Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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N° 09 (1991: 1)
Regionais, Nacionais e Universais Projeto Alagoas I MARCO HISTÓRICO DA LEXICOGRAFIA MUSICAL EM LÍNGUA PORTUGUESA:
O DICIONÁRIO MUSICAL DE ISAAC NEWTON
Antonio Alexandre Bispo
(Excertos)
Enio de Freitas e Castro O primeiro dicionário musical publicado no Brasil, de que tenho
conhecimento, é o de Raphael Coelho Machado. (...) Raphael Coelho
Machado, segundo dados do artigo de necrológio publicado pelo
"Diário de Notícias", do Rio de Janeiro (...), de 16 de agosto
de 1887, era natural de Angra do Heroísmo (Ilha Terceira, Açores),
onde nasceu em 1814. Veio a falecer no Rio de Janeiro, em 16 de
agosto de 1887) (...) Sessenta e dois anos se passariam se que
outro livro do mesmo gênero fosse publicado no Brasil. Só em 1904,
já no século XX, teríamos o nosso segundo "Dicionário Musical".
Apareceu êle em Maceió, impresso pela Typographia Commercial "compilado
e coordenado pelo professor Isaac Newton, natural do Estado de
Alagoas". (...) Parece não existir outra edição do dicionário
de Isaac Newton, e também pode ser considerado bom para a época
e especialmente se levarmos em conta o meio onde surgiu, que não
era nem o Rio nem São Paulo, e nem sequer Bahia ou Recife, as
maiores cidades do nordeste. In: Revista Brasileira de Cultura, Ministério da Educação e Cultura,
Conselho Federal de Cultura 5 (1970),9-20
Em 1904, a Typographia Commercial de Maceió realizou o feito da
excelente impressão do
Dicionários de Música Brasileiros
Diccionario Musical/ / contendo: // Todas as abreviaturas, expressões,
phrases, // vocabulos, sua techinologia, a par da nomenclatura
dos / instrumentos musicaes desde sua // mais remota antiguidade;
e mais ainda a theoria, pratica, // etymologia e synonymia, em
geral; seguidas de // uma ligeira e rudimentar explanação historica
na maioria // de seus respectivos artigos // compilado e coordenado
// pelo Professor // Isaac Newton // Natural do Estado de Alagoas.
A volumosa obra (313 páginas) foi dedicada ao Governador do Estado, Dr. Joaquim Paulo Viera Malta, "em signal de homenagem, pelo apoio e auxílio que sabe prestar ao desenvolvimento das artes e mui especialmente no que se refere ao nosso caro Estado".
O dicionário de Isaac Newton foi várias vezes citado em obras
brasileiras de música; não foi, porém, até hoje, objeto de justa
consideração que o valorizasse como extraordinário esforço lexicográfico.
Ficou quase sem eco a frase com que o autor abre o Prefácio:
"Dando à publicidade o presente trabalho, que ousamos submetter
hoje ao juiso dos competentes, sob o titulo de Diccionario Musical,
certo, não nos preoccupou o espírito a idéia de conquistar a palma
a quantos, com mais competencia, se teem occupado do assumpto
que nos traz ao tribunal da opinião publica, a ouvir o seo consciencioso
veredictum."
O esforço feito pelo autor para a realização do seu intento já é por sí merecedor de respeito e atenção:
"Baldo de auxílio estranho, e contando apenas, com a pouquidade de nossos recursos, emprehendemos a presente obra, para cuja explanação não poupamos esforços, afim de podermos colher os 4.000 vocabulos approximadamente de que consta elle. // Este trabalho, representa o fructo do esforço ingente de longos annos de perseverante estudo, inabalavel resolução e decidida força de vontade (...) // No meio por demais acanhado em que vivemos e em que a Arte definha á mingua de escola e estimulos, talvez encontremos obices que possam influir para o bom acolhimento d'este Diccionario, entretanto só ao publico indulgente cabe agora fadar o nosso trabalho, determinando-lhe o valor que merecer, tendo muito em vista que o emprehendemos contando apenas com a nossa fraca mentalidade e sobre tudo com a complacencia dos entendidos, de quem esperamos a reparação para os senões n'elle encontrados.// A estes, pois, deixamos a explanação do assumpto em condições de satisfazer as exigencias da actualidade. // Fisemos o que podemos."
O autor considerava modestamente o seu trabalho como mera compilação de tratados escritos "na sua maioria, em lingua estranha, que nem todos conhecem". Em português, apenas conhecia o de Rafael Coelho Machado, "que, apezar de deficiente e lacunoso no que diz respeito à technologia musical", constituiu-lhe guia no plano que havia traçado:
"Nada innovamos, procuramos augmentar ou enriquecer o nosso trabalho, dando a conhecer alguns termos modernamente criados, para expressar canções patrias e instrumentos bastantemente usados, e ainda desconhecidos na historia da musica moderna."
