Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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No. 85 (2003: 5)


 

    Entidades promotoras
    Akademie Brasil-Europa
    I.S.M.P.S. e.V./I.B.E.M.: Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes/Instituto Brasileiro de Estudos Musicológicos
    ACDG: Associação Cultural Cante e Dance com a Gente (Novo Hamburgo RS)
    Institut für hymnologische und musikethnologische Studien e.V. (Maria Laach)

    Direção geral
    Dr. Antonio A. Bispo
    Direção Forum RS
    Dra. Helena de Souza Nunes, Rodrigo Schramm

Sessão no Paço Municipal de Joanópolis
© Foto: H. Hülskath, 2002
Archiv A.B.E.-I.S.M.P.S.

 

RECOMENDA DE ALMAS EM SANTANA DO JACARÉ

Zuleika de Paula

(trechos)

A recomenda de almas consiste em um grupo de pessoas que durante o período da quaresma reúne-se e sai, altas horas da noite, cantando e rezando pelas almas que padecem no inferno, purgatório ou vagam no espaço.
Os que não falecem de morte natural, tendem a atormentar os vivos, portanto, é necessário que se façam orações e penitências para que as almas possam finalmente, descansar em paz.
Os recomendadores de Santana do Jacaré aparecem, pela cidade, as quartas e sextas-feiras, envoltos em lençóis à guisa de mortalha. Cantam e rezam nas encruzilhadas, cruzeiros e capelas, cumprindo de três a nove paradas, sempre em número ímpar, caminhando em silêncio e cabeça baixa.
No início e no fim de cada parada, fazem soar a matraca e o berra-boi. Pedem pelas almas dos que morreram afogados, queimados, enforcados, linchados, assassinados ou em acidentes e pelos que se suicidaram.
Acreditam que não devem olhar para trás, pois verão as almas que os acompanham. As pessoas dentro das casas ao ouvirem a matraca e a cantoria, apagam as luzes e permanecem em silêncio ou oração, até que o grupo se afaste. Estes também acreditam que se for espiar, verão os mortos seguindo o cortejo.
É costume ofertarem um café ou lanche aos penitentes que, após a refeição, seguem para completar a recomenda daquela noite.
A cantoria é feita por um solista, uma espécie de chefe, sendo que os demais o obedecem e participam do coro.
A recomenda pode ainda receber outros nomes como: deitar às almas, pregão das almas, encomenda das almas, amentar ou lamentar as almas. Na igreja católica, amenta é a prece por um defunto ou espórtula que se dá ao padre para orar pelas almas.
Basicamente é esta a estrutura do fenômeno, entretanto, dentro de sua dinâmica podem aparecer outros detalhes e variações.

Histórico e dados bibliográficos

A tradição chegou com os colonizadores portugueses, procedendo de práticas religiosas medievais. Segundo monografia de Rossini Tavares de Lima, temos que a mais antiga referência sobre o assunto aparece na cidade de Coimbra, citada por Teófilo Braga e datada de 1515.
Em 1579, Afonso Fernandes Barbus, natural de Penafiel, costumava recomendar almas.
"...de ilustre prosápia e ferreiro por ofício e que foi o autor de se recomendarem as almas à noite com a campainha; ação piedosa, que em algumas partes se usa dando umas tantas badaladas no sino" (Viterbo)

Assim no século XVII, Francisco Manoel de Melo, na peça "Fidalgo Aprendiz", confirma a existência do fato:
"Voz: Lembrai-vos das almas que estão no fogo..."
Margot e Jorge Dias em "A encomenda das almas" (Imprensa Portuguesa: Porto, 1953) pelos estudos efetuados, concluem que há probabilidade de que a origem do costume esteja em um cargo público existente na Espanha até o século XVIII e que em Santiago de Compostela recebia o nome de nulidor ou coquin. O citado personagem saia ao cair da noite a encomendar as almas, fazendo soar uma campainha e pedindo Pai Nosso e Ave Maria pelos que padeciam no purgatório e lembrando também aos cidadãos que tivessem cuidado com incêndios.
Esta prática teria passado para pessoas do povo e no processo acrescida de outros elementos tradicionais, formulada e reformuladas em sua própria dinâmica até os nossos dias. Os autores esclarecem que, pelo menos em nível de bibliografia, o costume desapareceu da Espanha e da Europa. Permaneceu apenas em Portugal, foi abandonado pela Igreja, mas ficou a gosto do povo, estendendo-se desde o Minho e Trás-os-Montes ao Algarve.
Podemos encontrar também outras referências no Dicionário de Folclore de Luís da Câmara Cascudo.

