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Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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No. 92 (2004: 6)


 

Ciclo Economia, História Colonial

 

Porto de Hamburgo e navios na história das relações culturais
Exemplo Cap Polonio

Hamburgo, Trabalhos da A.B.E. 2004

 

Porto de HamburgoComo exposto em outros relatos desta edição, a Academia Brasil-Europa desenvolveu, nos dias 17 e 18 de abril de 2004, em Hamburgo, uma das sessões do ciclo de estudos Economia, História Colonial e Alegoria.

Estudos culturais hamburgueses e estudos das relações entre Hamburgo e o Brasil não podem ser desenvolvidos sem a consideração privilegiada da navegação. Como cidade portuária, exerceu por séculos papel fundamental na história do comércio e das relações humanas e culturais do período da Hansa, e essa tradição teve continuidade e ampliação com os elos com o Novo Mundo e outros continentes nos últimos cinco séculos.

O porto de Hamburgo desempenhou papel relevante sobretudo na história da emigração alemã para o Brasil. Se ali se estabeleceram sociedades de emigração e colonização, isso deveu-se à existência do porto.

A história da navegação e das relações marítimas é aspecto importante, senão núcleo de estudos culturais em relações internacionais. Sobretudo para países cuja formação foi marcada pela expansão européia à época dos grandes Descobrimentos, essa cultura do mar tem sido reconhecida como imprescindível para estudos mais aprofundados. A sua consideração, porém, tem sido marcada compreensivelmente por estudos da história marítima portuguesa. Há, porém, outros contextos a serem considerados, entre êles o com a região de comércio marítimo do Norte.

Navio como objeto de estudos culturais

Entre os vários aspectos e fases dessa história cultural da navegação há um que tem sido particularmente pouco lembrado. Trata-se do navio como expressão cultural em si, como imagem de uma época e de relações, como símbolo e meio de representação de nações.

Os emigrantes que abandonavam em penúria o seu país natal passavam pelo interregno da viagem, eram impregnados na sua memória de forma inapagável pelo ambiente e pelos sucessos da travessia.

Os empresários e comerciantes, os intelectuais e artistas que atravessavam o Atlântico em ambas as direções também passavam pela experiência do navio. Este não era apenas um meio de locomoção a ser desprezado. Nas longas viagens do passado, consistuiu um momento marcante na vida dos viajantes.

No estudo das relações entre a Europa e o Brasil, o navio não pode ser subestimado. Não representou apenas um meio de transporte a ser considerado exclusivamente sob o aspecto técnico, mas um objeto portador de imagens, de identidade, muitas vezes orgulho de suas empresas e nações.

Reconstrução naval após a Primeira Guerra

O significado do navio e da imagem que transportava nas relações internacionais pode ser estudado de forma particularmente expressiva na recuperação das linhas transatlânticas após a Primeira Guerra Mundial. Com a derrota da Alemanha e os danos que recebera, a reconstrução de sua antiga imagem como país de extraordinária marinha tornou-se questão não apenas econômica. A guerra e a seguir o tratado de Versailles atingiram a navegação alemã e a sua frota.

Entre as grandes companhias que restabeleceram o serviço regular entre a Alemanha e o Brasil após a Guerra salientaram-se a Sociedade Hamburgo-Sulamericana (Hamburg-Südamerikanische Dampfschiffahrtsgesellschaft H.S.D.G.) e a Lloyd Norte-alemã (Norddeutsche Lloyd), esta de Bremen.

Hamburg-Südamerikanische Dampfschiffahrtsgesellschaft H.S.D.G

A primeira, possuia, em 1914, uma frota de 61 navios de primeira ordem. Logo após a guerra, apesar dos efeitos do Tratado de Versailles, conseguiu reencetar o seu serviço para a América do sul, primeiramente com navios de segunda ordem. Sem auxilio de capital estrangeiro, conseguiu em pouco tempo recuperar-se: com navios novos ou readquiridos, formou uma frota mercante que possuia, já em 1922, 14 unidades.

