Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006
nova edição by ISMPS e.V.
Todos os direitos reservados
»»» impressum -------------- »»» índice geral -------------- »»» www.brasil-europa.eu
No. 84 (2003: 4)
![]() |
||||||
Entidades promotoras Direção geral |
||||||
![]() |
||||||
© Foto: H. Hülskath, 2002 Archiv A.B.E.-I.S.M.P.S. |
SÃO GONÇALO DO AMARANTE: UM SANTO DE CAUSAS SOCIAIS. ROGAI POR NÓS!
Walter Cassalho
Os devotos bateram o pé/Com respeito e devoção/E todos com muito
respeito/Que é pra promessa ficar aceito/Que é a nossa obrigação/
Com respeito e grande fé/Os devotos bateram o pé/E também bateram
as mão.
Brasil, novo século, novo milênio, infelizmente com diferenças
sociais gritantes, crianças pelas ruas, nos faróis, na exploração
dos canaviais, das olarias e outras atividades. Crianças e mulheres
perdidas, sem empregos, sem estudos, exploradas no turismo sexual
de um Brasil jovem, grande e imaturo, fascinado pela cultura consumista,
perdendo a cada dia sua identidade.
Mulheres da vida, das esquinas, das boates, dos sites, porém,
sempre exploradas, quer sejam nos puteiros, quer sejam na rede
mundial da Internet.
Quem são por elas? Na luz do dia, lhe dão as costas, pela noite
... quem sabe? Religiões as excomungam, expulsam-nas, fecham as
portas! Quem são por elas? Não haverá ninguém, nenhum Deus, nenhum
santo a proteger estas tais?
Agora vejo violeiros, boêmios da noite, das farras, das andanças,
outrora senhores das noticias, cantadas em verso e prosa, porém
sempre mal vistos, sempre atropelados, sempre em más companhias.
Violeiros sempre galanteadores, de dedos firmes na viola e de
rabo de olhos nas mulheres da roda. Almas perdidas!! Quem são
por eles? Quem se preocupará com a alma destes tais notívagos?
Mas lá no céu, a promessa se cumpre, procurai e achareis, batei
a porta e ela se abrirá. Acredite ou não, estes tais, moços e
moças, perdidos ou não, tem seu santo protetor! Que por eles roga,
defende e alumia a alma. Sim senhor! Tem um santo para esses tais.
Um santo violeiro, que foi para céu, junto de Deus, com sua viola,
subiu aos céus de capa, de chapéu, de botas e com a violinha na
mão.
É São Gonçalo, São Gonçalo do Amarante, lá do reino de Portugal
e de lá subiu aos céus e dos céus veio ao Brasil, ouvir a viola
desta gente morena, gente cabocla, pecadora também, mas religioso
e zeloso da devoção de seu santo. Do santo violeiro, casamenteiro
das velhas. Que faz milagre e não pede dízimo e nem dinheiro,
em troca pede um bom toque de viola acompanhado de palmas e sapateado.
Ë deste homem, santo, violeiro e padre que vamos falar hoje.
* * *
Eu vou beijar meu São Gonçalo/E venha todos de uma vez/ E os devotos
ele ensinava/ É desse jeito que ele fez/ Ele promete o solidéu/
E todos nós queremos o céu/ É Deus que sabe, eu não sei.
O trecho acima é um dos vários versos dedicados a reza de São
Gonçalo, santo português, considerado o padroeiro dos violeiros.
Tema de diversos estudos folclóricos, históricos e antropológicos,
a Dança de São Gonçalo é um dos pilares da nossa cultura caipira.
Sabe-se que a dança era praticada na Bahia desde o século XVII,
sendo proibida em 1728, o que não impediu que se espalhasse por
todo o Brasil e sendo praticada até hoje com grande devoção principalmente
no interior paulista. Em Piracaia e Joanópolis, pequenas cidades
do Vale do Paraíba, do Estado de São Paulo ela acontece desde
o inicio do século XIX pelos primórdios da fundação da pequena
Vila de Santo Antonio da Cachoeira (hoje Piracaia).
