Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 55 (1994: 5)


 

Viagens, Descobrimentos e Conhecimento

Colóquio Internacional

Anthropos ludens

Questões de Conhecimento relacionadas com a

Música e dança no culto de São Gonçalo de Amarante

Joanópolis e Ubatuba

24 a 28 de setembro de 1998
dir. A. A. Bispo

Instituto Brasileiro de Estudos Musicológicos
ISMPS/Akademie Brasil-Europa
Sociedade Brasileira de Antropologia da Música
Comissão dos Descobrimentos de Lagos

sob o patrocínio da
Prefeitura e Câmara Municipal de Joanópolis
Prefeitura de Ubatuba - FUNDART

 

DOSSIER: MATERIAIS PARA O ESTUDO DO CULTO A SÃO GONÇALO DE AMARANTE EM PORTUGAL

Beatriz Basto da Silva

 

1) Pe. Frey Diogo do Rosairo OP. Flos Sanctorvm. Historia das vidas e feitos heroicos, e obras insignes dos santos. Com muitos sermões & praticas espirituaes, que servem pera muitas festas do anno. Agora nesta impressam acresentada a vida de nossa Senhora traduzida da Segunda parte do Flossanctorum de Vilhegas. Lisboa (séc.XVII)

Janeiro. S. Gonçalo de Amarante

No reino de Portugal nas partes dantre Douro & Minho, no Arcebispado de Braga, junto de hum rio chamado Visela, na parrochia de S. Salvador do lugar de Tgilde, naceo o bemaventurado sam Gonçalo, sacerdote muito insigne, da ordem dos prégadores, de parentes nobres. No qual logo sendo minino responaderam sinaes de sua futura santidade, Porque quando o bautizaram, tirandoo da fonte de bautismo, & pondolhe nome Gonçalo, como a seu pay, o entregaram á ama, pera que o acalantasse do choro: mas o santo minino esquecido do lete da ama, pos os olhos em hua imagem do Christo crucificado: de maneira que os que o viam se espantauam de tal marauilha. E nam só entam, mas todalas vezes que o leuauam a igreja, logo andaua buscando com os olhos a sua muito amada imagem de Christo; & naquella visam estendia os braços quanto podia, como que a queria abraçar: & se a ama o queria apartar daquella vista, choraua & gritaua, tendo os olhos fitos em seu Redentor. Hua vez, nam no podendo a ama apartar sem grande choro, virouse a hua imagem da virgem nossa Senhora, que estaua sobre o altar, & rougoulhe, que de tal modo ordenasse aquella obra, que nem fosse contraira à vontade de Deos, nem pola tardança do minino prouocasse a ira seu pay & maay. O minino alumiado pola graça diuina, leuantou os braços à imagem da Senhora, como que ajudaua á oraçam da ama; & despois disso inclinou a cabeça à dita imagem, como que lhe dizia que ficasse embora; & assi se recolheo aos peitos da ama. E despois deste milagre cada dia pola manhaa, antes que tomasse o peito, se o nam leuauam á igreja a ver as imagens, nam cesssaua de chorar, quasi mostrando que as desejaua de visitar em jeju(m), alumiado popla graça do Spirito Santo. Por estes finaes entenderam seu pay & may, cometerem grande peccado se o nam dedicassem ao Serviço de Deos, & ao culto ecclesiastico. Pola qual causa o leuauam à igreja consigo. E alegrauamse muito, vendo a deuaçam que mostraua aos diuinos officios. Como foi de idade pera aprender, entregarano a hum deuoto sacerdote que o ensinasse letras, & bons costumes. Estando com este sacerdote co(n)solauao nosso Senhor inteirame(n)te: & crecia em idade & sabedoria diante de Deos & dos home(n)s; & o Spirito Santo o guardaua. Despois que foi ca(n)sinado, leuou o seu pay ao Arcebispo de Braga, pera que na casa de tam santo pontifice, fosse ensinado de santos & bo(n)s costumes. E o Arcebispo o recebeo de muito boa vontade. E assi foi crecendo na virtude & idade, até que o ordenou de misia, & o confirmou na igreja de sam Payo de riba de Vizela, perto de Taagilde: conhecendo que era muito idoneo pera ter cura d'almas. Nem se esqueceo o nouo sacerdote & prelado, da obrigaçam de seu officio. E porque sabia, que nam podemos algu(m)a cousa sem ajuda de Deos, entrou nu(ma)a igreja, & pidio co(m) muitas lagrimas a nossa Senhora, prostrado diante de hu(m)a sua imagem, que lhe alcançasse entendime(nt) & discriçam pera fazer seu officio perfeitamente. Acabada a oraçam, veose à sua igreja, & mandou chamar os frequeses della, & fez lhe hum sermao no qual os amoestou, que permanecessem no amor de Deus e do proximo, pois q nestes dous preceytos se encerrua toda a ley, como o Senhor diz no Eva(n)gelho. E conhecendo que muyto mais se mouem os home(n)s por exemplo que por palauras, trabalhando por se dar por espelho de toda virtude. Contentauasse co(m) vistido pobre, & co(m) pouco comer: & poreza da alma. Pera os pobres era muyto liberal, porque lhe parecia muyto mal não lhje dar o que seu he de direyto, pois que as rendas da Igreja sao patrimonio de Iesu Christo. Resplandecia nelle hu(m)a feruentissima affeyção a payxam de nosso Saluador, & hum grande desejo de yr visitar os lugares onde o filho de Deos obrara o mysterio da redenção humana. Mas detinhao o officio pastoral, & arreceou do demonio (lobo infernal) destruyr a manada de suas ouelhas despois de sua partida. E deteuesse por muyto tempo, até que crecendo cada vez os desejos, não nos pode mais perlongar. Tinha o Santo nesse tempo hu(m) sobrinho sacerdote, que criara de minino, & instruyra em bo(n)s costumes. Ao qual determinou de deyxar encomendada a sua Igreja. E pera que milhor o comprisse, o mandou chamar, & lhe disse: Filho muito amado, q eu einsiney e procurey sempre de guiar polo caminho da virtude: hum segredo vos quero descubrir, se me prometerdes de por em execuçam tudo o que vos ma(n)dar. Logo o sobrinho lhe tomou a mão direita, & prometou (cõ juramento) de comprir sua vontade inteyramente. Disselhe então o tio. Dias ha que desejo muyto visitar os lugares da payxão de nosso Senhor & Saluador Iesu Christo, & da sua sepultura, & Asse(n)são: & os sepulchros dos Sanctos Apostolos sam Pedro & sam Paulo, que estam em Roma. Porem a compayxam que tenho de minhas ouelhas, foy causa de o nam comprir. E por que confio que o fareys como espero, vos faço meu vigayro, co(m) authoridade que para isso tenho. E rogou os muyto que nesta parte me imiteis, & façaes como me vistes fazer. Principalmente vos encomendo que não tomeys mais do necessario pera vossa sustentaçã, & tudo o mais gasteys em esmolas. Acabada a pratica, tomou o habito de peregrino, & pariose, rogando a Deos que lhe desse prospero caminho. E o Senhor o guardou sempre em todos os perigos que nos taes caminhos acontecem. Depois de sua partida, acendeo o demonio o coração do sobrinho, & entregousse a vaydade do mundo, & á sensualidade & lançaua de si os pobres & desco(n)solados. Tinha grande conta com criar caes de caça pera sua recreaçam.