Além de dois grandes navios de carga, possuia navios mixtos, navios postais a duas hélices (Cap Norte e Antonio Delfino) e, sobretudo o Cap Polonio, com três hélices, considerado como "maravilha mercante", o mais moderno paquete que navegava pelo Atlântico Sul na época.

Expressão da extraordinária rapidez de recuperação alemã após a guerra era a qualidade das instalações internas de algumas dessas naves, tais como os navios Espanha, La Coruna e Madeira (antigo Cap Verde), Villagarcia, Bilbáo, Argentina, Santa Fé, Santa Theresa, Rio de Janeiro e Paraná. Todos os navios tinham telegrafia sem fio a bordo.

Os vapores da Hamburg-Südamerikanische Dampfsschiffahrtsgesellschaft faziam ligação de Hamburgo para o Brasil, Uruguai e Argentina, com correspondência direta para o Chile e o Paraguai. A sua representação no Brasil era com a firma Theodoro Wille & Co, com sede na Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro.

Um dos objetivos estratégicos da época foi a de oferecer condições dignas de viagem também a passageiros de terceira classe ou aqueles que provinham de países com moeda desvalorizada. Esses passageiros podiam viajar no Espanha, no La Coruna, no Vigo e no Tucuman a preços equivalentes ao de segunda classe de um paquete rápido.

As cabines e outras instalações de primeira classe alcançaram um nível em aparato luxuoso que correspondia e até mesmo superava àquele do pré-Guerra. O Cap Polonio apresentava vários salões com mobiliário de madeiras nobres. O seu jardim de inverno, iluminado por clarabóia e com poltronas de vime, irradiava uma atmosfera tropical. O salão de fumar, com poltronas de couro e madeira, também sob uma clarabóia de vidros ornamentados, era um dos espaços que procurava criar uma atmosfera de distinção. A sala de refeições, embora não poendo comparar-se com as de navios da atualidade, dava atenção a que as mesas não possuíssem mais do que um número reduzido de lugares, facilitando o convívio social.

Cap Polonio. Salão

A publicação que mais considerou o papel desempenhado pelo Cap Polonio na história cultural das relações entre a Alemanha e o Brasil nos anos 20 foi a de Herbert Wendt (Kurs Südamerika: Brücke zwischen zwei Kontinente, Bielefeld: Ceres 1958). A êle o autor dedica um capítulo, de título "Renascimento e fim de um navio-gigante". O autor inicia a sua exposição salientando o destino sui-generis do Cap Polonia. Foi lançado ao mar em março de 1914, saindo dos estaleiros de Blohm & Voß, em Hamburgo. Era um vapor de luxo, de alta distinção e de proporções até então nunca alcançadas. Durante uma viagem provisória, foi surpreendido pela eclosão da Guerra. A Marinha o confiscou imediatamente, não foi porém utilizado para fins militares. Após a tragédia do Cap Trafalgar, duvidava-se da adaptabilidade de vapores de passageiros a navios de guerra. Após a Guerra, em 1919, o navio teve de ser entregue, juntamente com 22 outros às potências da Entente. Passou a ser então utilizado pelos inglêses para o transporte de tropas para a Índia. As viagens com o gigantesco Cap Polonio duravam porém tempo demasiado. Por intermédio de John Eggert, em 1921, após demoradas consultações com as potências vencedoras, o navio pode ser readquirido. De Liverpool foi trazido novamente a Hamburgo, recuperado tecnicamente. Após a sua renovação, o Cap Polonio, com os seus 202 metros de comprimento e com a sua arquitetura anterior que possibilitava o maior conforto possível tornou-se uma demonstração da capacidade técnica e estética dos alemães na construção naval. Particularmente digno de nota era a posição elevada das salas de jantar e a disposição dos espaços adjacentes. Além dos salões de fumo e para senhoras havia espaços para crianças, para não-fumantes, um café-varanda, salas de ginástica, banhos de luz e piscina e amplas áreas para banhos de sol. Os nichos e as paredes do jardim de inverno eram cobertos de mármore.

