Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
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No. 90 (2004: 4)
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Poética da Urbanidade e identidade de bairros
450 ANOS DE SÃO PAULO
COLÓQUIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS INTERCULTURAIS
ACADEMIA BRASIL-EUROPA
Santa Teresa
Rio de Janeiro, 20 de março de 2004
No âmbito da jornada do Rio de Janeiro do Colóquio Internacional
de Estudos Interculturais pelos 450 anos de São Paulo organizado
pela Academia Brasil-Europa, realizou-se um passeio cultural pelo
bairro de Santa Teresa.
O objetivo dessa visita não foi porém simplesmente turístico.
Como em outras ocasiões, a A.B.E. fêz questão de incluir esse
bairro na programação do evento para o Rio de Janeiro.
O bairro de Santa Teresa oferece motivações múltiplas para reflexões
teórico-culturais, sobretudo no caso de um colóquio dedicado a
questões de interculturalidade, de poética da urbanidade e das
relações entre a Cultura e a Natureza.
Com relação às questões interculturais, lembrou-se, entre outros
aspectos, do fato de que os visitantes estrangeiros do Rio de
Janeiro, no passado, quase sempre se hospedavam no bairro de Santa
Teresa, e a imagem que transmitiram da cidade, inclusive em publicações,
foi marcada pelas suas impressões e experiências de sua estadia.
Obras importantes sobre o Brasil, tais como a da Princesa Teresa
da Baviera, incluem referências à pujança da natureza e às pesquisas
que ali realizou da vida vegetal e animal.
Pode-se afirmar que poucos bairros do mundo há que melhores condições
oferecem para o tratamento contextualizado de questões referentes
à relação entre Cultura e Natureza. Considerando-se, de outro
lado, a história cultural do bairro, o papel que desempenhou e
que desempenha na vida cultural do Rio de Janeiro, compreende-se
a sua relevância dentro de um programa dedicado à Poética da Urbanidade.
O Colóquio de Estudos Interculturais, porém, sendo dedicado aos
450 anos de São Paulo, levantava a questão dos elos mais próximos
entre Santa Teresa e a motivação do evento. A justificativa aqui
residiu no fato de Santa Teresa possuir, como última comunidade
do Brasil, uma quase que intacta rêde de bondes em funcionamento,
permitindo um contacto mais real com um meio de transporte que
foi de extraordinária importância para São Paulo e cujo significado
de muito superava a sua mera função prática de locomoção.
São Paulo possuiu uma rêde de bondes que foi, na sua extensão
e diversificação, única na América Latina. Ela foi não apenas
foi instalada na malha viária existente e reforçou estruturas
urbanas; serviu também para a ocupação e o desenvolvimento de
novos espaços urbanos. Esse tipo de transporte estava estreitamente
vinculado com a identidade e a imagem de São Paulo, tanto do seu
centro como de muitos bairros. A percepção dos espaços era determinada
pelos trajetos, e o entendimento da cidade, do seu vir-a-ser,
de uma lógica interna do meio urbano era em grande parte determinado
pela ótica do passageiro dos bondes.
A falta de estudos mais pormenorizados da longa história desse
meio de transporte em São Paulo não representa apenas uma lacuna
de menor significado. É uma falha bastante sensível nos estudos
culturais, pois diz respeito, entre outros aspectos, a questões
de percepção de espaços, de compreensão de lógicas urbanas, de
identidades de comunidades e imagens de bairros.
A extinção desse sistema de transporte não apenas deve ser considerado
como resultado de uma exigência da modernização e da racionalização,
e uma questão a ser tratada sob aspectos exclusivamente pragmáticos
e técnicos. Deve ser analisada também nas graves conseqüências
que trouxe para a organização espacial, para a sua desagregação
histórico-cultural na percepção urbana por parte de seus habitantes,
enfim como perda de um dos bens patrimoniais da urbe.
A rêde de trilhos, tal como ainda se observa em Lisboa e como
está sendo reimplantada em várias cidades européias, representou
para São Paulo uma estrutura na estrutura de suas ruas e logradouros:
linhas e entrelaçamentos superpostos e criadores de significados,
elementos enriquecedores da partitura urbana.
Em muitos bairros de São Paulo, o estudioso que procura realizar
exercícios de leitura urbano-cultural necessita ainda hoje, após
tantas décadas, seguir mentalmente as antigas linhas de bonde.
Vias rápidas, cortadas sem maior sensibilidade através de situações
urbanas, abalaram em muitos casos estruturas de significado para
a identidade de comunidades, para imagens diferenciadoras de bairros,
contribuindo para uma perda de vínculo histórico-cultural e emocional
do homem para o meio e o micro-espaço, agora perdido na massa
amorfa da metrópole. Trata-se, assim de uma questão cultural e
de qualidade de vida.