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Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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No. 92 (2004: 6)


 

Ciclo Economia, História Colonial

 

Hammonia : Universo hanseático, Alegoria e Brasil

Hamburgo. Trabalhos da A.B.E. 2004

 

Pinturas no Rathaus de HamburgoComo exposto em outros relatos desta edição, a Academia Brasil-Europa desenvolveu, nos dias 17 e 18 de abril de 2004, em Hamburgo, uma das sessões do ciclo de estudos dedicado ao tema Economia, História Cultural e Alegoria .

Esse não representou o primeiro evento da A.B.E. relacionado com Hamburgo, uma vez que essa cidade desempenhou importante papel desde os primeiros momentos da reinstalação da organização na Europa, em 1974. Nesses anos, considerou-se sobretudo o extraordinário papel de Hamburgo na história da música e da literatura, suas repercussões e o significado para o Brasil de nomes, obras e tendências das artes e do pensamento de Hamburgo e da região.

As reflexões encetadas por motivo da exposição "O que é Europa", do Museu de Etnologia da Universidade de Hamburgo foram combinadas com aquelas relativas a outros complexos temáticos: o da História Cultural das relações comerciais entre a Alemanha e o Brasil sob especial consideração de Hamburgo, o das relações entre o comércio e a identidade e imagem de Hamburgo nas suas repercussões no Brasil e o do comércio na linguagem de imagens da cultura, incluindo a sua mitologização.

Hamburgo, História Colonial, destruição e reconstrução

Hamburgo desempenhou um papel importante à época da imigração alemã ao Sul do Brasil no século XIX . Foi centro da organização da emigração como sede de sociedades colonizadoras.

A história da colonização alemã apresenta estreitos vínculos com círculos e empreendimentos hamburgueses. Representantes desses círculos estiveram no Brasil e, retornando, mantiveram a Alemanha informada a respeito do desenvolvimento das colonias. A história cultural apresenta aqui elos supra-nacionais que necessitam ser considerados.

O significado da história emigratória para a própria Alemanha e da história imigratória e colonizadora para o Brasil está sendo reconhecida de forma crescente. Museus da migração e da colonização de ambos os lados o demonstram.

Como levantado porém no âmbito do Congresso Internacional de Estudos Euro-Brasileiros, em 2002, e salientado no Colóquio Internacional de Estudos Interculturais, de março de 2004, os estudos respectivos não podem se limitar ao levantamento de dados e informações documentais sobre migrantes, suas origens e famílias.

As dimensões culturais das relações internacionais baseadas no fenômeno migratório são muito mais amplas e profundas.

A intensificação da emigração alemã ao Brasil coincidiu com uma fase especial da história de Hamburgo.

No século XIX, a cidade foi alvo de um grande incêndio, deflagrado na noite de 4 a 5 de maio de 1842. Pelo que tudo indica, o incêndio teve o seu início na casa de um fabricante de charutos, tendo sido provavelmente ato criminoso.

O fogo alastrou-se no bairro de São Nicolau, sobretudo para o norte e para o oeste. Nessa igreja, ainda se celebrou um ato de culto pela manhã e ao meio-dia. Já à tarde, porém, as chamas atingiram a sua torre. Segundo a tradição local, os sinos tocaram pela última vez sob a ação do fogo, antes de cairem, com a torre, destruindo a nave da igreja. As chamas ameaçaram atingir a antiga Casa de Conselho. Após ter-se salvo a maior parte do arquivo, resolveu-se implodir o edifício para impedir o caminho do fogo. Entretanto, no dia 6 de maio, este se expandiu para o norte, na região da atual Bolsa e da Casa de Conselho. No dia 7 de maio, incendiou-se a igreja de S. Pedro e a capela de Sta. Gertrudes.

A cidade foi, assim, destruída em partes centrais e históricas, em monumentos que possuíam grande significado para a sua identidade e imagem. A recordação desse incêndio manteve-se inapagável na memória da população e até hoje lembra uma de suas vielas o limite da zona atingida pelo incêndio (Brandsende). O incêndio de Hamburgo envolveu também toda a região circumvizinha, de onde veio auxílio para o apagamento das chamas.

À tragédia humana e material - 51 mortos, 20.000 desabrigados, 1700 casas destruídas (20% da cidade )- , uniu-se a dimensão simbólica. Assim, para os dias que iriam ser marcados pelo incêndio havia-se planejado a inauguração festiva da estrada de ferro. Ao invés de solene abertura, os primeiros trens tiveram que correr com fugitivos da cidade em chamas.

