Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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No. 84 (2003: 4)


 

    Entidades promotoras
    Akademie Brasil-Europa
    I.S.M.P.S. e.V./I.B.E.M.: Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes/Instituto Brasileiro de Estudos Musicológicos
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    Institut für hymnologische und musikethnologische Studien e.V. (Maria Laach)

    Direção geral
    Dr. Antonio A. Bispo
    Direção Forum RS
    Dra. Helena de Souza Nunes, Rodrigo Schramm

© Foto: H. Hülskath, 2002
Archiv A.B.E.-I.S.M.P.S.

 

SÃO GONÇALO DO AMARANTE: UM SANTO DE CAUSAS SOCIAIS. ROGAI POR NÓS!

Walter Cassalho

 

Os devotos bateram o pé/Com respeito e devoção/E todos com muito respeito/Que é pra promessa ficar aceito/Que é a nossa obrigação/ Com respeito e grande fé/Os devotos bateram o pé/E também bateram as mão.

Brasil, novo século, novo milênio, infelizmente com diferenças sociais gritantes, crianças pelas ruas, nos faróis, na exploração dos canaviais, das olarias e outras atividades. Crianças e mulheres perdidas, sem empregos, sem estudos, exploradas no turismo sexual de um Brasil jovem, grande e imaturo, fascinado pela cultura consumista, perdendo a cada dia sua identidade.

Mulheres da vida, das esquinas, das boates, dos sites, porém, sempre exploradas, quer sejam nos puteiros, quer sejam na rede mundial da Internet.

Quem são por elas? Na luz do dia, lhe dão as costas, pela noite ... quem sabe? Religiões as excomungam, expulsam-nas, fecham as portas! Quem são por elas? Não haverá ninguém, nenhum Deus, nenhum santo a proteger estas tais?

Agora vejo violeiros, boêmios da noite, das farras, das andanças, outrora senhores das noticias, cantadas em verso e prosa, porém sempre mal vistos, sempre atropelados, sempre em más companhias. Violeiros sempre galanteadores, de dedos firmes na viola e de rabo de olhos nas mulheres da roda. Almas perdidas!! Quem são por eles? Quem se preocupará com a alma destes tais notívagos?

Mas lá no céu, a promessa se cumpre, procurai e achareis, batei a porta e ela se abrirá. Acredite ou não, estes tais, moços e moças, perdidos ou não, tem seu santo protetor! Que por eles roga, defende e alumia a alma. Sim senhor! Tem um santo para esses tais. Um santo violeiro, que foi para céu, junto de Deus, com sua viola, subiu aos céus de capa, de chapéu, de botas e com a violinha na mão.

É São Gonçalo, São Gonçalo do Amarante, lá do reino de Portugal e de lá subiu aos céus e dos céus veio ao Brasil, ouvir a viola desta gente morena, gente cabocla, pecadora também, mas religioso e zeloso da devoção de seu santo. Do santo violeiro, casamenteiro das velhas. Que faz milagre e não pede dízimo e nem dinheiro, em troca pede um bom toque de viola acompanhado de palmas e sapateado.

Ë deste homem, santo, violeiro e padre que vamos falar hoje.

* * *

Eu vou beijar meu São Gonçalo/E venha todos de uma vez/ E os devotos ele ensinava/ É desse jeito que ele fez/ Ele promete o solidéu/ E todos nós queremos o céu/ É Deus que sabe, eu não sei.

O trecho acima é um dos vários versos dedicados a reza de São Gonçalo, santo português, considerado o padroeiro dos violeiros. Tema de diversos estudos folclóricos, históricos e antropológicos, a Dança de São Gonçalo é um dos pilares da nossa cultura caipira.

Sabe-se que a dança era praticada na Bahia desde o século XVII, sendo proibida em 1728, o que não impediu que se espalhasse por todo o Brasil e sendo praticada até hoje com grande devoção principalmente no interior paulista. Em Piracaia e Joanópolis, pequenas cidades do Vale do Paraíba, do Estado de São Paulo ela acontece desde o inicio do século XIX pelos primórdios da fundação da pequena Vila de Santo Antonio da Cachoeira (hoje Piracaia).

Segundo Pedro Calmon num sermão de Padre Antonio Vieira em 1690 é citada a dança de São Gonçalo na Bahia e depois relatada em 1717 pelo francês Barbinnais: "Imenso poviléu amontoara-se no adro da Igreja do patrono das solteironas a dançar, ao som de guitarras e vivas a São Gonçalo. Apenas apareceu o vice-rei carregaram-no e o levaram para dentro da igreja, obrigando-o a dançar e pular. Também os franceses tiveram que se associar ao bate-pé‰. Dá para imaginar o espanto deste francês ao defrontar-se com a exuberância e riqueza que os brasileiros deram aos ritos religiosos, herança dos exageros portugueses, aliados ao exotismo indígena e ao feiticismo do povo africano.

