Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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N° 19 (1992: 5)
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500 anos do Descobrimento da América II° Congresso Brasileiro de Musicologia FUNDAMENTOS DA CULTURA MUSICAL NO BRASIL e
FUNDAMENTOS DA CULTURA MUSICAL NO BRASIL
Se Colombo representa o acaso, coroando a perseverança, os descobrimentos portugueses são o valor realizando o que a ciência deduz e prognostica. José Maria Latino Coelho (1825-1891) |
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Antonio Alexandre Bispo
Luiz Heitor Correa de Azevedo A Música Brasileira e seus Fundamentos, União Panamericana, 1948 Os fundamentos da música nacional brasileira não estão nos cilindros
de cera que, em secções de etnografia de museus, guardam melodias
cheias de interêsse científico (...) Temos de procurar os fundamentos
da música brasileira em novos estratos, diversos dos que servam
à música de outras nações do Continente (...).
O tema do Congresso,- Fundamentos da Cultura Musical no Brasil
-, implica em distinções conceituais que necessitam ser apropriadamente
compreendidas no sentido de suas intenções.
Mário de Andrade acha que, no processo de individualização de
qualquer música nacional, "nos países em que a cultura aparece
de emprestado que nem os americanos", há que passar por três fases
sucessivas: 1.a a fase da tese nacional; 2.a a fase do sentimento
nacional; 3.a a fase da inconsciência nacional. Só nesta última
- diz êle - a Arte culta e o indivíduo culto sentem a sinceridade
do hábito e a sinceridade da convicção coincidirem". (...) Ouvindo-se,
entretanto, a produção de Camargo Guarnieri, a série de composições
que Villa-Lobos intitulou de Bachianas Brasileiras, porque nelas,
como já vimos, o seu intúito é fazer coincidir os limites da música
brasileira com a divina região criada pelo gênio do imortal Cantor,
tem-se o direito de perguntar se essa música já não penetrou no
estágio definitivo de sua cristalização.
Mas os contemporâneos são maus juízes... Deixemos a outros, da
geração de nossos filhos, o encargo de formular uma resposta.
"Cultura Musical do Brasil" poderia sugerir que o escopo do evento fosse discutir questões relacionadas com uma cultura musical com características próprias, que devesse receber a qualificação específica de brasileira.
Este não foi porém o objetivo primordial de um congresso que se realizou motivado pela rememoração do fato histórico do Descobrimento da América, quando as reflexões se voltaram sobretudo à época inicial da formação histórica do país.
As atenções deveriam concentrar-se nas origens históricas extra-territoriais de várias tradições de relevância musicológica, - não tanto nos processos transformadores apropriativos e re-criadores sob as novas condições e através dos séculos -, assim como em questões relativas a culturas indígenas que não podem ser vinculadas com critérios geo-políticos estabelecidos a posteriori.
Preferiu-se, assim, o emprêgo da expressão mais genérica "Cultura Musical no Brasil". Com este pormenor procurou-se sugerir também que a investigação musicológica no Brasil deveria dedicar-se ao patrimônio cultural na sua totalidade, múltipla riqueza e dinâmica, independentemente, em princípio, de valorações não específicas relativas ao grau de autoctonia ou do julgamento de elementos prenunciadores de futuros desenvolvimentos considerados particularmente identificadores. Neste sentido de uma apropriação científica global do diversificado patrimônio cultural de relevância musicológica, as culturas musicais no Brasil passam a ser também do Brasil.
Por fazer parte da designação da série de simpósios internacionais de título "Música Sacra e Cultura Brasileira", a expressão "Cultura Musical Brasileira" foi alvo de reflexões em eventos anteriores. Ressalvou-se, já em 1981, que esta denominação no singular somente deveria vir a ser compreendida no sentido de Diversidade na Unidade e Unidade na Diversidade, cabendo à discussão posterior pormenorizar e dar maior precisão conceitual aos aspectos intrínsecos e extrínsecos definidores de uma unidade e caracterizadores da multiformidade.
Considerando-se a concentração dos trabalhos, imposta pelas circunstâncias, a retomada das reflexões concernentes à compreensão adequada desses conceitos não deveria vir a ser escopo do congresso. Embora a Diversidade sempre tenha sido implicitamente considerada na singularidade do termo Cultura Brasileira no título dos simpósios internacionais, procurou-se evitar tal adjetivação no título específico do evento. O termo Cultura Brasileira, compreendido superficialmente, poderia ter eventualmente conotações nacionalistas que não chegariam a ser convenientemente esclarecidas.
Cumpre mencionar que a Sociedade Brasileira de Musicologia, desde a sua fundação, sempre procurou evitar o uso da designação "nacional" na denominação de suas realizações. Consciente de sua natureza de entidade associativa, tem emprestado, ao mesmo tempo, a outros congressos, simpósios, encontros e associações que trazem tal qualificação o correspondente significado que compete a iniciativas particulares, independente da possível conotação oficiosa ou da orientação estética ou política das denominações. Este particular cuidado impunha-se sobretudo no ano comemorativo do Descobrimento do continente americano, quando as atenções deveriam dirigir-se prioritariamente às culturas musicais indígenas, impondo-se a consideração das concepções concernentes ao multinacional formuladas por instâncias indigenistas.
