Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006
nova edição by ISMPS e.V.
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N° 62 (1999: 6)
Congresso Internacional Brasil-Europa 500 Anos MÚSICA E VISÕES Sob o patrocínio da Embaixada da República Federativa do Brasil Akademie Brasil-Europa Pres. Dr. A. A. Bispo- Dir. Dr. H. Hülskath em cooperação com/in Zusammenarbeit mit:
Internationaler Kongreß Brasil-Europa 500 Jahre
MUSIK UND VISIONENColonia, 3 a 7 de setembro de 1999
Köln, 3. bis 7. September 1999
Unter der Schirmherrschaft der Botschaft der Föderativen Republik
Brasilien
ISMPS/IBEM
Deutsche Welle
Musikwissenschaftliches Institut der Universität zu Köln
Institut für hymnologische und musikethnologische Studien
Profa. Dra. Martha Johanna Haug
Universidade Cuiabá (Mato Grosso)
Zum Kongreß bot die Autorin einen Überblick über die ersten Ergebnisse
von Untersuchungen, die sie über Volksängerinnen und "Kaplaninnen"
im Staat Mato Grosso durchführt. Bei ihren Forschungen berücksichtigt
sie den Cururu, den sie als eine Ausdrucksform des Trova-Gesanges
und des informellen Volkstheaters ansieht, den Siriri, eine regionale
Bezeichnung des Fandango, der dem Cururu vorausgeht, den Tanz
oder die Wallfahrt von São Gonçalo sowie Volksandachten. Sie setzt
damit die volkskundlichen Forschungen fort, die seit 1973 in Mato
Grosso durchgeführt werden, und hebt dabei die bedeutende Rolle
der Frauen hervor, die bisher von der Forschung kaum beachtet
wurde, die sogar mehrere Erscheinungsweisen der Volkskultur als
rein männliche Angelegenheiten ansah. Die Beachtung der Frauen
in der Volkskultur könnte zum besseren Verständnis des Menschen
in Brasilien, der brasilianischen Realität und zur Entwicklung
eines kulturell geeigneten Erziehungssystems beitragen. geprägte
Gesellschaft, die zwar Unterschiede, aber auch Gemeinsamkeiten
mit der europäischen früherer Jahrhunderte aufweist. Eine der
bedeutenden Ausdrucksweisen dieser "oralidade" des Hinterlandes
ist die "cantoria", die u.a. von Dulce Martins Lamas untersucht
wurde. Wir wollen zwar nicht behaupten, daß die heutigen Sänger
des Nordostens die unmittelbaren Nachkommen der Sänger des Mittelalters
sind, auch deshalb nicht, weil sich diese in einer Vielzahl von
Typen mit besonderen Eigenarten unterschieden. Es bestehen jedoch
offensichtlich Zusammenhänge, sei es in sozialer oder in okölogischer
Hinsicht, die beide Phänome auf europäischer und brasilianischer
Seite miteinander verbinden.
Vozes da Terra: mulheres trovadoras e capeloas.
Este estudo é o primeiro esforço de análise e sistematização teórica em trabalho de campo que estou realizando em Mato Grosso, Brasil, acerca das mulheres trovadoras e capeloas.
Levanto e estudo os signos, os símbolos e os significados que envolvem o Cururu, manifestação de trovadoresca e teatro informal[1], o Siriri, nome regional do Fandango, que precede o Cururu, a Dança ou Romaria de São Gonçalo e as rezas espontâneas, na visão discursiva das trovadoras.
É corrente, no discurso regional e na literatura pertinente, que o Cururu é manifestação tradicionalmente masculina, tanto no trovar quanto na coreografia. No Siriri e na Dança de São Gonçalo, as mulheres têm sua participação limitada à dança em si mesma, juntamente com homens e crianças; homens são instrumentistas e cantadores.[2]
Em Mato Grosso, os instrumentistas e cantadores de Cururu, são geralmente, os mesmos que participam no Siriri e na Dança de São Gonçalo. É comum também serem rezadores de ladaínha ou ajudantes (aprendizes de rezadores) em festas de santos ou de velório. Nesse caso, o ofício de rezador ou de ajudante de rezador pode ser respectivamente desenvolvido por um homem e uma mulher ou vice-versa.