Segundo Pedro Calmon num sermão de Padre Antonio Vieira em 1690
é citada a dança de São Gonçalo na Bahia e depois relatada em
1717 pelo francês Barbinnais: "Imenso poviléu amontoara-se no
adro da Igreja do patrono das solteironas a dançar, ao som de
guitarras e vivas a São Gonçalo. Apenas apareceu o vice-rei carregaram-no
e o levaram para dentro da igreja, obrigando-o a dançar e pular.
Também os franceses tiveram que se associar ao bate-pé. Dá para
imaginar o espanto deste francês ao defrontar-se com a exuberância
e riqueza que os brasileiros deram aos ritos religiosos, herança
dos exageros portugueses, aliados ao exotismo indígena e ao feiticismo
do povo africano.
Câmara Cascudo em seu Dicionário de Folclore Brasileiro, cita
algumas curiosidades, como no vice-reinado de Vasco Fernandes
César de Meneses, também na Bahia, que "estando governando a cidade
da Bahia, por vez umas festas, que se costumavam fazer pelas ruas
públicas em dia de São Gonçalo, de homens brancos, mulheres, meninos
e negros com violas, pandeiros e adufes, com vivas e revivas São
Gonçalo, trazendo o santo pelos ares, que mais pareciam abusos
e superstições que louvores ao santo, as mandou proibir por um
bando, ao som de caixas militares, com graves penas contra aqueles
que se achassem em semelhantes festas tão desordenadas.
Como estávamos no Brasil, obviamente que a lei não funcionou e
o culto a este santo persistiu e se espalhou de norte a sul, talvez
levada por violeiros que viajavam por todo o sertão, ou por devotos
que migraram e levaram o culto a todas as pessoas.
Mas que fascínio trazia este santo que fez com que o povo o defendesse
e venerasse mesmo sobre régias proibições? Antigamente o povo
realizava seu culto e dança dentro das igrejas e depois foram
expulsos com suas violas e cantos, mas o caipira, não enfiou a
viola no saco, muito pelo contrário, seguiu o passo de seu protetor,
o qual quando expulso até com cães de uma vila portuguesa foi
buscar refugio em outros cantos e encontrou um novo povo para
ouvir suas pregações. O caipira vincou o chapéu e cheio de esperanças
buscou novas moradas, ou seja, tirou São Gonçalo da igreja e o
hospedou em sua própria casa. O santo, como todo bom violeiro,
sem destino certo, saía de casa em casa e em cada uma que chegava
realizava-se uma festa, com viola, palmeado, sapateado e muita
oração.
O fascínio a São Gonçalo talvez esteja no fato dele ser um santo
próximo aos pobres mortais, ou seja, gostava de viola, de canto
e dança, não exigindo etiquetas e mesuras do latim católico. São
Gonçalo falava e refletia a voz e os costumes do povo, adaptava-se
perfeitamente ao festeiro povo brasileiro.
* * *
São Gonçalo do Amarante/ Que Veio de Portugal/ Ajudai nós a vencer/
Esta batalha real. /São Gonçalo do Amarante/ Protetor dos violeiros/
Eu peço que fique cumpre/A promessa do festeiro!
Ora, mas quem foi São Gonçalo?
Conta a história que ele nasceu em Tagilde (Portugal), sendo de
família importante resolveu estudar teologia. Ordenou-se sacerdote
e assumiu a paróquia de São Paio de Riba de Vizola.
Como bom jovem português, aprendeu o instrumento digno de sua
classe social, a guitarra e por ela se apaixonou. Na sua vida
sacerdotal era um grande devoto da Paixão de Cristo e resolveu
fazer uma peregrinação as cidades santas, confiando sua paróquia
ao próprio sobrinho.
Sua peregrinação durou quatorze anos de jejuns, orações, viagens
e estudos pelas cidades santas. Quando voltou descobriu que seu
avarento sobrinho corrompera sua paróquia e São Gonçalo foi expulsou
de suas próprias terras. Resignado desta condição entrou para
Ordem Dominicana e viveu por muitos anos em Guimarães, mudando-se
mais tarde definitivamente para Amarante.