Portugal. Anterior à pesquisa de Margot e Jorge Dias há a obra de Jaime Lopes Dias, onde o autor informa o costume de encomendar almas nas localidades de Beira Baixa, no Vale do Lobo e Idanha a Nova.
São mulheres que sobem aos campanários das igrejas ou lugares altos, onde rezam e cantam, nas noites da quaresma. Diz o autor ser uma tradição bastante espalhada por todo o país e que não há na Espanha ou outro local da Europa. Menciona-o nas ilhas adjacentes a Portugal e no Brasil, anotando que há na Iugoslávia a lamentação dos mortos, porém são cantos e lamentações para uma alma em particular, não tendo parâmetros com o objeto estudado.
"Eu vos peço irmãos meus
filhos de São José
rezemos um Pai Nosso
as almas que estão de pé"

"Eu vos peço irmãos meus
aqui neste auditório rezemos um Pai Nosso
pelas almas do purgatório"

Anotamos aqui duas estrofes do canto recolhido pelo autor, para compará-los com os dados que se seguem.
Em 1945, Luís Chaves em seu livro "Folclore religioso", fala sobre amentar as almas, culto aos mortos feito junto aos cruzeiros. Grupos de homens e mulheres seguem a noite pelas ruas do povoado, parando nas encruzilhadas, orando e cantando tristemente pelos que faleceram. São estas algumas das estrofes recolhidas na oportunidade:
"Eu vos peço irmãos meus
aqui neste auditório
rezemos um Pai Nosso
p‘elas almas do purgatório

Acordai, ó irmãos meus
desse sono em que estais
rezemos um Pai Nosso
p‘elas almas de nossos pais."

Há, portanto, semelhança entre as estrofes do canto recolhido por Jaime Lopes Dias, no que concerne aos apelos que se fazem em nome das almas e o pedido para que seja rezado o Pai Nosso.
Como referência bibliográfica em Portugal, temos ainda a pesquisa de Augusto César Pires de Lima e Alexandre Lima Carneiro, encontradas na Separata Douro Litoral III-.IV da Quarta Série: Porto, 1951.

Brasil: Saint‘Hilaire quando de sua viagem ao Brasil, passando pela Província de Minas Gerais, assistiu e menciona o fato de ouvir passar pelas ruas procissões a que chamavam de "procissões das almas". Estando na Vila do Príncipe, durante a quaresma, três vezes por semana eram feitas as citadas devocões com o objetivo de salvar do purgatório as almas necessitadas:
"São ordinariamente precedidas por uma matraca, nenhum sacerdote as acompanha e são unicamente constituídas pelos habitantes do lugar possuidores de voz agradável. Vi procissões tais como acabamos de descrever também em Itabira."
Uma das mais antigas descricões a respeito do assunto é relatada por Mello Morais filho, apresentando inclusive elementos bem diferenciados.
Aparecem em suas descricões penitentes vestindo saias, coroados de espinhos, com as costas nuas e que junto aos oratórios e cruzes paravam para orar e açoitavam-se sem piedade. O cortejo era acompanhado por instrumentos musicais, principalmente violoncelo e rabecas, além de matraca e campainha.
Constituía grave pecado abrir portas ou janelas, além do que, tinham muito medo, pois quem espiasse veria as almas acompanhando o cortejo, que findava sempre aos primeiros cantos do galo.
Pereira da Costa, outro autor do início do século, relata a recomenda em sua obra "Folclore Pernambucano".
Alceu Maynard na década de 50 realizou pesquisas em Tatuí (SP), no bairro dos Miranda. É também sua a pesquisa feita em Redenção da Serra.
Reportando-nos à monografia já citada de Rossini Tavares de Lima, este com um grupo de pesquisadores, recolheram dados em diversos locais do Estado de São Paulo e Minas Gerais: Pirangí, Itaberá, Rio Branco, Lima, Novo Horizonte, São Manoel, São Joaquim da Barra, Vargem Grande do Sul, Laranjal, Franca, Pereiras, Santa Rosa do Viterbo e Ponte Nova.
As características comuns entre estas manifestações dessas cidades são:
Época: quaresma.
Dias: quartas e sextas-feiras de preferência
Horas: após as 21 ou 22 horas
Instrumentos: matraca ou berra-boi ou só matraca
Local: encruzilhadas, cruzeiros, capelas, portas das casas
Vestimenta: comum e envoltos em lençóis (exceto na fazenda Caetetuba, em São Manoel, onde os recomendadores colocam-se sob uma espécie de pálio, feito com um lençol estendido sobre quatro varas).
Número de paradas: de três a nove (sempre número ímpar)
Regras: caminhar lento, em silêncio e jamais olhar para trás, cumprir a obrigação por sete anos consecutivos.
Data de 1947 a monografia de José Nascimento de Almeida Prado, onde ele aborda também a devocão realizada na quaresma, muito semelhante à de Santana do Jacaré, no sentido de rezarem o Pai Nosso, a Ave Maria, usarem apenas a matraca e cantarem para São Miguel. Costumam também oferecer café aos participantes, com a diferença de não vestirem a mortalha.
Em 1966 Kilza Setti pesquisa a recomenda nos Municípios de Lindóia e Socorro (SP, trabalho publicado na Revista Brasileira de Folclore, onde se observa a letra do tema principal, quase o mesmo de Santa do Jacaré.
Elias Xidieh através do Instituo de Estudos Brasileiros (USP) publicou em 1972 pesquisa feita na região de Jardinópolis até Tabapuã (SP). A recomenda aparece com o nome de "devoção das almas" e "canto das almas penadas".

(...)

 

Alguns textos dos anais do Congresso foram publicados em:/Einige Texte der Annalen des Kongresses wurden veröffentlicht in:
Musik, Projekte und Perspektiven. A.A. Bispo u. H. Hülskath (Hgg.).
In: Anais de Ciência Musical - Akademie Brasil-Europa für Kultur- und Wissenschaftswissenschaft. Köln: I.S.M.P.S. e.V., 2003.
(376 páginas/Seiten, só em alemão/nur auf deutsch)
ISBN 3-934520-03-0

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