Em 1973, Julieta de Andrade, em coleta de dados de tradição oral, em Cuiabá, encontrou uma violeira de cocho, que acompanhava roda de Cana Verde mas, pelo fato de se haver convertido à religião crente, fazia restrição ao Cururu[3], de tradição católica.
Em julho de 1999, coletando dados sobre a devoção ao Senhor Divino em Cuiabá, tive notícia de cururueiras residentes em Várzea Grande, município que compõe a região denominada de Grande Cuiabá, localizada no centro sul Mato Grosso. Também em Nossa Senhora do Livramento, em local distante da sede, há mulheres trovadoras. São consideradas como melhores que muitos homens e para cantarem bonito, não precisam nem beber pinga.
Quis entrevistar duas delas, de Várzea Grande. Infelizmente, uma das cururueiras não pôde estar presente, por ter sido solicitada, de última hora, juntamente com seu esposo e companheiro de trovas, para participar de roda de Cururu, em festa de santo, em local distante.
Assim, relato os dados coletados com Dona Cristina Valeriana dos Santos, cururueira, tiradora de Siriri, de Dança de São Gonçalo e capeloa, na sua definição. Tem 72 anos de idade, é pequenina, magra, cor de pele herdada do avô, angolano. Nascida em Nossa Senhora do Livramento é analfabeta e foi lavradora dos sete até os 47 anos de idade; depois foi cozinheira em fazendas e em casas de pessoas de classe média, gente fina. Sem aposentadoria, mas na esperança de tê-la um dia, sobrevive com o marido que, por invalidez, recebe R$ 80,00 mensais da previdência social; o que talvez justifique os versos que ela canta na dança de São Gonçalo:
São Gonçalo do Amarante,
Foi feito de pau de pinhero.
Quero que ele me ajuda,
Pra rendê o meu dinhero.
A linguagem de Dona Cristina é a característica da cuiabânia, fundamentada no dialeto caipira e difundida, na região, pelos bandeirantes paulistas.[4]
Na fonética é marcante a transformação do l em r: sepurtura, frô, sarvação; a pronúncia do j, g, x e ch, antes de vogais, tem o som é de dj, dg, tx e tch, a exemplo de adjuda, dgente, tchão.
Na morfologia há mudança do gênero do determinante: a calúnia é duído, uma cruz muito pesado.
A prosódia de Dona Cristina é peculiar nos verbos alcançar e crucificar, ascançar e croceficá.
Cantar o Cururu e o Siriri e a tocar ganzá, ela aprendeu ainda criança, com seus tios, por parte de mãe. Já cantou em festas em louvor a santos e em cantoria para diversão, pra divirti. Hoje, mais idosa, prefere cantar de par com um de seus dois filhos cururueiros, porque os conhece bem e, é só eles abrí a boca já sabe o que vão cantar.
Sobre o fato de dizer-se que o Cururu é só para homens, ela contesta dizendo que é uma grande bobagem, cepo de bobage.
Dentre os cururueiros que conhece (conhece praticamente todos da região), considera uma cantadora, que trova junto com o marido e formam par constante nos Cururu da região, como de cantoria mais bonito.
As trovas de Dona Cristina são singelas, de pureza quase infantil, em rima AABC ou ABCB, tanto no Cururu quanto no Siriri. Falam de pássaros e flores[5] (para diversão); quando são de louvação a santo, os fatos e as personagens bíblicas, se confundem entre o Velho e o Novo Testamento, fato justificado pelo aprendizado doméstico.