Cap Polonio. Sala de fumar

No verão de 1922, o ex-capitão do Cap Vilano, Ernst Rolin, desde a Guerra atuante na navegação fluvial argentina e paraguaia, recebeu o encargo de comandar o Cap Polonio. Retornando de Buenos Aires a Hamburgo, assumiu o comando da primeira viagem do navio à América do Sul, em 1922.

"Essa viagem do Cap Polonio, escreve Rolin, foi um triunfo. Em todos os portos que entramos fomos recebidos com grandes ovações da população, assim como o Argentina na sua primeira viagem em 1920. Salientaram-se aqui sobretudo os espanhóis: quando chegamos em Villa Garcia, Vigo e Santa Cruz de Tenerifa fomos sobrepujados pelas manifestações de simpatia. (...)
Também na continuação da viagem do Cap Polonia à América do Sul as festas se sucediam. Em todo o porto havia o mesmo entusiasmo, escreve Rolin, no Rio, em Santos, Montevideo, Buenos Aires, por todo lugar, a bordo e à terra, festas e cordiais recepções! Parecia que havíamos estado apenas pouco tempo ausentes e que agora voltávamos como hóspedes bem quistos. O interesse pelo navio era imenso. Especialmente os elegantes sul-americanos queriam imediamente viajar com o Cap Polonio. (...) Em filas de quatro, tão longas quanto um quarteirão, as pessoas esperavam perante a agência para obter uma entrada para visitar o Cap Polonio. Precisamos chamar a polícia para poder alcançar o escritório. (...)
Essa ressonância que o Cap Polonio teve nos países românicos e, em geral, entre a elite viajeira da Europa e da América do Sul levou a companhia à idéia de não apenas colocar os seus navios a serviço da ligação regular entre Hamburgo e a América do Sul, mas sim também para viagens de recreio em diversas regiões da terra. Por isso realizaram-se a seguir viagens para as Ilhas Canárias, para o Oriente, no Mediterrâneo, à Escandinávia e excursões da Argentina para o Brasil, do Brasil para a Terra do Fogo, da América do Sul para o Sul da Europa, para a África do Norte e Oriente Próximo. Assim, o Cap Polonio e o grande sucesso de sua primeira visita no Novo Mundo levou a uma modificação do programa que deu uma nova feição à Hamburg-Süd"
. (op.cit. 260-262)

Já no primeiro ano do início de seus serviços regulares de Hamburgo ao Rio, Santos, Montevideo e Buenos Aires, o Cap Polonio realizou três cruzeiros. Levaram às geleiras da Terra do Fogo, inaugurando essa região para o turismo. Nos anos seguintes, levaram brasileiros e argentinos à América do Norte, ao Mediterrâneo e ao Oriente, até mesmo à Rússia. O ponto culminante de sua história foi o ano de 1927 com uma viagem extraordinária das Antilhas à América Central e do Norte. Entretanto, já nesse ano surgiu um navio mais moderno e mais rápico, o Cap Arcona. Com a crise econômica de 1930, o Cap Polonio foi tirado de serviço. (op. cit. pág. 262-263)

Companhias de NavegaçãoLloyd Brasileiro

Do lado do Brasil, a Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro expandiu a sua rêde com uma linha regular para Hamburgo. Foi o primeiro país da América do Sul que instalou o serviço regular com a Alemanha. Através de seus navios, milhares de emigrantes alemães e austríacos viajaram para o Brasil. As referências sobre a qualidade de serviço desses navios brasileiros são positivas:

"Os viajantes que fizeram uma vez a viagem nos elegantes salões e camarotes confortáveis dos vapores do Lloyd Brasileiro, tornaram-se os mais enthusiasticos propagandistas desta companhia, encomiando, sobretudo, a absoluta segurança da viagem e o bom comportamento da tripolação." (A. Funke, O Brasil e a Allemanha 1822-1922, Berlim: Internacional, 1923, op. cit. 181)

Os navios partiam mensalmente no dia 15 e ligavam os portos de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Santos a Hamburgo, passando por Vigo, Leixões e Lisboa. As suas representações em Hamburg eram: Carl Adolf Schmidt, para passagens, Aug. Bolten, WM. Millers Nachfolger, além da própria Hamburg-Amerika Linie

