Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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N° 31 (1994: 5)
1994: 100 anos de Renato Almeida Ciclo de estudos Roraima agradecimentos Biblioteca do Estado
Música nas relações culturais euro-brasileiras
Sistematização e integração dos estudos culturais
- Amazônia e Brasil Central -
projeto do ISMPS e.V. /I.B.E.M.
com o apoio de diversos órgãos oficiais e particulares, universidades
e museus
desenvolvido concomitantemente com o
projeto
As culturas musicais indígenas no Brasil
do
Institut für hymnologische und musikethnologische Studien
realizado com o apoio do
Serviço das Relações Exteriores da Alemanha
sob a direção de
A. A. Bispo
Diocese de Roraima
Universidade Federal de Roraima
Instituto de Antropologia
Escola de Música
Conselho Indigenista Missionário CIMI-Norte
Associação do Índio
Comunidade Makuxi-Fazenda São Marcos
Antonio Alexandre Bispo
(partes)
Seguindo sugestão do Departamento de Pesquisas da FUNAI em Brasília e indicações do Conselho Indígena de Roraima foram efetuadas gravações com o idoso índio Freitas na aldeia Vista Alegre e, sobretudo, com um índio Makuxí de 78 anos, de nome Adolfo, na Fazenda São Marcos. Este, conhecido pela sua memória, lembrava-se de cantos e danças já não praticados nessa região. Ele viera há somente 8 anos de sua região natal na serra (Maloca Progresso), onde as tradições puderam melhor sobreviver. Ele apenas conseguia lembrar-se dos textos cantando e não estava em condições de elucidar o seu significado, o que, porém, parece ser um resultado de problemas de idioma. Ele podia, porém, executar as melodias sem texto, por meio de pequena flauta Pã de 6 tubos (flauta de taboca = caaté).
As gravações realizadas são de especial interesse, pois apresentam gêneros e formas (Parischerá, Tukui, Aleluia) mencionados em antigos relatos, sobretudo nas obras de Theodor Koch-Grünberg. Além do mais, tornou-se possível efetuar gravações de um canto denominado Eutí, uma categoria não conhecida da literatura. As experiências feitas coincidem até mesmo em pormenores com aquelas descritas por Koch-Grünberg. Assim, ele menciona como pode observou, na Fazenda São Marcos, a dança do Parischerá, onde até mesmo o administrador dançou com os índios, considerando como a principal dança desse povo. O mesmo pôde ser observado durante as gravações efetuadas na época da visita dessa Fazenda, em 1993: também aqui o próprio funcionário conhecia o Parischerá, embora não sendo de origem indígena. As mulheres e as crianças, porém, nem mesmo cantavam e caiam em risos; alegraram-se porém, ao ouvir os cantos gravados.
Entre as gravações feitas na Fazenda São Marcos encontram-se vários exemplos de cantos Tukúi. Segundo as informações do cantor, dizem respeito a pássaros (colibris), o que também coincide com as informações de relatos mais antigos: "The Indians name ther Reception dance after the hummingbird, Tuku-i."
Theodor Koch-Grünberg dá a seguinte descrição da dança:
"Uma corrente infinita de dançadores de Parischerá, homens e mulheres, vem da savana a oeste aos uivos surdos dos trompetes de madeira, certamente uns 200 participantes. Um quadro magnífico! Depois, dançam e cantam na praça da aldeia, em grandioso círculo. No meio do círculo dançam, homens e mulheres, o Tukúi, a dança dos colibrís. Estão nús, apenas com uma tanga, pintados com artísticas figuras ou cobertos de argila branca, também os cabelos, o que dá a muitos uma aparência de todo selvagem. De dois a dois ou a três, em parte segurando-se por baixo, andam um atrás do outro, com joelhos dobrados, batendo com o pé direito. Os homens assopram um pequeno pedaço de canudo, sempre produzindo o mesmo som. Também essa dança é cantada, em certos momentos: cantos longos, épicos, em numerosas estrofes, como no Parischerá."
Theodor Koch-Grünberg obteve um pedaço de taquara grosso, tendo na ponta superior, enrolados, patas de veado; a ponta inferior era aberta, fechada com um couro de tambor. Na dança Muruá, o dançarino-guia batia no chão com esse instrumento, marcando compasso. Nos registros efetuados em 1993, o cantor - que entoou os cantos deitado numa rêde - acompanhou-se também com um bastão que trazia patas e pedaços de cascas de frutas entrechocantes na sua extremidade superior. Entretanto, ele nada sabia a respeito de uma dança de nome "Muruá".
De interesse é a sobrevivência de cantos denominados de Arärúya (Aleluia, Halleluja). Apesar do ducto de sabor indígena do desenvolvimento melódico, esse gênero de cantos remonta, segundo a pesquisa, a antigos contactos desses índios com os missionários ingleses, o que levou até mesmo à eclosão de movimentos de cunho messiânico no século XIX. O cerne desse culto era o canto do Aleluia. É notável que cantos cristãos de época relativamente recente conservem-se "indigenizados" na população de fala portuguesa de Boa Vista.
Segundo Theodor Koch-Grünberg, essa dança era particularmente difundida entre os Taulipángs da serra, sobretudo das redondezas do Roroíma:
"(...) é uma lembrança de missionários inglêses que atuaram nessas tribos antigamente, de feição indígena, embora sem traços cristãos perceptíveis. Os dansantes formam um círculo fechado. De dois em dois, em pares ou separados por sexo, andam de braço em braço ou com a mão direita no ombro esquerdo do parceiro, um atrás do outro, batendo com o pé direito no chão. Cantam assim diferentes melodias com texto indígena ou em inglês deturpado; são cantos guerreiros em tempo ligeiro de marcha, pelo que tudo indica cantos de igreja ingleses. Essas melodias, é verdade, dão uma impressão muito mais pobre do que os cantos de dança indígenas, tais como o Parischerá, Tukúi e outros. Às vezes, o dançarino-guia vira-se, e as duas metades do círculo confrontam-se dançando, isso por pouco tempo, uma movimentando-se para frente, outra para trás, balançando o corpo fortemente para a frente e para trás. No fim de um canto permanecem quietos por algum tempo, voltados para o centro do círculo, até que o guia inicie uma nova canção."
Theodor Koch-Grünberg considerou a dança de roda do Aleluia ou Arärúya como sendo uma "distorção grotesca do Parischerá", sem caráter e aborrecida:
"Eu dancei um certo tempo com eles, mas logo me afastei; tal ocupação me é por demais idiota."
Elas teriam sido praticadas por índios que foram alvo da missão inglesa Akawoio:
"Despertei assustado um dia de repente bem cedo da sonolência e pensei estar tendo alucinações: numa casa próxima, alguém cantava um "Heil dir im Siegerkranz". Tratava-se, porém, de algum canto religioso inglês traduzido para a língua indígena segundo a melodia do "God save the king". (...) A esses restos cristãos maçantes faz parte o monótono Arärúya, o qual já fez com que os moradores do Kaualiánalemóng esquecessem quase completamente os antigos cantos e danças."
Como o provam os registros efetuados do Aleluia, a influência missionária pode ser constatada até mesmo no final dos cantos. Em praticamente todas as danças há um grito final, com diferenças e muitas vezes gritado. No gênero Aleluia, porém, é substituido por um contar em inglês quase que incompreensível: "one, two, three, four, five".
(...)