Sua visão sobre a origem do Cururu, do Siriri e de seu instrumento de acompanhamento, a viola de cocho[6]: estes são muito antigos, vêem dos tempos bíblicos.
Andrade coletou dados em Cuiabá, segundo os quais o cocho e o Cururu estão ligadas "à dança que os judeus fizeram para o bezerro de ouro, enquanto Moisés recebia as Tábuas da Lei das mãos de Deus" e o instrumento "acompanhante era o cocho". Outro pesquisado pela mesma Autora afirmou que "o cocho é anterior ao bezerro de ouro."[7]
Na versão de Dona Cristina, Abraão, o mais antigo patriarca e antepassado do povo de Israel, juntamente com Isabel e Zacarias (pais de João Batista), que ela afirma serem os pais de Abraão, participaram de um baile na quaresma. Nesse baile, os dançadores não eram humanos, mas demônios. Abraão, vendo aquilo, resolveu inventar outro tipo de dança, outro instrumento musical, do agrado de Deus. Assim inventou, em parceria com Isabel e Zacarias, o Cururu, o Siriri e a viola de cocho.
A narrativa é a seguinte:
diz que fizero uma festa na quaresma e teve o baile
I nesse
baile diz que dançô gente de tudo quanto era tamanho. Via gente
de tudu típu. Tinha gente de saia, tinha gente de carça, tinha
de quatro pé, tinha de chifre, tinha de pano marrado, tinha de
bandera, tinha de tudu jeito. Ele (Abraão) diz que parô pra pensá.
Ele falô: aqui num tem gente, aqui quem tá dançano é o demônio.
Nóis vai inventá outro tipo de dança, segurado nas mão de Deus,
que assim nóis vai dançá uma dança. I assim, inventô o Cururu.
Num pareceu ninguém deferente. Aí, tirô du Cururu, ele foi pro
Siriri i num pareceu ninguém deferente. Purtantu que falam que
até hoje, sempre tem quarqué coisa no baile, purque o baile Deus
num amô. Ele num aprovô u baile. I u Siriri ele aprovô, u Cururu
tamém. Esse vem de século. Ocê imagina, eu já tô cum 72 anos,
já achei o Cururu! Meus tio já cantava, meus avôs, pru lado de
minha mãe, já cantava. Esse vem de começo e assim ficô. A viola
de cocho também é invento do Abraão. Abraão e a Isabel e o Zacarias
também, são dono do Cururu.
Dona Cristina também é especialista na recitação litúrgica, capeloa, no seu dizer. É requisitada para rezas ou ladainhas caseiras, de santos de devoção ou promessa e de velório, de defunto.
A sua reza de velório tem uma parte falada e outra cantada. A falada consiste na recitação do terço, tirar o terço; a cantada, no Pai Nosso, na Ave Maria, nos cânticos Meu Anjo da Guarda e Por aqui Passaste um Home, este, no momento em que o corpo é levado ao cemitério.
Como capeloa de reza de defunto, ela tem suas visões particulares
sobre o destino do morto. Para ela, um morto com aparência triste
não tem a companhia de um anjo da guarda e por isso sua alma ficará
vagueando, a alma zanza pelo mundo; aquele que, ao morrer e após
a morte tem a feição tranqüila, tem o anjo da guarda ao lado e,
portanto, a alma é salva, indo direto para a glória. O anjo da
guarda acompanha a alma.
salva, vai pra grória, pro céu. O anjo da guarda acompanha velório
de pessoa caridosa. Desde o começo da morte dela, morre feliz.