Hapag

Tratando-se da história da navegação alemã não se pode deixar de considerar uma certa concorrência entre Hamburg e Bremen. A Norddeutsche Lloyd de Bremen, possuira antes da Guerra um extraordinário renome pela sua regularidade e pela qualidade de serviços a bordo. Até então, os seus navios haviam transportado pais de 10 milhões de passageiros. Apesar das perdas que teve, a companhia conseguiu reiniciar os seus trabalhos em 1920 e, dois anos depois, já mantinha um serviço regular para a América do Sul, para os EUA e para o Oriente.

De Hamburgo, a Hapag conseguiu reestabelecer também os seus serviços, mantendo duas viagens por mês ao Brasil e ao Rio de Prata.

Uma nova linha, a de A.-G. Hugo Stinnes, fundada durante a guerra, já adquirira renome internacional. Mantinha também linhas regulares para a América do Sul, com navios de carga e de passageiros, ligando principalmente Hamburgo a Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Santos, Montevideo e Buenos Aires. Também mantinha serviço regular para Cuba (Havana), México (Vera Cruz e Tampico), e Ásia oriental (Singapura, Hongkong, Shanghai, Kobe e Yokohama)

Em texto da própria Hapag, a companhia assim descrevia os seus navios postais Teutonia, Rugia e Galícia da linha Hamburgo-America:

"Quem hoje pensa abandonar a Patria para procurar uma nova certamente lhe occorre em primeiro logar a America do Sul onde sabe ha ainda para esperar muito da sua riqueza e situação economica para o mundo inteiro. Realmente, partiram para a America do sul logo que terminou a guerra um grande numero de viajantes transatlanticos para aquelle continente e em especial da Europa central. Reconhecendo este desenvolvimento a Hapag organisou um serviço regular, quinzenal, com navios de carga e de passageiros, para o rejubelecimento de todos os interessados. O velho lema, segurança, regularidade e conforto ainda hoje é como outróra o seu estandarte.
(...)
Teutonia e Rugia são navios gemeos com 6516 Br.R.T. e 6598 Br.R.T. respectivamente. Elles foram construidos pelos estaleiros da Vulkan de Bremen em Vegesack (...) O Galicia foi tambem construido pela mesma casa de Bremen. (...)

Durante a construcção destes navios foi de especial estudo poder offerecer aos passageiros da primeira classe todo o conforto como elles encontravam a bordo dos navios da Hamburg Amerika Linie antes da guerra. Os camarotes da 1a. classe tem uma decoração elegante e o mais confortável possivel. O grande salão de refeições que na sua largura corresponde a de todo o navio as refeições são servidas em pequenas mesas o que provoca naturalmente a mais facil approximação entre os passageiros.
O grande salão para senhoras e o de fumar offerecem tambem opportunidade para o convivio social.
(...)
Apezar do aproveitamento, o tanto quanto possivel, do espaço e ainda o augmento desproporcional da terceira classe não deixou a empreza constructora de tomar em consideração que estes passageiros tivessem o tanto quanto possivel o conforto para uma longa travessia. Na organisação da terceira classe foi ainda tomado em consideração que passageiros que outrara viajavam em 1a. ou 2a. classe hoje não estão mais em condicção de fazel-o pela desvalorisação da moeda e que por isto são forçados a viajar em terceira classe. A antiga coberta para imigrantes deixou completamente de existir, e em seu logar foi organisada uma terceira classe com um grande numero de camarotes.
As refeições são servidas nas salas de refeições por criados da terceira classe. A elles tambem se offerece hoje salão de fumar e de reunião como acontece aos passageiros da primeira classe. As noites e os dias de máo tempo podem ser passados hoje em dia nestas dependencias.
Encontra-se tambem uma magnifica orchestra que por occasião de festejos entretem os srs. passageiros; esta tambem toca, á tarde, quando tanto o passageiro da 1a. como da 3a. classe, descança na sua espreguiçadeira no convez do navio.
(...)" (op.cit. s/p.)

 

Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).

 

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