Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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N° 17 (1992: 3)
Lei Orgânica do Ensino de Canto Orfeônico, Decreto-Lei N° 9494,
de 22 de julho de 1946
A Educação Musical encontra-se numa desoladora situação de grave
insuficiência. Bem intencionadas, porém díspares e efêmeras iniciativas
das últimas décadas, tomadas por instituições responsáveis por
questões de ensino e pela formação de professores, levaram não
à necessária reforma, mas à desmontagem irresponsável de estruturas
de ensino e a uma generalizada desorientação. O quadro da situação
atual da Educação Musical não se caracteriza por justificável
multiformidade, mas sim pela concomitância amorfa e ineficaz de
restos de correntes de pensamento e de atuação prática, muitas
delas arbitrárias e inconseqüentes. A razão desse resultado negativo
de um desenvolvimento já iniciado na década de 60 deve ser procurada
sobretudo no cunho não-científico de conceitos defendidos e medidas
preconizadas. A superação de uma Educação Musical vista então
como produto da política cultural de décadas passadas não guiou-se
fundamentalmente por critérios de natureza científico-cultural
e musicológica.
Art. 11. Organizar-se-ão os programas das disciplinas ministradas
(...)
12. História da Educação Musical, que ministrará o conhecimento
das transformações por que passou a educação musical, geral e
especializada, incluindo explanação da história geral da música,
e, em particular, da música no Brasil (...)
14. Etnografia Musical e Pesquisas Folclóricas (...)
Das atividades complementares Art.21. Os estabelecimentos de ensino de canto orfeônico deverão
(...) organizar, sempre que possível, arquivos, museu, bibliotecas,
publicações especializadas, gabinetes de pesquisas de folclore
e musicologia, centros de debates e de exercícios culturais e
pedagógicos (...) Art. 22. Aos estabelecimentos referidos no artigo anterior recomenda-se
a criação de arquivos, museus, bibliotecas, publicações especializadas,
gabinetes de pesquisas de folclore e musicologia (...) Lei Orgânica do Ensino de Canto Orfeônico, Decreto-Lei N° 9494,
de 22 de julho de 1946
Embora cursos de formação de educadores musicais e mesmo currículos
escolares tenham incluído disciplinas de cunho musicológico, estas
sempre tiveram um caráter complementar. A História da Música,
o Folclore Musical e outras matérias correlatas foram, no âmbito
da Educação Musical, vistas primordialmente a serviço de ideais
pré-estabelecidos. Tais disciplinas não se sujeitaram somente
à necessária adaptação metodológica segundo o nível respectivo
do ensino, porém a uma freqüente violentação da indispensável
objetividade científica a que devem sempre almejar. A valorização
e a interpretação de fatos musicológicos submeteram-se em demasia
a ideais nacionalistas ou às mais diversas convicções psicologistas,
culturais e político-sociais. A importância dada a determinados
acontecimentos, épocas e personalidades, assim como os esclarecimentos
relativos a tradições de interesse musicológico exigem hoje, -
e não apenas no âmbito da Educação Musical -, cuidadosa e profunda
revisão.
Capítulo VI
Atingido agora um ponto crítico da sua deprimente história mais recente, a Educação Musical precisaria contar com iniciativas que não repetissem os erros já realizados. Isso somente poderá ser alcançado se for dado à Musicologia (no sentido estrito do termo) o papel fundamental que lhe compete na orientação básica dos objetivos da Educação Musical em função dos respectivos pressupostos culturais. Tal importância a ser dada à fundamentação musicológica da Educação Musical deve ser rigorosamente distinguida de uma eventual autoridade a ser concedida a musicólogos na orientação de questões de natureza não específica, sobretudo no que diz respeito a opiniões pessoais de cunho antropológico, psicológico, sociológico e político.
A orientação no presente exige, em primeiro lugar, o estudo da História Geral e Especial da Educação Musical. Somente conhecendo-se os conceitos e as práticas de ensino do passado é que se poderá situar a ação formadora na atualidade dentro de uma linha conseqüente de desenvolvimento histórico. Somente assim será possível estabelecer as bases para um julgamento criterioso de conceitos e métodos. Muito daquilo que hoje parece ser novidade já foi defendido e aplicado há muito tempo. Conhecendo-se os resultados alcançados, pode-se evitar êrros e perda inútil de tempo e forças. O conhecimento das idéias já defendidas pode, sobretudo, servir a um necessário esclarecimento quanto à permanência, sob novas aparências, de concepções de negativas conotações e conseqüências. Esse é o caso, por exemplo, de um superficial e sensacionalista intuito relacionado com uma 'Etnomusicologia da História da Música', um intuito que não representa novidade. Pelo contrário, pode-se até mesmo afirmar que os mais graves problemas da Musicologia no mundo de língua portuguesa foram causados por intuitos de cunho etnomusicologista na interpretação do desenvolvimento histórico-musical e que levaram a grotescas distorções e inconcebíveis erros conceituais. Esses intuitos guiaram-se e guiam-se por aspirações sócio-político-culturais de cunho pragmático e tendências educativas de ambições iluministas. O que faz-se necessário, na realidade, é a consideração de fatos de interesse etnomusicológico no âmbito de uma Musicologia rigorosamente científica e a crítica histórica das idéias etnomusicologistas, dado o perigo iminente da transmissão inconsciente, - por desconhecimento de fatos históricos e superficialidade teórica -, de conceitos extra-científicos, sobretudo de fundo racista. Dada a íntima vinculação de tais idéias com objetivos pedagógicos, o estudo da História da Educação Musical impõe-se não só aos educadores como também aos musicólogos empenhados no desenvolvimento da própria ciência. Infelizmente, também quanto à História da Educação Musical nos países de língua portuguesa ainda vale a afirmação: "Nossa bibliografia não apresenta uma só obra de conjunto sôbre Pedagogia Musical. De modo geral, o que existe ou são fragmentos, dispersados em publicações periódicas de difícil acesso, ou são monografias sôbre determinados instrumentos, notadamente sôbre o ensino de piano". (Zita Alves de Amorim e Luís Washington Vit, Introdução à Pedagogia Musical, ão Paulo 1956, 7)
O I° Congresso Brasileiro de Musicologia, por realizar-se no ano comemorativo de Heitor Villa-Lobos, em 1987, dedicou particular atenção a questões relacionadas com a Educação Musical. Vários membros da Sociedade Brasileira de Musicologia ressaltaram os péssimos efeitos causados pela substituição da Educação Musical pela disciplina denominada Educação Artística, assim como pela vigência do correspondente conceito de polivalência em artes. Bruno Kiefer (+) levantou a necessidade de que o ensino musical viesse a ter novamente um núcleo definido de matérias de títulos claros e compreensíveis e pediu a todos os participantes que não aceitassem o desprezo a que foi relegado o Canto Orfeônico. Segundo ele, o Canto Orfeônico deveria voltar a ser o ponto de partida para a reflexão do problema da Educação Musical no Brasil. Esse apelo, porém, desperta necessariamente mal-estar em todos aqueles que consideram o Canto Orfeônico somente uma expressão da política cultural própria de período totalitário da História da Brasil. Torna-se necessário, portanto, um aprofundamento histórico do desenvolvimento da Educação Musical no período anterior à atividade de H. Villa-Lobos. A Correspondência Musicológica pretende rememorar em dois de seus cadernos alguns momentos significativos desse desenvolvimento.