Um tema de título "Fundamentos das Culturas Musicais" teria sido porém demasiadamente amplo e complexo no estado atual da investigação e no âmbito do congresso. Tal proposição teria exigido, sobretudo, como pressuposto, a distinção de culturas, - um difícil e questionável intento no complexo contexto cultural de que faz parte grande maioria da população do país. O tratamento de casos particulares poderia levar a generalizações superficiais, cientificamente inaceitáveis e de graves conseqüências.
Além do mais, considerou-se a existência no contexto da cultura tradicional de relevância musicológica, - sobretudo no âmbito dos cultos sincretísticos -, de uma conceituação intrínseca de cultura que não pode ser relativada com a adoção artificial de outras definições, sem o perigo de incongruências e êrros de interpretação. Essa conceituação de cultura manifesta-se mais expressamente nas concepções ligadas a São Jorge, principalmente na sua interpretação místico-heterodoxa. A essas concepções é inerente a noção de cultura no sentido agrícola de cultivo, cuidado, tratamento da terra, trabalho, construção, moldagem, fundição, exercício da memória e que relaciona Cultura intimamente com o Culto. O conceito de cultura musical aquí implícito pertence a um complexo de concepções seculares cuja consideração apropriada, - incluíndo a crítica do perigo de uma visão demiúrgica do cosmos no âmbito gnóstico -, não poderia vir a ser objetivo do congresso.
Já a breve menção desse enraizado conceito de cultura, e que faz parte de uma visão antropológica e cosmológica imanente a tradições, demonstra que o título do evento não quis ser entendido exclusivamente no divulgado sentido do conceito alemão "Kultur" ou de seus similares na Sociologia e na Antropologia anglo-saxônica e nas correntes latino-americanas por elas influenciadas. Pareceu até mesmo ser necessário - sobretudo na América Latina - recordar que a compreensão do termo no sentido mais próprio do idioma não poderia e não deveria ser olvidada. Isso deveria valer sobretudo para a consideração histórico-musicológica dos séculos dos Descobrimentos, na qual representaria procedimento inadequado e não-científico a projeção anacrônica de idéias e conceituações posteriores e alienígenas.
O tema do Congresso quís, portanto, ser entendido como Fundamentos Musicológicos no sentido abrangente da palavra. O termo Cultura Musical foi escolhido somente para indicar mais explicitamente que as reflexões não seriam dirigidas à música somente na sua realidade específicamente acústica, o que seria, já de princípio, uma evidente redução do conceito de Musicologia. O emprêgo do termo Cultura Musical no tema do Congresso não implicou obrigatoriamente na adoção de determinadas conceituações de cultura da Antropologia Cultural e Social.
Fondamenti della cultura musicale cristiana nel mondo extraeuropeo
dei tempi moderni. L'ambiente del primo diritto di patronato portoghese L'Osservatore Romano (16/03/1991) Il Prefetto della Congregazione della Dottrina della Fede, Card.
Ratzinger, che ha aperto e chiuso la seduta accademica, ha definito
l'opera, (...) una miniera. Il Cardinale si è augurato non solo
che l'opera, scritta in tedesco, venga tradotta in diverse lingue,
ma ha anche auspicato l'istituzione, presso il Pontificio Istituto
di Musica Sacra, di una cattedra di etnomusicologia, secondo la
concezione di Antropologia Musicale cristiana intesa da Bispo
(...)
O Congresso partiu das seguintes considerações prévias a respeito
do tema: elementos rítmicos, melódicos, formais e outros, assim
como instrumentos musicais constatados em tradições brasileiras
vinculam-se com contextos religiosos e simbólicos que foram tratados
por pensadores, teóricos da música e teólogos do passado.
Tra i partecipanti alla presentazione dell'opera c'erano anche
il Cardinale austriaco Stickler, il Segretario della Congregazione
della Dottrina della Fede, Arcivescovo Bovone, il Nunzio Apostolico
De Andrea, il Vescovo Wagner, Vice Presidente del Consiglio Cor
Unum, l'ex ambasciatore australiano presso a la Santa Sede Sir
Peter Lawer, il Direttore dell'Agenzia di Stampa Internazionale
Fides della Congregazione per l'Evangelizzazione dei Popoli, Mons.
Irigoyen, il prelato svizzero Erich Salzmann, già collaboratore
del Pontificio Consiglio per la Promozione dell'Unità dei Cristiani
e adesso consigliere ecclesiaastico presso l'Ambasciata del Sovrano
Militare Ordine di Malta presso la Santa Sede".
A consideração "contextual" da música não representa novidade na história do pensamento musicológico. A recuperação da consciência de que a música no âmbito de tradições, sobretudo religiosas, não deve ser compreendida isoladamente, como objeto a ser somente grafado e analisado, mas sim que possui uma razão de ser que deve ser necessariamente considerada, pressupõe o conhecimento do conteúdo simbólico e da visão do mundo e do homem intrínsecos às tradições.