Foi neste local que as obras de São Gonçalo começaram a ganhar
força, primeiramente se preocupou com as cheias do rio Tâmega
que a cada inverno punha em risco aqueles que necessitavam atravessar
suas revoltas águas. Esmolando aqui e ali, tocando sua viola de
casa em casa levantou fundos suficientes para construir uma ponte
e segundo a lenda sua viola e voz atraia os peixes para serem
pescados e alimentarem os pedreiros. Numa outra lenda, conseguiu
mover uma pedra que prejudicava a construção, a qual em vão vários
homens tentaram sem sucesso remove-la. Mas não só pela ponte que
São Gonçalo ficaria famoso. Muito antes de carismáticos e Padres
Marcelos, São Gonçalo inovou suas pregações atraindo inúmeras
pessoas para ouvir sua música, cujas letras falavam de Deus e
de um caminho para o céu.
E assim foi tomando fama e convertendo pessoas, nos seus bailes
apareciam muitas órfãs e viúvas as quais o santo sempre arrumava
um bom casamento, amparando estas pobres mulheres não só no campo
material, mas também no espiritual através da benção do casamento
sacramental.
Não obstante isso, existiam as mulheres de má vida, prostitutas
as quais foram atraídas por sua música. Segundo consta, ele arrecadava
dinheiro com seus bailes, dançava com as mesmas a noite inteira
e estas no outro dia, exaustas não pecavam, com sua música se
convertiam e com seu dinheiro deixavam de se prostituir e por
vezes acabavam até mesmo se casando e recuperando sua vida e salvando
sua alma.
São Gonçalo talvez seja um dos únicos santos a se compadecer ao
invés de condenar estas mulheres. Ele não atirou nenhuma pedra,
não as condenou, mas sim, percebeu que a causa da sua má conduta
não era o diabo, nem a volúpia sexual, mas sim a questão social,
a fome, o desamparo, a miséria, a ignorância, a falta de alicerce
religioso e principalmente a falta de solidariedade. Ele atacou
o mal social em sua raiz, não deu as costas, não fechou a porta
de sua igreja e nem as colocou para fora.
Para evitar a tentação e não cair no pecado e ainda oferecer seu
martírio a Deus pelas almas destas mulheres, ele enchia suas botas
com pequenas pedras do riacho, chamadas em Portugal de pregos
e com elas batia os pés e se auto-flagelava nos bailes sem que
ninguém soubesse.
E foi assim que ele converteu as mulheres de má vida, casou as
solteironas, encaminhou as viúvas, converteu os infiéis, alimentou
os famintos. Morreu em 10 de janeiro de 1259, foi sepultado em
Amarante e sua viola sumiu, para todos os fiéis, ele a levou para
céu e de lá toca suas músicas e alegra a morada divina. Após sua
morte muitos milagres lhe foram atribuídos, houve confirmação
popular de seu culto, sendo beatificado em 1551 pelo papa Julio
III e canonizado em 1561 pelo Papa Pio IV.
Seu túmulo em Portugal na Capela Dominicana de Amarante até hoje
é muito visitado e as mulheres costumam beijar as mãos e a face
da imagem do referido santo que sela sua sepultura, bem como esfregam
a barriga no mesmo, para adquirir fertilidade. Outras puxam o
cordão das vestes de sua imagem do altar, pedindo um bom casamento
e suas danças em Portugal dado a ser considerado o casamenteiro,
principalmente daquelas que passaram dos trinta anos, é conhecida
como Dança das Regateiras. Além disso é considerado o patrono
dos ossos. Suas festas ocorrem em 10 de janeiro e no inicio de
junho, com grandes desfiles, missas, procissões com sua imagem
vestida de padre e desprovido da viola.
Dentro do catolicismo popular é comum o sincretismo de costumes
pagãos e cristãos. Em Portugal, dado as questões de fertilidade,
alguns cultos fálicos da antiguidade incorporaram-se ao culto
do santo, sendo que em junho, durante suas festividades são confeccionados
um tipo de biscoito açucarado (massa doce) ou pães, ambos em forma
de falos os quais são vendidos na porta das igrejas e após bentos
são devorados pelas mulheres que buscam fertilidade ou bons partos.