É justamente no enriquecimento do repertório terminológico com conceitos "brasileiros" que reside a grande contribuição lexicográfica de Isaac Newton. Várias de suas conceituações denotam conhecimento profundo da cultura musical tradicional e superam em grau de informação obras de folclore publicadas posteriormente. Por vezes, as suas definições não coincidem com concepções atuais e permitem conclusões elucidativas a respeito da história de termos e de tradições culturais de origem européia também cultivadas na costa da África. Inclui também alguns termos referentes a instrumentos africanos.
(...)
Alguns ítens de particular interesse para leitura crítica:
"Aboiar. Cantar ao gado. É um canto monotono, compassado e plangente
usado pelos boiadeiros nos altos sertões, especialmente ao norte
do Brazil ao som do qual fazem conduzir, unido e pacificado o
gado em suas precisas jornadas. Este canto quasi sempre sem lettra
expressa, mas celebre pela originalidade caracteristica de sua
creação campestre, é monosyllabico e simplesmente representado
pelas vogaes O-U, alternativamente n'ima melodia terna, commovente
e apaixonada. Aos boiadeiros, dão-lhes o nome de - Tangerinos.
Si ao viajor distanciado da patria (ao que dizem) e errante atravez
dos vastos e longíncuos sertões de nosso paiz, acontece ouvir,
perto ou distante a enternecedôra toada do Canto do aboiar, não
raro é sensibilisar-se ao ponto de dar solturas a lagrimas de
nostalgia tal a poderosa influencia que este canto tão simples
quanto emocionante, exerce no espirito d'aqueles que o ouvem em
taes condições.
(...)
Bahiano. Nome de uma musica alegre, atrahente e chula, ao som
da qual se exibe a plebe em seus regosijos, dançando de modo buliçoso
com meneios e requebros extravagantemente sobordinados á monotonia
de um compasso tripudiado e singular.
É uma imitação do landú ou lundú brasileiro, e pensamos ter sua
origem no estado da Bahia, donde lhe veio o nome.
(...)
Banza. Antigamente era uma espécie de Guitarra, usada pelos negros.
Na linguagem chula e popular, dá-se este nome á Viola portugueza,
instrumento de cordas de arame, usado pelos fadistas: tem um som
melancolico e abafado, que torna mais plangentes as cantigas que
acompanha.
(...)
Birimbáo. Instrumento formado por dous pequenos braços de ferro
que se ligam, arqueando-se, entre os quaes uma lingueta tambem
de ferro que, prendendo-se entre os dentes, e respirando-se pela
bocca, faz vibrar o ar e dá um som monotono e sem graça. É um
grande divertimento de pequenos e usado antigamente entre os negros
da Costa do Ouro. Em França chamam-lhe Guimbarre, em Italia Spassapensiero.
O birimbáo é de origem Arabe, ao que parece.
(...)
Busio. Concha univalve dos anoluscos gasteropodes, de forma retorcida,
e da feição de corneta, furado na extremidaade aguda, donde se
tira, soprando, um som bastante cheio e forte para ser ouvido
a grande distancia.
Os antigos fiseram delle um instrumento, que usavam em lugar de
Trombeta.
Hoje entre nós, é bastante empregado para dar signaes de convenção,
notoriamente nas fazendas e engenhos do norte da Republica, especialmente;
como tambem empregam-no para chamariz ou reclame dos vendedores
publicos de vitualhas.
Os canoeiros e barcaceiros do baixo S. Francisco, como tambem
do Norte e Manguaba do Estado de Alagoas, na simplicidade de suas
crenças, dão a este instrumento attributos providenciaes, acreditando
que os sons delle vibrados, teem o poder de attrahir os ventos,
quando em calmaria; pelo que em suas precisas viagens, não cessam
de o tocar, sempre que o vento lhes falta.
Neste instrumento apenas se podem tirar tres notas distinctas:
tonica, quinta e oitava.
(...)
Catêretê. Especie de batuque que consiste em danças lascivas ao
som da Viola. É usado entre os negros da Costa.
(...)
Caxambú. Especie de batuque de negros ao som do Tambor. É semelhante
ao Quinbête, com a differença de que este se uza nas povoações,
e aquelle nas fasendas, em Minas Gerais.
(...)
Charamba. Musica de dança popular dos Açores em Portugal.