A imagem da cidade ficou marcada através de décadas pelas ruínas dos edifícios destruídos e por construções provisórias. Ao mesmo tempo, porém, a cidade foi alvo de grandes projetos de reconstrução e de reorganização urbana das zonas atingidas. Um espírito de renovação e de fé no progresso técnico impregnou a atmosfera. Grandes trabalhos de infra-estrutura necessitaram ser realizados, sobretudo quanto às águas e esgotos e novos reservatórios e canais subterrâneos foram construídos.

A orientação estético-arquitetônica geral foi em parte classicista, em parte baseada na configuração das cidades italianas, com predominio de arcadas na parte baixa de edifícios. A igreja de São Nicolau foi construída em estilo neo-gótico, com a mais alta torre da cidade, a de São Pedro reconstruída na sua forma mais ou menos original.

A zona ao redor do Pequeno Alster, definida como novo centro da cidade, adquiriu uma nova feição, sendo aterrados e regularizados vários canais. A discussão em torno da reconfiguração do centro da cidade durou várias décadas. O seu principal edifício, a nova Casa de Conselho, seria inaugurada apenas após 55 anos. Toda a região hamburguesa foi marcada por esse desenvolvimento, inclusive do ponto de vista do desenvolvimento econômico, uma vez que olarias da região obtiveram grande procura pelos trabalhos de reconstrução da cidade.

Uma ocorrência de tais dimensões não poderia deixar de marcar a consciência própria da comunidade e da região. A questão da tradição e da renovação, do elo de continuidade com o passado a ser recuperado e, ao mesmo tempo, a visão dirigida ao futuro teve a sua repercussão no debate intelectual e político.

Nesse contexto, o pensamento alegórico assumiu particular significado. O edifício da nova casa de Conselho, um dos maiores monumentos do historismo alemão, é um exemplo da força da alegoria.

Hammonia

Como alegoria central pode ser considerada a de Hammonia , figura feminina que representa a própria comunidade hanseática. As raízes históricas dessa alegoria e de seu nome não estão totalmente esclarecidas. Parece que tiveram uma relação com uma divindade saxã, Hamm ou Hammon. Já em mapas antigos surgia como emblema da cidade. As conotações dessa alegoria são múltiplas, inclusive histórico-sociais e político-sociais.

A sua colocação no alto da fachada da Casa de Conselho, acima da série de soberanos alemães, demonstra a sua relação com a própria imagem da cidade na sua consciência de cidade da Hansa, livre, não de cidade imperial: uma cidade de burgueses que alcançaram o poder e a riqueza através do comércio e das atividades civís. Que o comércio estava no centro das atenções, isso o indica também o intuito de se erigir uma estátua de Mercúrio no pátio interno do novo edifício. Embora o projetado monumento tenha sido substituído por uma estátua da Higiene, ao mesmo tempo divindade e alegoria, uma decisão causada por uma epidemia de peste, o intuito demonstra o quanto se estava consciente do cunho mercúrico que marcava universo imagológico da cidade.

O pensamento alegórico teve tanta relevância à época da construção da nova Casa de Conselho que foi uma das causas de uma grande polêmica estético-cultural por ocasião da ornamentação da grande sala de festas do edifício.

Para essa tarefa ornamental foram escolhidos primeiramente os pintores Gehrts e Geselschap, de Düsseldorf, entretanto falecidos antes da execução dos projetos. Após um novo concurso que não teve sucesso, optou-se pelo pintor Hugo Vogel (1855-1934). Tendo estudado na Academia de Düsseldorf, com Wilhelm Sohn e Eduard von Gebhard, Hugo Vogel adquirira renome pelos seus quadros históricos. Após viagens pela Itália, assumira uma cadeira na Academia de Berlim, em 1886. Aperfeiçoara-se em Paris, em 1893, com Jules Levebre e viajara pela Espanha e pelo Norte da África. Como pintor histórico, autor de afrescos para edifícios oficiais (prefeituras de Berlim e Hamburgo, casa das corporações de Merseburg), e de pintor de retratos ao ar livre (posteriormente durante a Primeira Guerra Mundial), Hugo Vogel distanciou-se da tendência alegórica que havia marcado desenvolvimentos anteriores. Esse distanciamento levou inclusive a modificações da arquitetura interna e do colorido dos espaços. As suas obras tratam, com colorido claro e leve, aspectos da história da paisagem original de Hamburgo, da pré-história, da cristianização, do período da Hansa e do moderno porto internacional. Representam, assim, uma orientação estética de cunho histórico-descritivo ou narrativo, não alegórica. Era essa porém a visão que estava por detrás do projeto de Emil Meerwein e de outros na concepção dessa sala solene, com teto dourado e ornamentada com armas das 62 cidades da Hansa. Essa quebra com o espírito da obra levou a protestos de membros da união de arquitetos por ela responsáveis, o Rathausbaumeisterbund.