Ela não morre assim
não é um morto triste. Ela tá morto, mas
tá um morte alegre, é porque tem o anjo da guarda em volta. Alma
que salva são pessoas que véve sem devê, com consciência, sem
fazê mar pros outro. Desprendeu da matéria, ela está com o anjo
da guarda e dali sai o enterro, mas a alma dela já foi pro lugá
determinado. Quando a alma não é salva, ele zanza. Aí, o anjo
não encosta. São aqueles que é
castigado, penado, que faiz mal
pros outro, principalmente se calúnia os otros, porque a calúnia
é tão duído que não tem perdão. E outro é o que mete as mão nas
coisa dos outro, é uma alma penada que não tem perdão. A alma
quando tem salvação, ela tem um anjo da guarda em volta e ela
acompanha até o reino da salvação. Esse, anjo protege.
O anjo da guarda, para este sujeito da pesquisa, não tem forma humana. Ela é convicta ao afirmar - ele é uma pomba. É uma pomba linda. Branca, branca, branca, branca, tendo a sua volta uma irradiação luminosa na cor azul.[8]
Essa foi a visão que teve do guardião angélico de seu avô, no dia de sua morte e durante o seu velório. O anjo da guarda, na forma de pomba, ficou ao lado do caixão durante todo o velório até a saída do corpo, quando sumiu porque foi acompanhar a alma do seu avô.
Dona Cristina mostra convicção: a sua visão foi a do anjo da guarda e não do símbolo do Divino Espírito Santo.
Na simbologia "a pomba representa muitas vezes aquilo que o homem tem em si mesmo de imorredouro, quer dizer, o princípio vital, a alma."[9]
Acompanhante dos vivos e das almas, o anjo da guarda é aquele que nos livra do mal, defende e ampara, portanto, para os vivos, é sempre bom devocioná-lo, fazendo a seguinte oração, após benzer o corpo:
Meu anjo da guarda piquinino,
Que alumina meus caminho.
Me defenda dos inimigo,
Por toda parte que eu andá.
Ou
Anjo da guarda piquinino,
No oratório do meu artá,
Me livra de tudu nu matu (no mato)
Pur tudu caminho qu eu passá.
Essa oração revela o contorno, o ambiente de sua vivência, o cerrado matogrossense, por isso "me livra de tudu nu matu".
Quando a capeloa cantou e depois recitou vagarosamente os versos da reza de defunto Meu Anjo da Guarda ela disse: Lá por meia noite,/Foi que o sol crisô (crisol, é ouro, em grego; o sol, portanto, dourou); no verso seguinte: No dia 13 de agosto, / há de vê o sol corrê.
Perguntada sobre o significado desses versos, ela explicou: quando a lua crisa ela briga com o sol, portanto eles não devem se encontrar, porque um quer comê o outro. O fato repete-se de seis em seis anos.
É a explicação do fenômeno do eclipse, numa reza de defunto.
Sua narrativa sobre o fato é a seguinte:
a lua crisô
é que ela crisa, né" Dizem que o sol briga com
a lua. Pur isso que tem no dia 13 de agosto, há de vê o sol corrê.
É que ninguém ficô cum medo, né" Achô eu aquele não significava
nada, né" E ele é um significado
que a lua crisou. É porque
eles não pode se encontrá. Eles num pode
A senhora percebe bem
quando o sol vem saíno, que a lua é cheia, ela vai entrano.
Que o dia queles cruzá
um querem cabá com a vida de um a outro.
Ele é um significado
Meu avô falava tanto nesse significado
Mai é assim
eles num pode cruzá. Cruzó
eles faiz por tudo
pra um cabá cum outro. Eles briga
Ô a lua quê comê o sol,
ô o sol quê comê ela
Ele
de sempre e sempre, de seis em seis
ano tem esse aí.
Essa narrativa do eclipse também não é conseqüência de aprendizado escolar, Dona Cristina é completamente analfabeta; revela, sim, o contexto de sua cultura familiar, seu avô falava
A reza e a narrativa revelam todo um simbolismo cósmico.
O fenômeno do eclipse é quase universalmente considerado uma ocorrência dramática; o Sol ou a Lua, como devoradores, aparecem na mitologia de vários povos do mundo.