Chegança ou Marujada. Termo chulo creado pela população para designar
um bailado ao ar livre, ao som de musica attrahente e ordinariamente
pelas festas do Natal, sobre um tablado as vezes, imitando um
convéz de navio sobre o qual representam, vestidos a caracter,
um simulacro de combates navaes entre Mouros e Christãos.
Este bailado que constitue um grande divirtimento publico é bastantemente
usado nos Estados do Norte da Republica.
(...)
Choradinho. Especie de toada musical, ao som da qual dançam o
Landu ou Lundú. É tambem o nome de uma das variedades dos bailados,
a que chamam samba.
Chorado. Tocado ou cantado em tom plangente.
(...)
Ciranda. Nome de uma toada ou cantata musical ao som da qual bailam,
e cantam em seus divertimentos, as moçoilas e os folgazões.
(...)
Côco. Nome impropriamente creado pela populaça, para designar
uma dança e musica, chula brasileira, ao som da qual se exhibe
a plebe em seus regosijos, dançando de modo buliçoso com requebros
e meneios indecentes, e sobordinado á monotonia de um batuque
de palmas e castanholas. É uma verdadeira imitação do Lamdí ou
Lundum.
(...)
Embolada. Termo chulo e impropriamente criado pela populaça para
designar uma versalhada satyrica e improvisada as vezes sobre
costumes e procedimentos individuaes, chistosamente cantada com
musica alegre e chula, ordinariamente a sólo ou ao som da viola
ou violão. A Embolada constitue, entre a plebe, um grande divertimento
por occasião de festas, especialmente nos Estados no dorte da
Republica.
(...)
Fadinho. Toada musical executada em Portugal, de onde é oriunda,
ao som da qual exhibem uma dança, mui semelhante ao nosso Landú.
(...)
Fandango. É entre nós, o nome que dão a um bailado, ao ar livre,
sobre tablado, ao som de musica alegre, festiva e apropriada,
ordinariamente, pelas festas do Natal, nos Estados do Norte da
Republica, onde se exibem os bailaristas representando, vestidos
a caracter, uns semulacros de combates navaes, e episodios historicos,
constituindo isso um grande divertimento publico.
(...)
Gandú. Antiga toada, que se executava na Viola.
Ganzá. Instrumento de percussão composto de um xylindro de folha
de Flandres contendo dentro, pedrinhas, grãos de chumbo ou de
milho, que, agitados, produz um chocalhar estridente. Esse instrumento
é bastantemente empregado em batuques, especialmente nos Estados
do norte da Republica, e já hoje empregam-no nas bandas de musicas
militares, para certos e determinados effeitos.
(...)
Gaturda. Modinha que se tocava na Viola, ou na Guitarra. Termo
antigo.
(...)
Jongo. Nas Provincias meridionaes, é uma especie de danças de
batuques, com que se entreteem os negros.
(...)
Lôa. Simples e original toada composta e executada especialmente
pelos canoeiros do baixo S. Francisco e lagôa do Norte e Manguaba
no Estado de Alagoas subordinada, quasi sempre, ao compassar dos
remos.
De um accento doce e malancolico, as palavras desta toada de caracter
vulgar e singelo, representam um pensamento verdadeiro, sob uma
forma musical tão simples e natural, como as próprias convenções
por elles usadas. É um simile das Barcarolas Venezianas, a solo,
a duo, ou mesmo á maneira de diálogo.
(...)
Lundú ou Landum. Dança e musica chula brasileira, em que as dançarinas
agitam indecentemente os quadris.
(...)
Machuca. Certa tocata monotona, executada na Viola de arame, de
caracter festivo e chulo.
(...)
Maracá. Chocalho com que brincam as crianças. É o nome que os
Aborigenes, tanto no Brazil, como no Paraguay, davam aos chocalhos
feitos de cabaça ôca, com pedrinhas dentro, para usarem, como
instrumento musical, nas suas danças e festas. Em S. Paulo, como
entre nós, se dá a esse chocalho o nome de çaracaxá.
Maracatú. Especie de dança com que se entreteem os negros. É semelhante
ao Candomblé e ao Jongo das Provincias meridionaes. Deve, talvez,
seu nome ao uso que fasem do Maracá, como instrumento musical
de percussão.
(...)
Maria-cachucha. Nome de uma certa toada musical em tom maior,
no compasso de 6/8, de origem plebéa. Esta musica é accommodada
á lettra de uma poesia livre, e quasi sempre executada a solo,
nos Estados do norte da Republica e especialmente em Alagoas,
onde a encontramos fasendo as delicias dos folgasões de ambos
os sexos.