Câmara Cascudo em seu Dicionário de Folclore Brasileiro, cita algumas curiosidades, como no vice-reinado de Vasco Fernandes César de Meneses, também na Bahia, que "estando governando a cidade da Bahia, por vez umas festas, que se costumavam fazer pelas ruas públicas em dia de São Gonçalo, de homens brancos, mulheres, meninos e negros com violas, pandeiros e adufes, com vivas e revivas São Gonçalo, trazendo o santo pelos ares, que mais pareciam abusos e superstições que louvores ao santo, as mandou proibir por um bando, ao som de caixas militares, com graves penas contra aqueles que se achassem em semelhantes festas tão desordenadas‰.

Como estávamos no Brasil, obviamente que a lei não funcionou e o culto a este santo persistiu e se espalhou de norte a sul, talvez levada por violeiros que viajavam por todo o sertão, ou por devotos que migraram e levaram o culto a todas as pessoas.

Mas que fascínio trazia este santo que fez com que o povo o defendesse e venerasse mesmo sobre régias proibições? Antigamente o povo realizava seu culto e dança dentro das igrejas e depois foram expulsos com suas violas e cantos, mas o caipira, não enfiou a viola no saco, muito pelo contrário, seguiu o passo de seu protetor, o qual quando expulso até com cães de uma vila portuguesa foi buscar refugio em outros cantos e encontrou um novo povo para ouvir suas pregações. O caipira vincou o chapéu e cheio de esperanças buscou novas moradas, ou seja, tirou São Gonçalo da igreja e o hospedou em sua própria casa. O santo, como todo bom violeiro, sem destino certo, saía de casa em casa e em cada uma que chegava realizava-se uma festa, com viola, palmeado, sapateado e muita oração.

O fascínio a São Gonçalo talvez esteja no fato dele ser um santo próximo aos pobres mortais, ou seja, gostava de viola, de canto e dança, não exigindo etiquetas e mesuras do latim católico. São Gonçalo falava e refletia a voz e os costumes do povo, adaptava-se perfeitamente ao festeiro povo brasileiro.

* * *

São Gonçalo do Amarante/ Que Veio de Portugal/ Ajudai nós a vencer/ Esta batalha real. /São Gonçalo do Amarante/ Protetor dos violeiros/ Eu peço que fique cumpre/A promessa do festeiro!

Ora, mas quem foi São Gonçalo?

Conta a história que ele nasceu em Tagilde (Portugal), sendo de família importante resolveu estudar teologia. Ordenou-se sacerdote e assumiu a paróquia de São Paio de Riba de Vizola.

Como bom jovem português, aprendeu o instrumento digno de sua classe social, a guitarra e por ela se apaixonou. Na sua vida sacerdotal era um grande devoto da Paixão de Cristo e resolveu fazer uma peregrinação as cidades santas, confiando sua paróquia ao próprio sobrinho.

Sua peregrinação durou quatorze anos de jejuns, orações, viagens e estudos pelas cidades santas. Quando voltou descobriu que seu avarento sobrinho corrompera sua paróquia e São Gonçalo foi expulsou de suas próprias terras. Resignado desta condição entrou para Ordem Dominicana e viveu por muitos anos em Guimarães, mudando-se mais tarde definitivamente para Amarante.

Foi neste local que as obras de São Gonçalo começaram a ganhar força, primeiramente se preocupou com as cheias do rio Tâmega que a cada inverno punha em risco aqueles que necessitavam atravessar suas revoltas águas. Esmolando aqui e ali, tocando sua viola de casa em casa levantou fundos suficientes para construir uma ponte e segundo a lenda sua viola e voz atraia os peixes para serem pescados e alimentarem os pedreiros. Numa outra lenda, conseguiu mover uma pedra que prejudicava a construção, a qual em vão vários homens tentaram sem sucesso remove-la. Mas não só pela ponte que São Gonçalo ficaria famoso. Muito antes de carismáticos e Padres Marcelos, São Gonçalo inovou suas pregações atraindo inúmeras pessoas para ouvir sua música, cujas letras falavam de Deus e de um caminho para o céu.

E assim foi tomando fama e convertendo pessoas, nos seus bailes apareciam muitas órfãs e viúvas as quais o santo sempre arrumava um bom casamento, amparando estas pobres mulheres não só no campo material, mas também no espiritual através da benção do casamento sacramental.

