para estudos do processo
integrativo e da função nele exercida pelos esportes e festas.
Com o pouco sucesso na produção de queijos, pela já referida inadaptabilidade
do gado, alguns imigrados retornaram aos Países Baixos. Outros
transferiram-se para outras comunidades mais ao Sul do Brasil,
do Paraná e do Rio Grande do Sul. Aqui fica evidente, portanto,
que Holambra não pode ser considerada independentemente do complexo
maior da emigração dos Países Baixos ao Brasil e da história colonial
desses imigrantes no Brasil. Essa história compreende o de cidades
paranaenses como Carambeí, Monte Alegre, Arapoti e, no Rio Grande
do Sul, Não-Me-Toque.
Estudos da imigração dos Países Baixos
Os estudos culturais no âmbito das relações Países Baixos e Brasil
são complexos e podem ser desenvolvidos sob diferentes aspectos.
A história da emigração/imigração do século XX é apenas um deles.
Para o seu tratamento adequado, torna-se necessário considerar
tanto o campo de estudos das relações Países Baixos-Brasil no
seu todo como a documentação e as circunstâncias específicas da
vinda de colonos em épocas mais recentes. Para este estudo, deve-se
levar em conta a bibliografia existente, em parte pouco considerada
nos estudos brasileiros pelas dificuldades do idioma.
Entre os livros mais divulgados que oferecem subsídios para esse
estudo menciona-se aqui o de Mary Pos relativo ao Brasil, Argentina
e Chile (Mary Post, Zuid-Amerika (...) Wagenigen: N.V. Gebr. Zomer & Keunings Uitgeversmij, s/d).
O livro relata visitas a Carambei no Brasil, Tres Arroyos em Argentina
e Gorbea no Sul do Chile. A sua obra parte da questão da possibilidade
da emigração à América do Sul, salientando a questão aqui discutida
das relações entre a economia, a colonização e a cultura. Recorda,
entre outros aspectos, a presença de empregados dos Países Baixos
em firmas atuantes na América do Sul, em bancos e companhias de
navegação e aéreas.
Significativamente, o aspecto religioso é particularmente salientado
nessa obra, considerando-se em particular o papel do pregador
William Muller, da colonia nederlandesa de Carambeí e posteriormente,
da nova colonia de Castro (pág. 13). O leitor adquire uma visão
ampla da questão confessional e das interrelações das várias tentativas
de colonização na América do Sul.
A obra menciona o trabalho de pioneiros, alguns deles transferindo-se
de um país ao outro, tal como Van Kampen, do Uruguai à nova colonia
católica de Ribeirão, no Brasil. Ao lado do catolicismo dessa
fundação, dá-se particular atenção à colonia calvinista de Carambei.
Descreve-se em pormenores a viagem de automóvel de Curitiba à
Carambei, a "Goude Kolonie" e a presença entre os colonistas,
dos quais um dos pioneiros foi Jacob Voorsluys, um fabricante
de queijos. Um capítulo especial é dedicado a vida e ao trabalho
dos fabricantes de queijo, outro oferece subsídios à história
da colonia a partir de informações orais, com dados sobre a formação
escolar:
"Na het schoolbezoek ging de tocht naar verschillende kolonisten.
Daar was het bedrijf van Stefan Elgers,a. doe om 1936 naar Carambei
vertrok en zijn verloofde, Imke Meinersma, een jaar later deed
overkomen. Ze hadden nu al een flink gezin. Trowens de meeste
kolonisten hebben een groot aantal kinderen. Imke was een frisse,
aardige vrouw, die net als haar man vol plannen zat. Ze waren
met niets begonnen en hadden, behalve hun bedrijf in Carambei,
ook nog grond gekocht in het noorden van de staat Paraná. Daar
was de grond veel vruchtbaarder, maar daar was het ook veel warmer
en minder gezond. Bovendien waren daar geen school en kerk voor
de Protestanten, dus geestelijk leed men er honger. Een ander
bewerkte hun grond daar nu ein af en toe ging Elgersma er zelf
heen." (pág. 62)
Do ponto de vista dos estudos culturais, cumpre salientar sobretudo
a descrição da vida de domingos com práticas de culto e de canto
de salmos segundo a atuação de Ds William Muller:
"Er werd goed gezongen en de dienst werd in de Nederlandse taal
gehouden. Alleen de psalm, waarmede men de dienst aanving, werd
in het Portugees gezongen en ook de zegen aan het eind in deze
taal gegeven. 's Middags zou ik opnieuw over Nederland spreken,
omdat door het slechte weer op Vrijdag de verst wonende kolonisten
hun weg niet door de modderpoelen en in het stikdonker hadden
kunnen vinden. Dan moest ik vooral gedichten voordragen was me
gevraagd, niet alleen Nederlandse, maar ook die van Totius in
het Ziedafrikaans. Het middagmaal werd gebrukt bij Ds en mevrouw
Muller, waaraan ook oom Jacob en tante Marie en nóg enige genodigden
aanzaten. Het was alles zo gemoedelijk en zo vertrouwd, zo echt
iets van huis, van Nederland, dat het de mooiste Zontag werd,
die ik tot dusver op miju reis had gehad." (op. cit. 69)
De particular interesse para estudos de questões de gênero no
contexto da imigração e colonização é o capítulo dedicado às mulheres
pioneiras na colonização. Considera-se sobretudo a "tia" Mina
Verschoor, uma das pioneiras da colonia de Iraty. Nesse contexto,
obtém-se também informações sobre as relações com colonos de outras
proveniências, por exemplo poloneses.
A cultura quotidiana, nas suas relações com a economia, sobretudo
com a produção e a venda de queijos é tratada de forma bastante
pormenorizada:
"Men is zich in Carambei toen onmiddellik op kaasmaken gaan toeleggen,
waarvoor de melk van de arme Nederlandse boeren werd opgekocht.
Ze verkochten hun product in Ponta Grossa, waar men destijds Bols,
Goudse kaas en zelfs aardewerk uit Maastricht in de winkels vond.
De Goudse kaas kwam echter veel duurder dan de hunne, dus verloren
de importeurs al spoedig de concurrentie met die van de nieuwbakken
kaasmakers van Carambei. Thans is de kolonie beroemd om haar kaas.
Ze is niet belegen en dus ook niet houdbaar, doch de Brazilianen
houden juist van jonge, vette kaas, vandaar de vraag er naar." (pág. 81)
No capítulo XX, trata-se em especial da colonia de Ribeirão. A
primeira, "a muito falada colonia de Ribeirão", formada com colonos
vindos de Brabante e Limburg, é tratada como um experimento da
igreja Católica:
"Ongeveer drie jaar geleden werd onder leiding van Ir G. Heymeyer
met de kolonisatie door Nederlandse R.K. boeren op de fazenda
Riberao in de staat Sao Paolo een begin gemaakt. Men noemde de
kolonie Holambra. De kolonisten kwamen uit Brabant en Limburg.
(...)
De R.-K. kolonisten in Zuid-Amerika hebben op de Protestantse
iets van uiterste importantie voor: n.l. dat ze zich bevinden
in een land, waar de bevolking overwegend hun eigen godsdienst
belijdt, een puur R.-K. werelddeel, waarin de ernstige Protestantse
immigranten zich zeer eenzaam moeten voelen." (pág. 178)
A publicação menciona também fontes que podem servir à história
da colonia, tanto reportagens do lado brasileiro como aquelas
publicadas nos Países Baixos. (pág. 181)
(...)
G.R.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto
de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui
notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado
no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que
se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).
ao indice deste volume (n° 92)