Marimba. Instrumento musico dos Cafres. Chamam tambem Marimba
a certo som, que os rapases tiram, tocando com as mãos fechadas
nos beiços, e dando supapos na barba.
(...)
Maxixe. Nome chulo impropriamente criado pela populaça para designar
a musica de dança de uma Polka-Tango, que prima pelo caracteristico
de meneios e requebros indecentemente exhibidos pelos dançantes,
especialmente em bailados publicos carnavalescos. Esta dança moderna,
um pouco mais modificada, ja vae sendo introdusida, até mesmo
nos salões da melhor sociedade.
(...)
Mineiro páo. Musica de uma certa dança, que sendo mui popular
nos Estados de Pernambuco e Alagoas, é entretanto de origem plebéa.
Esta musica e dança, executada á Viola de arame ou Guitarra, é
subordinada sempre á monotonia rythmica das palmas, representando
uma das mil variantes do Côco (musica de dança chula brasileira)
mui comum em folganças nos dias festivos. É bastantemente usada
em reuniões familiares, substituindo-se o acompanhamento pelo
de piano.
(...)
Miudinho. Ruidosa e singular tocata executada na Viola de arame,
ou Guitarra, mui semelhante ao fado dos Portuguezes.
(...)
Modinha. Diminutivo de Cantiga. Poesia lyrica posta em musica;
pequenas composições que andam em voga, e que qualquer curioso
as pode crear e compor.
(...)
Mulungú. Instrumento de percussão grosseiro e campestre, formado
de um pedaço de madeira de que tomou o nome, de forma cylindrica
e ôca, tendo em uma das extremidades uma pelle estendida sobre
a qual batem com ambas as mãos, produzindo um batuque, ao som
do qual exhibem danças grotescas e extravagantes, por ocasião
de festas e regosijos populares, os pretos boçaes nos Estados
de Pernambuco e Alagoas, do Norte da Republica.
(...)
Musica de baile pastoril. Pequenas composições musicaes, moldadas
ao genero idylico de modo representativo, versando a lettra da
poesia sobre scenas campestres extrahidas das legendas tradiccionaes
dos acontecimentos biblicos, para exhibições publicas, bailados,
quasi sempre ao ar livre sobre tabalado e ordinariamente por ocasião
das festas de Natal, mui em voga especialmente nos Estados do
Norte da Republica. Estas representações lyrico-scenicas, constituem
um grande e interessante divertimento publico.
(...)
Oboaz ou Bujamé. Instrumento de sôpro, que os pretos tocam às
protas das Igrejas, na Africa Portugueza.
(...)
Quissange. Instrumento usado pelos negros da Africa occidental.
Consiste n'uma pequena peça oblonga de madeira muito leve, trabalhada
de nodo que offerece uma cavidade gradualmente mais funda; no
centro está fixada uma serie de laminas de ferro, um pouco recurvadas,
de varias dimensões, produsindo, por conseguinte, differentes
sons. O tocador faz vibrar essas laminas com os dedos pollegares,
em quanto os outros seguram o instrumento. Os sons produsidos
são harmoniosos e suaves. A alguns Quissanges são addicionados
uma cabaça para augmentar-lhes a sonoridade.
(...)
Reisado. Nome de um bailado popular, que se executa aos sons de
musica original e que representa, segundo parece, assumpto bellico.
O Reisado é sempre usado entre pessoas do povo, por occasião das
festas de Natal, especialmente nos Estados do Norte da Republica,
onde prima pelo caracteristico de uma folgança mui antiga, denominada
- Bumba meu boi, - subordinada sempre á monotonia de uma melodia
que não enfastia, pela variedade dos conceitos dialogados entre
um vaqueiro e o côro que, em unisono responde alternativamente
n'um constante e imperturbavel - E' bumba!
(...)
Sahiré. Certa dança burlesca de batuque, entre os tapuyos.
(...)
Saramba. Especie de fandango, semelhante ao Sarambéque, dança
alegre e boliçosa, usada pelos pretos ao som de batuques.
Sarambéque. Especie de batuque de negros, ao som do Tambor. É
semelhante ao Caxambú de Minas Geraes.
Sarambú. Especie de fandango com que se entreteem os negros boçaes
em seus regosijos, ao som de extravagante batuque.
(...)
Vuvú. Instrumento grosseiro e tosco, de percussão, feito de madeira,
cylindrico, coberto de uma pelle tendida em uma de suas extremidades.
Este instrumento por meio de uma fricção exercida sobre a pelle,
produz o som onomatopico, donde lhe vio o nome; é empregado nos
divirtimentos de batuques dos negros boçaes em suas festanças."