Não obstante isso, existiam as mulheres de má vida, prostitutas as quais foram atraídas por sua música. Segundo consta, ele arrecadava dinheiro com seus bailes, dançava com as mesmas a noite inteira e estas no outro dia, exaustas não pecavam, com sua música se convertiam e com seu dinheiro deixavam de se prostituir e por vezes acabavam até mesmo se casando e recuperando sua vida e salvando sua alma.

São Gonçalo talvez seja um dos únicos santos a se compadecer ao invés de condenar estas mulheres. Ele não atirou nenhuma pedra, não as condenou, mas sim, percebeu que a causa da sua má conduta não era o diabo, nem a volúpia sexual, mas sim a questão social, a fome, o desamparo, a miséria, a ignorância, a falta de alicerce religioso e principalmente a falta de solidariedade. Ele atacou o mal social em sua raiz, não deu as costas, não fechou a porta de sua igreja e nem as colocou para fora.

Para evitar a tentação e não cair no pecado e ainda oferecer seu martírio a Deus pelas almas destas mulheres, ele enchia suas botas com pequenas pedras do riacho, chamadas em Portugal de pregos e com elas batia os pés e se auto-flagelava nos bailes sem que ninguém soubesse.

E foi assim que ele converteu as mulheres de má vida, casou as solteironas, encaminhou as viúvas, converteu os infiéis, alimentou os famintos. Morreu em 10 de janeiro de 1259, foi sepultado em Amarante e sua viola sumiu, para todos os fiéis, ele a levou para céu e de lá toca suas músicas e alegra a morada divina. Após sua morte muitos milagres lhe foram atribuídos, houve confirmação popular de seu culto, sendo beatificado em 1551 pelo papa Julio III e canonizado em 1561 pelo Papa Pio IV.

Seu túmulo em Portugal na Capela Dominicana de Amarante até hoje é muito visitado e as mulheres costumam beijar as mãos e a face da imagem do referido santo que sela sua sepultura, bem como esfregam a barriga no mesmo, para adquirir fertilidade. Outras puxam o cordão das vestes de sua imagem do altar, pedindo um bom casamento e suas danças em Portugal dado a ser considerado o casamenteiro, principalmente daquelas que passaram dos trinta anos, é conhecida como Dança das Regateiras. Além disso é considerado o patrono dos ossos. Suas festas ocorrem em 10 de janeiro e no inicio de junho, com grandes desfiles, missas, procissões com sua imagem vestida de padre e desprovido da viola.

Dentro do catolicismo popular é comum o sincretismo de costumes pagãos e cristãos. Em Portugal, dado as questões de fertilidade, alguns cultos fálicos da antiguidade incorporaram-se ao culto do santo, sendo que em junho, durante suas festividades são confeccionados um tipo de biscoito açucarado (massa doce) ou pães, ambos em forma de falos os quais são vendidos na porta das igrejas e após bentos são devorados pelas mulheres que buscam fertilidade ou bons partos.

No Brasil, as festividades de São Gonçalo estão em sua maioria ligadas a cura e a bons negócios. As pessoas que fazem o pedido ao santo geralmente pedem a cura de uma enfermidade, em especial se esta for ligada as pernas ou pés ou senão quando os negócios não estão indo bem, se realiza uma dança pedindo sucesso ao mesmo. O rito fálico perdeu conotação no Brasil, talvez pela infinidade de fórmulas, ritos, feitiços e outros santos que cuidam das questões sexuais e da fertilidade dos brasileiros, no entanto, em todas as festas se servem pães aos fiéis, um resquício dos pães fálicos portugueses.

Em muitos lugares do Brasil, ele mantém o dom de ser o casamenteiro, na região sudeste, Santo Antonio passou a ser o casamenteiro das novas e São Gonçalo o casamenteiro das velhas, haja visto que um dos versos a ele cantado diz o seguinte: São Gonçalo do Amarante, casamenteiro das velhas, porque não casais as moças, que mal voz fizeram elas? Não existe também nenhum dia específico para realizar sua festa, geralmente os promesseiros escolhem um sábado ou domingo e a realizam.

De acordo com a região do Brasil em que ela se manifesta, sofre algumas transformações e influência musical de cada grupo. Em certas regiões de Minas Gerais, Goiás e Bahia a dança é realizada com arcos floridos e bem enfeitados numa belíssima coreografia, no Ceará a dança é muito alegre e rápida, com saias rodadas e roupas coloridas, em Pedrinhas no Estado de Pernambuco São Gonçalo aparece com um pandeiro nas mãos e sem a viola, em Sergipe a dança é efetuada por homens com a presença de uma única mulher, chamada de mariposa a qual segura o santo.