A desatenção a esses inerentes fundamentos musicológicos no sentido amplo do termo e a sua análise e interpretação através de critérios externos e artificialmente concebidos já levaram a mal-entendidos, a especulações inadequadas e a conseqüências deformadoras na prática.
Tal recuperação de uma visão mais profunda no estudo musicológico não pode porém ser aspirada através de interpretações baseadas em concepções de cunho exclusivamente sociológico e dirigidas unicamente à ação, a "performances" ou ao comportamento "real" no presente, não compreendidos estes como possíveis atos de presentificação e de anamnese.
Tais elementos rítmicos, melódicos, formais e outros foram sem dúvida sujeitos a desenvolvimentos históricos e às mais diversas influências que devem ser estudadas científicamente. Se a sua consideração exclusivamente como "constantes" materiais a serem empregadas na criação de um determinado estilo composicional pode ser defensável do ponto de vista estético, filosófico-cultural ou sócio-político, a Musicologia em sí, independentemente de suas aplicações pragmáticas, não pode guiar-se por considerações de natureza extra-científica, por mais justificáveis que sejam sob outros critérios. Tal exigência representa pré-condição necessária não só para a justa consideração das culturas musicais indígenas como também para a urgente revisão científica da interpretação dos fenômenos músico-culturais estudados pelo Folclore e pela Antropologia Cultural e Social, sobretudo relacionados com o sincretismo e com a pesquisa etnomusicológica correspondente.
Passados 70 anos da ainda sempre lembrada "Semana de Arte Moderna", o Congresso procurou trazer à consciência que se faz necessário dar início a uma nova fase do desenvolvimento dos estudos musicológicos no Brasil, por terem estado estes demasiadamente vinculados a determinadas correntes de idéias filosóficas, políticas ou literárias, sejam elas do nacionalismo modernista, da interpretação marxista da História ou de determinadas escolas do pensamento historiográfico e antropológico da Europa e dos Estados Unidos.
A advertência ao perigo do etnocentrismo, compreendido no sentido lato como uma "visão do mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através dos nossos valores, nossos modelos, nossas definições do que é a existência" deve ser também entendida como um apêlo à necessária auto-crítica dos próprios especialistas que a expressam, o que exige a revisão de idéias e procedimentos defendidos e considerados até mesmo como evidentes.
O Congresso pretendeu, assim, salientar a necessidade de uma maior atenção à pesquisa científica de fundamentos como exigência da situação atual dos estudos de cunho musicológico no Brasil. O conceito de "fundamento" aquí expresso deve porém ser também adequadamente compreendido no sentido da intenção de seu emprêgo. Sendo um congresso motivado por data comemorativa, esse conceito foi entendido sobretudo no sentido histórico.
Em primeiro lugar, tratou-se da necessidade do desenvolvimento de estudos histórico-musicais - aprofundados com a consideração de seus fundamentos teológicos, filosóficos e conceituais - da época dos Descobrimentos, em contexto de relevância para o Brasil. Isso disse respeito sobretudo ao Canto Gregoriano, à Polifonia e à Música Instrumental.
Em segundo lugar, tratou-se da necessidade do estudo documentado das práticas para-litúrgicas da época e de tradições medievais difundidas em área geográfica extra-européia. Esses fundamentos históricos são essenciais para a compreensão de numerosos fatos de importância musicológica estudados sobretudo pelo Folclore, tais como Congadas, Marujadas, Barcas, Pastorís, Presépios, Folias, Dança de São Gonçalo, Dança de Santa Cruz, Festas do Divino e muitos outros.
As interpretações historicamente errôneas dessas tradições, sobretudo na literatura mais recente de cunho sócio-antropológico e etnomusicológico necessitam ser urgentemente corrigidas. Sem desmerecer o significado e a importância da métodos de investigação concentrados na prática atual de tais tradições, na memória e na consciência de seus participantes, procurou-se salientar o fato de que tais fatos folclóricos representam resultados de desenvolvimentos históricos suficientemente documentados e que a questão das origens não pode estar à disposição de suposições e hipóteses arbitráriamente a-históricas.
Em terceiro lugar, tratou-se da necessidade de um estudo crítico pormenorizado das menções documentais mais antigas a respeito das culturas indígenas. Entrou-se aquí, porém, em terreno mais complexo no que diz respeito à interpretação dos documentos, uma vez que escritos por observadores estranhos às respectivas culturas; além do mais, dada a inexistência ou a insuficiência, em muitos casos, de informações históricas a respeito de culturas vivas na atualidade, a reflexão deve aquí partir quase que exclusivamente da observação no presente.
A esse respeito os idealizadores do Congresso salientaram que o conceito de "fundamentos" não quis absolutamente ser entendido em termos evolucionistas. O conceito deveria chamar a atenção, no caso, para a necessidade de estudos mais bem fundamentados sob todos os aspectos da investigação musicológica das culturas indígenas, também e principalmente do ponto de vista da observação de contextos.