No Brasil, as festividades de São Gonçalo estão em sua maioria
ligadas a cura e a bons negócios. As pessoas que fazem o pedido
ao santo geralmente pedem a cura de uma enfermidade, em especial
se esta for ligada as pernas ou pés ou senão quando os negócios
não estão indo bem, se realiza uma dança pedindo sucesso ao mesmo.
O rito fálico perdeu conotação no Brasil, talvez pela infinidade
de fórmulas, ritos, feitiços e outros santos que cuidam das questões
sexuais e da fertilidade dos brasileiros, no entanto, em todas
as festas se servem pães aos fiéis, um resquício dos pães fálicos
portugueses.
Em muitos lugares do Brasil, ele mantém o dom de ser o casamenteiro,
na região sudeste, Santo Antonio passou a ser o casamenteiro das
novas e São Gonçalo o casamenteiro das velhas, haja visto que
um dos versos a ele cantado diz o seguinte: São Gonçalo do Amarante,
casamenteiro das velhas, porque não casais as moças, que mal voz
fizeram elas? Não existe também nenhum dia específico para realizar
sua festa, geralmente os promesseiros escolhem um sábado ou domingo
e a realizam.
De acordo com a região do Brasil em que ela se manifesta, sofre
algumas transformações e influência musical de cada grupo. Em
certas regiões de Minas Gerais, Goiás e Bahia a dança é realizada
com arcos floridos e bem enfeitados numa belíssima coreografia,
no Ceará a dança é muito alegre e rápida, com saias rodadas e
roupas coloridas, em Pedrinhas no Estado de Pernambuco São Gonçalo
aparece com um pandeiro nas mãos e sem a viola, em Sergipe a dança
é efetuada por homens com a presença de uma única mulher, chamada
de mariposa a qual segura o santo.
Na região do sul de Minas, São Paulo, Vale do Paraíba, não existem
roupas especiais, a dança é feita em duas filas e os violeiros
tocam forte e cantam chorosos no final dos versos, batem pés e
mãos como se fosse um catira. Não existe nos municípios estudados
(Joanópolis e Piracaia) uma capela a São Gonçalo, a explicação
está em que o santo é violeiro e violeiro não tem morada; sempre
está na casa de alguém, por isso vemos sua imagem em muitas igrejas,
mas nenhuma igreja na região, dedicada exclusivamente a ele. Fazer
uma igreja a São Gonçalo e deixa-lo lá, entristeceria o santo,
segundo o relato de um dos fiéis, pois o certo é ele sair e visitar
outras capelas, levando música e alegria.
Há alguns anos, a dança era mais festiva, acontecia geralmente
na noite de sábado ou véspera de dias santos. Dias antes, preparava-se
o altar com enfeites, flores, arcos, rendas, papéis, etc. Colocavam
o santo em um balaio e saiam pelas casas pedindo prendas para
a festa. No dia anterior os promesseiros matavam um garrote ou
adquiriam carnes para o famoso e saboroso afogado, que nada mais
era do que um cozido de carnes com muito caldo, engrossado no
prato com farinha de milho e coberto com arroz.
Ao inicio da noite preparavam o altar e pequenas procissões traziam
andores rústicos, porém bem enfeitados com a imagem de São Benedito,
Nossa Senhora Aparecida e São Gonçalo. A chegada em primeiro lugar
e a presença de São Benedito garantia uma noite sem chuvas e de
bom tempo. Colocadas as imagens no altar, rezava-se o terço e
diversas ladainhas eram cantadas junto com as chamadas "Incelências
e por vezes até em latim caboclo, em seguida iniciavam o ritual
composto por seis voltas, com a duração média de 40 a 50 minutos
cada uma e intervalos que variavam de 15 a 20 minutos, sendo que
na terceira volta servia-se a comida e depois voltavam para a
dança, em cada intervalo era ainda servido muito café, pães e
bolos. A tradição diz que tomar café em festa de São Gonçalo traz
sorte. A última volta, acontecia no raiar do dia e recebe até
hoje o nome de canjuru, ocasião em os fiéis dançam e cantam em
circulo.
