Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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N° 19 (1992: 5)
II° Congresso Brasileiro de Musicologia FUNDAMENTOS DA CULTURA MUSICAL NO BRASIL e 1492-1992 Eduardo Prado (1860-1901)
III°Simpósio Internacional
"Música Sacra e Cultura Brasileira"
DO SENTIDO DOS 500 ANOS DA DESCOBERTA DA AMÉRICA PARA O BRASIL
"E quando é que o Brasil começou a existir para o resto do mundo?
Em que época se veio juntar à torrente da História? Foi na época
deslumbrante da Renascença que o fio, tênue então, mas para sempre
ininterrupto da sua vida, se veio entretecer na trama universal
da vida das nações."
Antonio Alexandre Bispo
Francisco Curt Lange
O congresso realizou-se em ano marcado por diversas comemorações
dos 500 Anos do Descobrimento da América por Cristóvão Colombo
(1451-1506), navegador genovês que atingiu, em 1492, a serviço
da Coroa espanhola, Guanahani, Cuba e Haiti.
Americanismo musical, 1935Constatamos não sómente um rápido crescimento de população, a
revelação cada vez mais definida da personalidade de cada uma
das respectivas nações, mas, tambem, uma corrente pronunciada
que se dirige para o tropico e consegue occupar, em seu movimento
diffusor, a maior parte do mesmo. Vasconcelos qualificou-a de
volta ao tropico, ou seja, volta a uma terra que em outros tempos
fôra berço de grandes civilizações, regaço materno de magnificas
culturas. Por conseguinte esta volta ao tropico significa alguma
coisa mais do que a transmutação occidental de massas humanas,
de um ponto a outro de nosso globo, mas do que uma alteração de
exterioridades, imposta pelo ambiente e pelo clima.
Conjunctamente com a transformação physica do homem, produz-se
outra, que modifica essencialmente as qualidades interiores. Esta
alteração de valores espirituaes imprime um caracter novo ao espirito
da cultura. O tropico signifca vida, na mais ampla accepção da
palavra: luz, calor, ar, alegria, movimento, rythmo, actividades
multiplicadas, riqueza de matizes e expressões, rapidez de desenvolvimento,
optimismo, acção positiva. A maior parte do continente latino-americano
sendo quente, isto é, tropical e subtropical, soffreu as vicissitudes
de seu organismo, os embates de uma natureza ao mesmo tempo voraz
e fertil, o rythmo consecutivo e inalteravel que assignala o desenvolvimento
da mesma.
O Brasil, porém, comemorará os 500 anos do seu Descobrimento por Portugal só no ano 2000.
De 1500 data também o primeiro documento de interesse musicológico expressamente concernente ao Brasil, ou seja, a Carta de Pero Vaz de Caminha. Este deve ser o marco a ser verdadeiramente comemorado na História da Música do país.
O valor simbólico do feito de Colombo para o Brasil diz respeito, em princípio, a um fato de natureza geográfica, uma vez que o Brasil pertence ao continente americano.
A comemoração dos 500 anos da viagem de Colombo teria sob vários aspectos um significado de importância relativa para a Musicologia na América de língua portuguesa, caso não fosse o movimento interamericanista musical desencadeado há várias décadas sobretudo por Francisco Curt Lange e que registra, no presente, particular intensificação.
Por outro lado, o ano de 1492, por marcar o primeiro contacto dos ameríndios com os europeus, vem sendo considerado, cada vez mais generalizadamente, como uma data-símbolo na história indígena do continente. O entusiasmo pelos ideais de aproximação e confraternização das diferentes nações americanas e a necessária prioridade a ser dada ao estudo das culturas musicais indígenas na gravidade do momento presente justificaram a atenção dada à data pelo congresso. Esses motivos deram ensejo à realização do evento, à escolha da temática e à determinação de linhas prioritárias de estudo e ação; não deveriam, porém, sugerir um contexto histórico-cultural particularista.
*
A História da Música do Brasil deve ser vista em desenvolvimento histórico que abrange Portugal e regiões da África e do Oriente. A consideração dos primeiros séculos de formação cultural do Brasil a partir de um ponto de vista fundamentalmente geográfico seria, na realidade, superficial. Ela impediria a compreensão mais profunda dos documentos de interesse musicológico do passado e o necessário reestudo de fenômenos culturais de cunho tradicional e cultivados no presente. Mesmo a história dos contactos com os índios processou-se diferentemente da ocorrida nas regiões hispano-americanas, inclusive pela diversidade das culturas indígenas, uma vez que o Brasil não possuiu impérios que pudessem despertar tão fortemente a cobiça humana como em outras áreas.
Esta história, sobretudo, não admite generalizações: ela necessita ser traçada considerando-se curtos espaços de tempo e regiões determinadas na medida das informações documentais e que devem vir ser estudadas exaustivamente. Um século como o XVI, que foi marcado,- mesmo na história portuguesa -, por incisões e transformações históricas consideráveis, admite tão pouco uma visão generalizante de ocorrências de suas diversas épocas quanto o século XX. Amplos panoramas traçados sem o devido cuidado podem ser justificáveis a serviço de determinadas intenções no presente e por motivos literários; do ponto de vista historiográfico e musicológico, porém, são inaceitáveis.