Hammonia no Brasil

O significado da alegoria - e a sua compreensão no contexto histórico-cultural específico de Hamburgo no século XIX - não ficou sem repercussões no Brasil. Testemunho mais explícito dessa repercussão foi o da denominação de Hammonia para sede da Sociedade Hanseática de Colonização em Santa Catarina. Essa sociedade, fundada a 30 de março de 1897 em Hamburgo, tinha o encargo de promover a colonização de territórios em Itapocú e no Rio Hercílio, além de terrenos comprados do príncipe de Schönburg-Waldenburg e dos duques de Chartres e Penthièvre. Uma de suas colonias, a de Itajahy Hercilio, no município de Blumenau pode, por intermédio do Chanceler alemão, superar o perigo de ser extinta por motivos econômicos. Para a sua reorganização, vieram para o Brasil dois gerentes da sociedade em Hamburgo, A. W. Sellin e F. Mörsch, em fins de 1903. A sede da Colonia foi transferida de Joinville para Itajahy Hercílio.

Após o retorno de A. W. Sellin, a colônia permaneceu sob a administração de F. Mörsch e, a partir de 1909, de José Deeke. Ao redor de 1920, as designações das colonias se mudaram. A designação coletiva passou a ser Colonias Hanseáticas, as de Pirahy, Itapocú e São Bento passaram a constituir o distrito de Hansa, e Itajahy Hercilio recebeu o nome de Hammonia. (Gedenkbuch zur Jahrhundert-Feier deutscher Einwanderung in Santa Catharina, Florianópolis: Livraria Central, Alberto Entres & Irmão, s/d, 65-66)

A alegoria de Hammonia como nome de uma comunidade urbana no Brasil é muito mais relevante do que à primeira vista pode parecer. Os atributos da imagem, nas representações que marcam a fisionomia urbana de Hamburgo são conotativos de concepções profundamente vinculadas com a história político-cultural e a consciência de cidade hanseática. Vê-se, por exemplo, a coroa de muros, indicando a personalização da própria cidade, na sua autonomia e liberdade, vê-se o caduceus com as duas serpentes de Mercúrio, símbolo do comércio e da comunicação, vê-se representações de navios, indicando o significado da navegação, vê-se o chapéu da liberdade.

Essa alegoria parece expressar muito das concepções transplantadas para o Brasil e que fizeram parte da consciência cultural e da própria imagem dos imigrantes: o significado do trabalho, da diligência, do bem-estar adquirido pelo exercício de virtudes burguesas e a liberdade relacionada com o livro comércio.

Hammonia

"E vai-se descobrir, que muitos símbolos visuais foram criados sem o intuito de comunicar algo (...). Entretanto, sobretudo na Europa, criaram-se grupos vastos de obras expressamente com o objetivo de comunicar concepções e idéias. Mesmo assim, a questão da função, mesmo de cada obra em si, não é fácil de ser respondida. (...) Há um enorme espaço intermediário, no qual não se pode tomar decisões. (...) Tem uma personificação da Justiça sobre a porta de um Paço ou de um tribunal a partir do século XVI o sentido de uma Allegoria, de uma parábola da atividade que ali se exerce, uma lição moral ou educativa para juízes e jurados, um símbolo quase mágico que revela a essência misteriosa do conceito abstrato de Direito (...)? (...) chega-se por fim à conclusão, de que a Personificação da Justiça serviu a todos esses objetivos. (...) Artes, visuais e não-visuais, e as Ciências movimentam-se na mesma direção. A nossa tarefa não é mais a de descrever e classificar fenômenos, mas sim a pesquisa de função e significado" (Rudolf Wittkower, Allegorie und der Wandel der Symbole in Antike und Renaissance, Colonia: Du Mont, 1984, 344-345)

Tudo indica que concepções vinculadas ao mundo hanseático foram transplantadas para o Brasil por intermédio de alegorias. Essas concepções poderão até mesmo contribuir para explicar a força do movimento republicano em várias das colonias alemãs, por exemplo em São Bento.

Os trabalhos terão prosseguimento.

(...)

G.R.

 

Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).

 

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