Como foi dito, a São Gonçalo se pede muita coisa e ao ser atendido
deve-se providenciar sua festa, correndo o risco de ser impedido
de entrar no céu e ficar perambulando pelo mundo se estiver em
débito com o mesmo, neste ponto São Gonçalo é irredutível. Por
isso é freqüente assistirmos festas em função de algum falecido,
que geralmente aparece em sonho pedindo para algum membro da família
pagar sua promessa ao santo, para que possa descansar em paz.
A dança é realizada com muito respeito, na presença do folgazão,
capelão, rezadores e dançadores, seu cunho é estritamente religioso,
por isso nas festas não se servem bebidas alcoólicas. Os cargos
da dança chegaram a ser exclusivamente masculinos, depois concedeu-se
uma volta (a segunda) para as mulheres, depois permitiram que
as mesmas dançassem no final da fila e ultimamente existem mulheres
folgazãs e capelãs, como é o caso de Piracaia e Nazaré Paulista.
Atualmente as danças ocorrem durante o dia, são mais simplificadas,
chegando mesmo em alguns casos a terem apenas quatro voltas, diminuiu
e até se extinguiram algumas ladainhas e parte das rezas. Os altares
continuam os mesmos e ainda é servido o café com pão.
Esta tradição é tão rica na região que em 1998, realizou-se em
Joanópolis um Colóquio com questões teórico-científicas sobre
a Musica e a Dança no culto de São Gonçalo do Amarante. O evento
teve inicio no dia 24 de setembro na sede do Instituto Brasileiro
de Estudos Musicológicos sediado no bairro dos Carvalhos daquela
cidade, onde aconteceu a recepção de autoridades municipais e
diversos membros de universidades e institutos da Alemanha, Portugal
e Brasil. Recepcionados pelo Dr. Antonio Alexandre Bispo, o mesmo
explanou sobre a importância do evento tanto para o Brasil como
para a Europa, unindo através da cultura e da pesquisa todos os
países envolvidos. Os pesquisadores estiveram em contato com a
dança de São Gonçalo na tradição caiçara de Ubatuba e cabocla
de Joanópolis, a fim de comparação entre os ritos. Em Joanópolis
o mais antigo e estimado capelão e folgazão, o sr. João Egidio
recebeu uma medalha de honra, vinda de Portugal da cidade Lagos
(Algarves), oferecida pela Comissão Nacional dos Descobrimentos
de Lagos - Centro de Estudos Gil Eanes. Outras duas medalhas foram
ofertadas a Câmara Municipal de Joanópolis e ao Instituto de Estudos
Musicológicos do Brasil. Talvez neste ano esteja pronto a compilação
dos estudos comparativos destas tradições e deverá através dos
Institutos de Musicologia de Colônia (Alemanha) e do Brasil ser
divulgada nos três países envolvidos.
* * *
Bem, aqui está um pedaço da nossa cultura popular, dos costumes
deste sertão caipira, moreno e caboclo e deste santo preocupado
com o social. Apesar do massacre cultural, através do bombardeio
diário da mídia que insiste em valorizar cultura enlatada de países
estrangeiros, nesta região ainda é possível ouvir um repique de
viola, o falar cantado e choroso da língua portuguesa do século
XVI e conviver com a intimidade dos santos e do imaginário popular.