Quanto ao simbolismo lunar, Mircea Eliade explica que, em grande parte as "idéias de ciclo, de dualismo, de polaridade, de oposição, de conflito, mas também de reconciliação dos contrários, de concidentia oppositorum foram descoberta e tornadas mais precisas graças ao simbolismo lunar. Pode-se falar de uma metafísica da Lua, no sentido de um sistema coerente de verdades concernentes ao modo de ser específico dos vivos, a tudo o que, no Cosmos, participa da Vida, quer dizer, do devir, do crescimento e do decrescimento, da morte e da ressurreição. Porque, é preciso que o não esqueçamos, o que a Lua revela ao homem religioso é não somente que a Morte está indissoluvelmente ligada à Vida, mas também e sobretudo, que a Morte não é definitiva, que é sempre seguida de um novo crescimento.
A Luz valoriza religiosamente o devir cósmico e reconcilia o homem com a morte. O Sol, pelo contrário, revela um outro modo de existência: não participa do devir, bem que, em movimento sempre, o Sol permanece imutável, a sua forma é sempre a mesma."[10]
Na reza cantada e denominada de Por aqui Passaste um Homê, o número sete, cabalístico e chave do Apocalipse, é repetido por duas vezes:
Esta oração foi bem dada,
Otras sete no carnau,
Para rezar sete vez na coresma.
Ascansarei perdão de Deus.
A sua significação, é dada pela própria capeloa: sete vezes na coresma porque a quaresma tem a duração de sete semanas e sete vezes no carnal, porque, em contraposição ao morto, é o ser vivente que reza sete dias - no sétimo - a Missa do Sétimo Dia.
Quanto as melodias de Cururu e Siriri inserem-se no contexto do quadro trovadoresco brasileiro já estudado por Andrade (em "Aculturação e síntese no folclore da cuiabania", 1976 e Cururu espetáculo de teatro não formal, tese inédita, 1992) em Mato Grosso, o Cururu está na tradição das tensó, de Sul de França, como os desafios do Nordeste brasileiro.
Entretanto, embora com poemas de porte menos extensos do que os paulistas, quanto à parte poética o Cururu de Mato Grosso também se relaciona com a corola medieval francesa, a) porque Mato Grosso é de colonização paulista, b) porque conserva intata até agora a tradição da dança dita arrodiada, que no estado de São Paulo, há alguns anos, é reservado para cumprimento de promessa religiosa. Em Mato Grosso o arrodiado é constante, tanto para letra religiosa como para o chamado Cururu para distrair, onde ocorre o fenômeno local de fazê frô (dirigir-se o trovador à namorada com um cumprimento socialmente elegante mas com significado íntimo de gesto de amor).
Quanto às orações cantadas estão estruturadas como fala quase cantada, sobre meloias intuitivamente compostas de frases feitas com intervalos pequeninos entre os sons, e tessitura que não ultrapassa um intervalos de 6ª (do a lá, ré a si).
Elas deixam no ouvinte uma praserosa sensação musical de estar acompanhando um comovido cantochão impregnado das características musicais religiosas de gente brasileira, portamentos suaves, voz anasalada, continuidade do canto em surdina com quase total aus6encia de ornamentos; e sobretudo, canto em feitio de reza discursiva, cuja seriedade da mensagem poética encaminha o transcorrer da melodia. A música, no caso, serve à religião porque ser capeloa não significa saber cantar bem, mas cantar o serviço de Deus no próximo.
A perspectiva de incremento de pesquisa e publicações neste setor, no Brasil, abriria caminho para melhor conhecimento do Homem brasileiro como ele é, em questão de Cultura, condição básica para a configuração de um sistema de Educação filosoficamente nacional.
Reza de velório
Dona Cristina Valeriana dos Santos e seu filho José Ernesto dos Santos, apelido Titi - cururueiro, 41 anos de idade.
Meu anjo da guarda,
Bem-aventurado,
Me livrai, meu anjo,
Se eu tenho pecado.
