Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
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N° 21 (1993: 1)
Maria Helena Rosas Fernandes
SBM
Com os três volumes da Enciclopédia Bororo de César Albisetti e Ângelo Jayme Venturelli já publicados, e o quarto volume em preparação, a tribo dos Bororo provavelmente é a cultura mais conhecida, descrita e analisada dos índios brasileiros, se não da América do Sul. Completou a etnografia Bororo o livro de Renata Viertler e de Sônia Ferraro Dorta: primeiro dando a análise de organização social examinada principalmente do ponto de vista estruturalista, e o segundo com a elucidação dos aspectos fundamentais da arte plumária da tribo.
Um aspecto desta cultura ficou quase por completo sem ser registrado, muito menos analisado: a música. Ela é dos relativamente raros sistemas musicais indígenas que possuem verdadeira polifonia.
Examinando três fitas gravadas pelo padre César Albisetti, encontramos
ricos exemplos de cantos a várias vozes, com ou sem acompanhamento
instrumental, como:
1. Canto para duas vozes solistas masculinas, acompanhadas pelo
chocalho.
2. Melodia feita a princípio por duas vozes masculinas, a um intervalo
de quinta justa. Uma outra voz masculina entra no meio do canto,
enriquecendo a polifonia com um ritmo diferente.
3. Melodia iniciada por duas vozes solistas masculinas. Outras
vozes vão entrando em momentos diferentes, começando um canto
de grande complexidade rítmica.
4. Melodia cantada por duas vozes solistas masculinas e coro.
O coro canta a mesma melodia uma oitava acima.
5. Melodia feita por duas vozes solistas masculinas em oitava,
e coro feminino. Este coro faz a mesma melodia uma quinta acima.
A diversidade rítmica é dada pelas entradas em momentos diferentes
das vozes solistas.
6. Canto funeral feito por um solista e coro, com acompanhamento
de chocalho. O coro faz a mesma melodia a uma quarta acima.
7. Melodia feita por dois solistas masculinos e dois coros (de
homens e meninos) com acompanhamento de chocalho. O coro de meninos
repete a mesma melodia uma quinta acima de maneira constante.
8. Canto com um solista masculino e coro de meninos que cantam
a melodia a uma quarta acima.
Para uma demonstração de como são feitas algumas destas agregações sonoras na música Bororo, transcrevi e analisei as três músicas que mostro a seguir:
1° Canto Música cantada por duas vozes masculinas com acompanhamento de
chocalho e flauta.Um motivo fá-sol (2° M) se repete quase que
invariavelmente na obra toda. Cada repetição é definida por repousos,
encontrados nos compassos: 6-10-39-47, dando uma idéia de organização
na realização do canto. Nos comp. 21, 52, 57 o repouso é feito
numa voz, enquanto a outra entra com o tema.
Uma interrupção maior, de 5 tempos, é feita no compasso 47. Um
elemento novo em cromatismo é utilizado no compasso 44, preparando
a entrada do desenho inicial. Este desenho no compasso 50 se repete,
agora meio tom acima.
O canto todo é acompanhado por chocalho, que é tocado de uma forma
monótona segundo a pulsação inicial (semínima = 88) em mezzo forte
nos dois primeiros compassos e em piano até o final.
Uma flauta grave dando o mib2 em mf acompanha o canto todo, com
exceção dos dois compassos iniciais. O seu ritmo não uniforme
faz um contraste com a monotonia rítmica do chocalho.
2° Canto Num jogo de pergunta e resposta ocorre a 2a. música Bororo, que
é cantada por dois cantores, de voz bastante grave e de timbre
rico.
Seria uma imitação de um canto de pássaros?
O motivo melódico que dá início ao diálogo é curto, e feito apenas
com dois sons: fá# -mi b (2a. aumentada). É predominantemente
rítmico e de dinâmica variada. Durante o canto, três sons são
acrescentados: ré no compasso 2, mi natural no compasso 3 e fá
natural no compasso 15.
A resposta também é predominantemente rítmica. Utiliza dois sons:
ré e mi natural (2a.M). No compasso 9 aparece pela primeira vez
o fá #, no compasso 14 o mi b e no 33 o fá natural.
Um grupo pequeno de vozes enriquece o jogo de perguntas e respostas
nos compassos 5 e 6, sustentando uma nota à oitava e com um desenho
melódico simples, nos compassos 8 e 9.
Os dois elementos melódicos principais são repetidos 11 vezes.
Nos compassos 63 e 64 as duas vozes em oitava se unem num grito,
indicando o término da obra.
A pulsação bem definida, nos leva à indicação do compasso 2/4
e só nos compassos 16, 28, 52 temos o 1/4, aparecendo a pulsação
ternária nos compassos 8 e 10.
3° Canto A terceira música Bororo é para voz e chocalho. Este faz uma marcação
rítmica bem definida, sempre na mesma dinâmica, demonstrando claramente
o movimento da marcha na obra toda.
Uma série cromática de sons: do, do # (ré b), ré natural, mi b,
mi natural, fá é utilizada na música. Nos compassos: 73, 84, 101,
140 surgem sons com alteração não definida, talvez de 1/4 de tom.
A monotonia é gerada pela repetição constante de um mesmo elemento
rítmico-melódico, que é utilizado em toda a obra com poucas modificações.
Em certos trechos do canto, ficamos inseguros em determinar se
entrou ou não uma outra voz.
A própria impostação diferente em determinadas partes, gera também
esta indefinição, como acontece nos compassos: 23 ao segundo tempo
do compasso 24; 35 ao primeiro tempo do compasso 36; 70 ao segundo
tempo do compasso 71; 81 ao segundo tempo do compasso 82.
Não teriam estas vozes timbres muito parecidos?
Isto ocorre nos seguintes trechos:
Segundo tempo do compasso 93 ao compasso 102
Segundo tempo do compasso 124 ao primeiro tempo do compasso 135
não permitindo com certeza a delimitação das entradas de cada
voz.
Três motivos novos surgem no decorrer do canto.
O primeiro indicado por A na partitura, aparece nos compassos:
23 ao segundo tempo do compasso 24; 35 ao primeiro tempo do compasso
36.