Na região do sul de Minas, São Paulo, Vale do Paraíba, não existem roupas especiais, a dança é feita em duas filas e os violeiros tocam forte e cantam chorosos no final dos versos, batem pés e mãos como se fosse um catira. Não existe nos municípios estudados (Joanópolis e Piracaia) uma capela a São Gonçalo, a explicação está em que o santo é violeiro e violeiro não tem morada; sempre está na casa de alguém, por isso vemos sua imagem em muitas igrejas, mas nenhuma igreja na região, dedicada exclusivamente a ele. Fazer uma igreja a São Gonçalo e deixa-lo lá, entristeceria o santo, segundo o relato de um dos fiéis, pois o certo é ele sair e visitar outras capelas, levando música e alegria.

Há alguns anos, a dança era mais festiva, acontecia geralmente na noite de sábado ou véspera de dias santos. Dias antes, preparava-se o altar com enfeites, flores, arcos, rendas, papéis, etc. Colocavam o santo em um balaio e saiam pelas casas pedindo prendas para a festa. No dia anterior os promesseiros matavam um garrote ou adquiriam carnes para o famoso e saboroso afogado, que nada mais era do que um cozido de carnes com muito caldo, engrossado no prato com farinha de milho e coberto com arroz.

Ao inicio da noite preparavam o altar e pequenas procissões traziam andores rústicos, porém bem enfeitados com a imagem de São Benedito, Nossa Senhora Aparecida e São Gonçalo. A chegada em primeiro lugar e a presença de São Benedito garantia uma noite sem chuvas e de bom tempo. Colocadas as imagens no altar, rezava-se o terço e diversas ladainhas eram cantadas junto com as chamadas "Incelências‰ e por vezes até em latim caboclo, em seguida iniciavam o ritual composto por seis voltas, com a duração média de 40 a 50 minutos cada uma e intervalos que variavam de 15 a 20 minutos, sendo que na terceira volta servia-se a comida e depois voltavam para a dança, em cada intervalo era ainda servido muito café, pães e bolos. A tradição diz que tomar café em festa de São Gonçalo traz sorte. A última volta, acontecia no raiar do dia e recebe até hoje o nome de canjuru, ocasião em os fiéis dançam e cantam em circulo.

Como foi dito, a São Gonçalo se pede muita coisa e ao ser atendido deve-se providenciar sua festa, correndo o risco de ser impedido de entrar no céu e ficar perambulando pelo mundo se estiver em débito com o mesmo, neste ponto São Gonçalo é irredutível. Por isso é freqüente assistirmos festas em função de algum falecido, que geralmente aparece em sonho pedindo para algum membro da família pagar sua promessa ao santo, para que possa descansar em paz.

A dança é realizada com muito respeito, na presença do folgazão, capelão, rezadores e dançadores, seu cunho é estritamente religioso, por isso nas festas não se servem bebidas alcoólicas. Os cargos da dança chegaram a ser exclusivamente masculinos, depois concedeu-se uma volta (a segunda) para as mulheres, depois permitiram que as mesmas dançassem no final da fila e ultimamente existem mulheres folgazãs e capelãs, como é o caso de Piracaia e Nazaré Paulista.

Atualmente as danças ocorrem durante o dia, são mais simplificadas, chegando mesmo em alguns casos a terem apenas quatro voltas, diminuiu e até se extinguiram algumas ladainhas e parte das rezas. Os altares continuam os mesmos e ainda é servido o café com pão.

Esta tradição é tão rica na região que em 1998, realizou-se em Joanópolis um Colóquio com questões teórico-científicas sobre a Musica e a Dança no culto de São Gonçalo do Amarante. O evento teve inicio no dia 24 de setembro na sede do Instituto Brasileiro de Estudos Musicológicos sediado no bairro dos Carvalhos daquela cidade, onde aconteceu a recepção de autoridades municipais e diversos membros de universidades e institutos da Alemanha, Portugal e Brasil. Recepcionados pelo Dr. Antonio Alexandre Bispo, o mesmo explanou sobre a importância do evento tanto para o Brasil como para a Europa, unindo através da cultura e da pesquisa todos os países envolvidos. Os pesquisadores estiveram em contato com a dança de São Gonçalo na tradição caiçara de Ubatuba e cabocla de Joanópolis, a fim de comparação entre os ritos. Em Joanópolis o mais antigo e estimado capelão e folgazão, o sr. João Egidio recebeu uma medalha de honra, vinda de Portugal da cidade Lagos (Algarves), oferecida pela Comissão Nacional dos Descobrimentos de Lagos - Centro de Estudos Gil Eanes. Outras duas medalhas foram ofertadas a Câmara Municipal de Joanópolis e ao Instituto de Estudos Musicológicos do Brasil. Talvez neste ano esteja pronto a compilação dos estudos comparativos destas tradições e deverá através dos Institutos de Musicologia de Colônia (Alemanha) e do Brasil ser divulgada nos três países envolvidos.