Lá por meia noite,
Foi que o sol crisô (nos versos falados para a pesquisadora, diz
Lua)
Tão forte foi o povo
Que não se entemidou.
No dia 13 de agosto,
Há de ver o sol corrê.
Tão forte foi o povo,
Que não rependeu.
Por aqui Passaste um Homê - reza de saída do corpo.
Por aqui passaste um homê,
Co uma cruz muito pesado.
Cada passo que ele dava
Ele fazia ajoelhado.
Ali vem Nossa Senhora,
Rezando quanto podia.
Meu Jesus croceficado,
Ali vem a vós servi.
Salvação para minha alma,
Graça para vós servi.
Esta oração foi bem dada,
Para rezar sete vez na coresma,
Otras sete no carnau,
Ascansarei perdão de Deus.
Lá no céu tem seus lugá.
Lá no céu tem seus lugá.
Cururu - instrumentos: viola de cocho (por José Ernesto), prato esmaltado, percutido com um garfo (por Dona Cristina).
Madalena quano foi visitá
A sepurtura de Jesuis,
Num achando mais o corpo,
Perguntô praquele anjo.
Vorto chorano.
Foi levá a notícia pros aposto:
Meu Jesus, tá lá no céus,
Na direita de Deus Pai.
Eu fala pra dona Martha,
Aniceta tamêm falo.
Madalena quano foi visitá[11]
Cururu - São Sebastião
Bastião santo foi amarrado
Naquele tronco de veleira.[12]
Um dia ele viu figura de Deus do céu,
Que tava suspenso sobre o muro.
Cururu - pra divirti
Anhuma canta,
Carãozinho tamêm canta,
Quano vem amanhecendo,
Dá saudade pra quem quê bem.
Bateu vento na rosera,
Derrubô botão di frôôôô,
Eu tenho morada longe,
Vô retirano devagá.
Cururu de ponto (i. é. Para jogar ponto - metáfora dirigida a alguém em particular que deve descobrir o significado)
É por isso que eu num passeio
Pur certa casa,
Eu num vô buscá,
Eu num vô levá.
Instão eu num vô pa parte ninhum.
Fala dus invejoso,
Num pode me vê, tá má impregano.
Fulano num sai da casa aieio (alheio).
Siriri - Instrumentos: viola de cocho, tocada por José Ernesto, mocho, no caso, caixa de papelão, percutida com dois pauzinhos, procurados eachados no chão do quintal, tocada por Dona Cristina.
Minha gente, venha ver
Como dois alegre faiz.
Vocês não são capaz,
De fazê como nóis faiz.
Ê, la, la, lai...
Essas moça da cidade,
São bunita e dança bem,
Que facêro pra meu meu.
Essas moça da cidade (de Várzea Grande)
Já não tem educação.
Dança baile de sapato,
Siriri de pé no chão.
Transcrições musicais[13]
Anjo da Guarda
*
Pai Nosso e Ave-Maria
Por Aqui Passaste um Homê
[1] Julieta de Andrade, define o Cururu, "espetáculo poético-musical e coreográfico [...], com características trovadorescas." Identidade cultural no Brasil. São Paulo: A9 Editora e Empreendimentos Ltda, 1999. p. 51. Sobre o Cururu e a Dança de São Gonçalo, veja-se também em Antonio Alexandre Bispo. Grandlagen Christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit: der Raum des fruheren portugiesischen Patronatsrechts. In Musices Aptatio. Liber Annuarius. Roma: Consociatio Internationalis Musicar Sacrae. 1987/1988. v. I.
[2] Julieta de Andrade Aculturação e síntese no folclore da cuiabania. Boletim do Museu da Casa Brasileira. São Paulo, 1976. Pp.
[3] Idem. Cocho mato-grossense: um alaúde brasileiro. São Paulo: Escola de Folclore/Editorial Livramento, 1981. p. 68.
