Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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N° 07 (1990: 5)
Antonio Alexandre Bispo
(Excerto)
As observações de maior interesse etnográfico e musicológico do
relato de viagens de Paul Marcoy dizem respeito à complexa região
do Alto Amazonas, uma área de limites territoriais com longa história
de conflitos fronteiriços entre Espanha e Portugal.
O viajante descreve a vida nas localidades ribeirinhas, tais como Nauta, São Joaquim de Omáguas, Iquitos, Pucallpa, Loreto (Perú) e Tabatinga (Brasil).
Na sua presença em Nauta, Paul Marcoy constatou a complexidade dos relacionamentos indígenas nessa vasta região que se estende para o interior do Perú e a atividade de moradores de diversas proveniências. Assim, o governador de Nauta, mestiço, que exercia também as funções de chantre e mestre-escola, tinha vindo do Panamá, ao redor de 1830.
Nauta tinha sido fundada como uma missão de Jesuítas de Quito
no começo do século XVIII. No local dessa antiga missão fundou-se,
ao redor de 1810, a vila com índios já catequizados das tribos
Cocama e Cocamilla que viviam às margens do rio Huallaga e na
vizinhança da Grande Laguna. Para a vila vieram mais tarde outros
Cocamas que tinham permanecido nas aldeias do Huallaga, constituindo
uma parcela da população menos adaptada e flutuante.
Nauta possuía em meados do século XIX cabanas de chão de terra e 700 habitantes; com a sua aparência desordenada e desprovida de vegetação, não deu boa impressão ao viajante.
Por ser porto de água doce onde faziam escala os comerciantes de peixe salgado, de salsaparrilha, de chapéus de palha, de lonas e tecidos que iam do Perú à Barra do Rio Negro e até ao Pará, a cidade recebia as mais diversas influências. Nauta era capital de imensa região que começava no Parinari e acabava na embocadura do rio Napo.
As cinco aldeias de sua jurisdição eram visitadas de três em três meses pelo sacerdote. Para fomentar a colonização, o govêrno peruano havia dispensado do pagamento de impostos todo o novo habitante da região, fosse ele índio ou mestiço. A influência do Brasil era notória, fato até mesmo demonstrado pela difusão da "lingua geral". Assim, ali já se ouvia a denominação "igarapé" no lugar de "ghenê" ou "mayu".
Todos os Cocamas, já há muito batizados, tinham assimilado novos costumes e usavam camisas e calças européias. De sua antiga cultura restava a língua, já muito influenciada pelos contactos diários com os brasileiros. A própria embarcação do viajante era brasileira, de característica forma "arredondada e vulgar", com seis remadores indígenas e um pilôto.
O "Tratado" sobre a música dos Cocamas de Paul Marcoy, assim designado
no sumário da etapa 11 de seu relato, refere-se ao canto desses
remadores, sempre embriagados de "caysuma". O autor explica que,
a partir da Barra do Rio Negro até o Pará, essa bebida tinha o
nome - atualmente conhecido - de "macachêra".
"Ao redor das quatro horas, os Cocamas, sob a ordem do pilôto, começaram a remar. Eu admirei a regularidade dos seus movimentos. (...) O pilôto assobiava para os encorajar. Quando ele se cansou desse exercício, os remadores substituíram o seu assobiu por um coro de seis vozes cantado em cânone. Essa melodia local, de um caráter eminentemente lúgubre, consistia em uma série de sons guturais, nas quais 'hooouh' indefinidamente repetidos tomavam o lugar das palavras. Os Cocamas a cantaram tantas vêzes que me foi fácil aprendê-las. Aqui dou uma reprodução exata. Quanto à maneira de produzir o som, de enluvar a nota, como dizem os italianos, e de conduzí-lo em pianíssimo do grave ao agudo, o melômano, desejoso de o aprender com os nossos Cocamas, poderá atravessar o Atlântico, subir o Amazonas e indagar aos descendentes dos fugidos da Grande Laguna o segrêdo de seu método natural."