* * *

Bem, aqui está um pedaço da nossa cultura popular, dos costumes deste sertão caipira, moreno e caboclo e deste santo preocupado com o social. Apesar do massacre cultural, através do bombardeio diário da mídia que insiste em valorizar cultura enlatada de países estrangeiros, nesta região ainda é possível ouvir um repique de viola, o falar cantado e choroso da língua portuguesa do século XVI e conviver com a intimidade dos santos e do imaginário popular.

Formaram-se nestes contrafortes da Mantiqueira bolsões da cultura caipira, oriunda da mescla branca, negra e indígena. São focos de resistência cultural num mundo de norte-americanização (que alguns disfarçadamente chamam de globalização); são raízes profundas, fortes e duras no vendaval da cultura de massa que passa rápido e tenta arrastar para longe o antigo, o nostálgico, o mítico e o poético. Homens e mulheres simples, violeiros, cantadores, enfronhados na natureza exuberante que os cercam, ligados ao mundo mágico que os cobrem e formam não um céu de estrelas, mas um céu povoado de santos e anjos. Estes são os heróis da resistência cultural, os caipiras, descendentes dos desbravadores bandeirantes e dos arredios tapuias; gente de fibra, de costumes antigos, amantes da natureza e acima de tudo orgulhosamente brasileiros. Não se vendem ao fascínio da televisão, não trocam suas músicas e ritmos pelo apelo da música comercial, não vivem o mundo virtual da internet, mas sim o mágico e religioso de seus altares e crenças. Até quando resistirão a tudo isso? Até quando São Gonçalo conseguirá proteger seus fiéis das garras da mundialização da cultura? Será que nosso santo violeiro conseguirá converter com sua música e sua dança estes que se prostituem ante ao brilho da cultura dos países dominadores? São Gonçalo dava dinheiro para as mulheres não se prostituírem, será que não temos que seguir o exemplo, dar e valorizar a cultura brasileira para que nossas gerações não se prostituam à cultura superficial do consumismo?

Enquanto os homens se debatem nestas questões, num mundo marcado pelo individualismo, vale a pena lembrar que São Gonçalo representa a virtude da compaixão, do entendimento, do congraçamento, sempre preocupou-se não só com aqueles que viviam as margens do rio Tâmega, mas também com aqueles que viviam à margem da sociedade. Talvez o exemplo de São Gonçalo deva ser ensinado aos nossos governantes e aqueles que detém o poder econômico e político para que construam uma ponte para dar uma margem segura ao nosso povo e que resolvam os problemas sociais na sua raiz, para que não fechem as portas, não soltem os cães e não atirem pedras. A nós fiéis ele ensina que todo mundo pode dar de si, se não tiver dinheiro, nem posses, nem poder, pode dar de seu talento, de seu conhecimento, assim como ele fez um dia, não tinha nada de ouro a oferecer, por isso ofertou seu talento musical, sua música, seu canto e sua fé.

São Gonçalo do Amarante, meu bom santo violeiro, conhecedor dos problemas deste imenso Brasil - rogai por nós!

Bibliografia

Brandão, Carlos Rodrigues, (1981), Sacerdotes de Viola. Petrópolis-RJ, Vozes.

Cascudo, Luís da Câmara, (1993), Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro-RJ, Editora Itatiaia Limitada.

Pereira, Niomar de Souza, (1999), Lenda e culto na dança de São Gonçalo - Revista Folclore nº 24, Guarujá-SP, Gráfica e Editora Mundial.

Diamantino, Dêniston F., (2001) Opará Vídeos - Documentário - Belo Horizonte-MG.

Arquivos do Piracaia Jornal - semanário fundado em 31/3/1974 em circulação na comarca de Piracaia, responsável Mônica Maria Luz Frutuoso.

 

Alguns textos dos anais do Congresso foram publicados em:/Einige Texte der Annalen des Kongresses wurden veröffentlicht in:
Musik, Projekte und Perspektiven. A.A. Bispo u. H. Hülskath (Hgg.).
In: Anais de Ciência Musical - Akademie Brasil-Europa für Kultur- und Wissenschaftswissenschaft. Köln: I.S.M.P.S. e.V., 2003.
(376 páginas/Seiten, só em alemão/nur auf deutsch)
ISBN 3-934520-03-0

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