Formaram-se nestes contrafortes da Mantiqueira bolsões da cultura
caipira, oriunda da mescla branca, negra e indígena. São focos
de resistência cultural num mundo de norte-americanização (que
alguns disfarçadamente chamam de globalização); são raízes profundas,
fortes e duras no vendaval da cultura de massa que passa rápido
e tenta arrastar para longe o antigo, o nostálgico, o mítico e
o poético. Homens e mulheres simples, violeiros, cantadores, enfronhados
na natureza exuberante que os cercam, ligados ao mundo mágico
que os cobrem e formam não um céu de estrelas, mas um céu povoado
de santos e anjos. Estes são os heróis da resistência cultural,
os caipiras, descendentes dos desbravadores bandeirantes e dos
arredios tapuias; gente de fibra, de costumes antigos, amantes
da natureza e acima de tudo orgulhosamente brasileiros. Não se
vendem ao fascínio da televisão, não trocam suas músicas e ritmos
pelo apelo da música comercial, não vivem o mundo virtual da internet,
mas sim o mágico e religioso de seus altares e crenças. Até quando
resistirão a tudo isso? Até quando São Gonçalo conseguirá proteger
seus fiéis das garras da mundialização da cultura? Será que nosso
santo violeiro conseguirá converter com sua música e sua dança
estes que se prostituem ante ao brilho da cultura dos países dominadores?
São Gonçalo dava dinheiro para as mulheres não se prostituírem,
será que não temos que seguir o exemplo, dar e valorizar a cultura
brasileira para que nossas gerações não se prostituam à cultura
superficial do consumismo?
Enquanto os homens se debatem nestas questões, num mundo marcado
pelo individualismo, vale a pena lembrar que São Gonçalo representa
a virtude da compaixão, do entendimento, do congraçamento, sempre
preocupou-se não só com aqueles que viviam as margens do rio Tâmega,
mas também com aqueles que viviam à margem da sociedade. Talvez
o exemplo de São Gonçalo deva ser ensinado aos nossos governantes
e aqueles que detém o poder econômico e político para que construam
uma ponte para dar uma margem segura ao nosso povo e que resolvam
os problemas sociais na sua raiz, para que não fechem as portas,
não soltem os cães e não atirem pedras. A nós fiéis ele ensina
que todo mundo pode dar de si, se não tiver dinheiro, nem posses,
nem poder, pode dar de seu talento, de seu conhecimento, assim
como ele fez um dia, não tinha nada de ouro a oferecer, por isso
ofertou seu talento musical, sua música, seu canto e sua fé.
São Gonçalo do Amarante, meu bom santo violeiro, conhecedor dos
problemas deste imenso Brasil - rogai por nós!
Bibliografia
Brandão, Carlos Rodrigues, (1981), Sacerdotes de Viola. Petrópolis-RJ,
Vozes.
Cascudo, Luís da Câmara, (1993), Dicionário do Folclore Brasileiro.
Rio de Janeiro-RJ, Editora Itatiaia Limitada.
Pereira, Niomar de Souza, (1999), Lenda e culto na dança de São
Gonçalo - Revista Folclore nº 24, Guarujá-SP, Gráfica e Editora
Mundial.
Diamantino, Dêniston F., (2001) Opará Vídeos - Documentário -
Belo Horizonte-MG.
Arquivos do Piracaia Jornal - semanário fundado em 31/3/1974 em
circulação na comarca de Piracaia, responsável Mônica Maria Luz
Frutuoso.
Musik, Projekte und Perspektiven. A.A. Bispo u. H. Hülskath (Hgg.).
In: Anais de Ciência Musical - Akademie Brasil-Europa für Kultur-
und Wissenschaftswissenschaft. Köln: I.S.M.P.S. e.V., 2003.
(376 páginas/Seiten, só em alemão/nur auf deutsch)
ISBN 3-934520-03-0
Pedidos com reembolso antecipado dos custos de produção e envio
(32,00 Euro)
Bestellungen bei Vorauszahlung der Herstellungs- und Versandkosten
(32,00 Euro):
ismps@ismps.de
Deutsche Bank Köln (BLZ 37070024). Kto-Nr. 2037661
Todos os direitos reservados. Reimpressão ou utilização total
ou parcial apenas com a permissão dos autores dos respectivos
textos.
Alle Rechte vorbehalten. Nachdruck und Wiedergabe in jeder Form
oder Benutzung für Vorträge, auch auszugsweise, nur mit Genehmigung
der Autoren der jeweiligen Texte.