[4] Amadeu Amaral. O Dialeto Caipira: gramática - vocabulário. São Paulo: HUCITEC/Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976.
[5] "[...], quando o compilador de um chansonnier do século XII assinala negligentemente que o trovador gascão Peire de Valéira, um dos mais antigos que temos notícia (na primeira metade do século XII), não valia grande coisa porque compunha versos de folhas, de flores, de cantos e de pássaros, pressume-se que faz então referência a um gênero, na época, caído em desuso ou em desapreço. Pois desse gênero só subsistem - talvez - fragmentos mal identificados, cantos de primavera esgalhados entre as canções dos Minnesänger ou as reverdies e romances franceses, antigamente publicados por K. Bartsh conforme manuscritos relativamente tardios." Paul Zumthor. A letra e a voz: a "literatura" medieval. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. P. 49.
[6] Sobre a viola de cocho, ver Julieta de Andrade. Op. Cit. 1981.
[7] Idem. Ibidem. pp. 68-9.
[8] O azul e o branco, cores marianas, simbolizam "o desapego aos valores deste mundo e o arremesso da alma liberada em direção a Deus." Jean Chevallier & Alain Gheerbrant. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990. P. 108-9.
[9] Jean Chevallier & Alain Gheerbrant. Op. Cit. p. 728. Na tradição judaica as almas individuais são feitas de diferentes partes. Entre essas divisões está a alma animal. Alain Unterman. Dicionário judaico de lendas e tradições. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. P. 20. Na tradição eslava, "a alma toma a forma de pomba, depois de morte. Símbolo das almas, motivo frequente na arte visigoda e romana." Juan-Eduardo Cirlot. Dicionário de símbolos. São Paulo: Editora Moraes, 1984. P. 490.
[10] Mircea Eliade. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Lisboa: Edição "Livros do Brasil". P. 165.
[11] Cururu cantado no ritual de erguer o mastro, trova quando se esta chegando a terra no pé do mastro. A cova, para fincar o mastro, é chamada de sepurtura de esuis.
[12] "Aveleira, arbusto ou árvores, da família das tetuláceas (Corylus avelana), das regiões temperadas do hemisfério norte; avelaneira, avelãzeira." Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Idem. P. 165.
[13] Transcrições feitas por Julieta de Andrade
[14] Le romance est une poésie octosyllabique assonancée dans les vers pairs. Les philologues utilisent le mot au masculin (celui-ci ne doit pas être confondu avec les romances de Beethoven). Le terme romanceiro, dorigine littéraire et ibérique, désigne lensemble des poésies ou romances, cest-à-dire le corpus poétique lui-même, alors que la ballade est un terme musical, générique et européen. Les romances représentent une branche de la ballade qui est une chanson médiévale commune à plusieurs terroirs européens.
[15] Manuel de Jesús Galván, Enriquillo. Leyenda histórica dominicana (1503-1533), Santo Domingo 1990.
[16] Juan Bosch, El Indio Manuel Sicurri. en: Cuenots escritos en el exilio, Santo Domingo 1981.
[17] Novelas bananeras:
Carlos Luis Fallas, Mamita Yunai, San José 1995.
Miguel Angel Asturias, El Papa verde, Ciudad de Guatemala 1985.
Ramón Amaya Amador, Prisión verde, Comayagüela 1993.
Novelas de la caña:
Pérez Cabral, Jengibre, Santo Domingo 1978.
Moscoso Puello, Cañas y bueyes, Santo Domingo 1975.
Freddy Prestol Castillo, El Masacre se pasa a pie, Santo Domingo
1982.
Ramón Marrero Aristy, Over, Santo Domingo 1987.
Novela del café:
Alberto Cañas, Los molinos de Dios, San José 1992.
Novela minera:
Baldomero Lillo, Sub Terra, Santiago de Chile 1904.
Jorge Icaza, Huasipungo, Buenos Aires 1934.
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