Chegando sam Gonçalo a Roma, visitou os sepulchros dos Apostolos sam Pedro & sam Paulo: & partiose pera Jerusalem, & chegando la, visitaua os lugares santos com muyto grande deuaçam. Nam se fartaua de os visitar, derrama(n)do muytas lagrimas, & beijando os muytas vezes, com tanta reuerencia, como que vira ali a Iesu Christo presente em carne. Passados catorze anos de sua peregrinaçã, tornou se para sua Igreja, cõ grande arreceo se faria o sobrinho q deuia. E assi como elle era regido polo Spirito Santo, assi possuia a alma do sobrinho o spirito diabolico. E pera que lhe ficasse a Abbadia, pera poder gozar do mu(n), pedio ao Arcebispo que lha co(n)firmasse, prouando (por cartas fingidas & falsas testemunhas) ter morto seu tio. Vencido por estas falsas rezões o Arcebispo, aceytou a sua petição & confirmouo na Igreja, parecendolhe que o Abbade era morte. Passado muyto tempo, veo sam Gonçalo àquella terra muito mal vistido & maltratado do grãde trabalho do caminho, principalmente por que era ja velho. E com grande fome & sede, se pós á porta da Igreja, arrimado no seu bordam: & chegada a hora de jantar, pedio esmola á sua porta. Ouuindo os caeens a voz do pobre começaraõ de ladrar, & vieraõ cõ grande furia á porta pera o morder: mas naõ desistio saõ Gonçalo de sua petiçaõ pera prouar a misericordia do sobrinho: & tres vezes tornou a pedir, inda q muyto espantado de ver ladrar os caes cada vez mais. E o mao e falso prelado lhe ma(n)dou dizer, que fosse pedir esmola a outra parte, porque naõ costumaua socorrer a semelhantes pobres. Ouuindo isto o santo desco(n)solouse muyto, & começou de se queycar, q naõ deyxara tal modo de reger, & bradaua dize(n)do, que elle era o verdadeyro Abbade. A estas palabras codio o sobrinho muyto irado, & cõ grande yra lhe deu cõ hum cajado que tinha na maõ. O Sancto (como humilde) sofreo tudo com paciencia, & disselhe. Como, naõ vos criei de minino, & vos ensiney santa doutrina? Nao me prometestes, que farieys das rendas desta Igreja como eu fazia? Nem se amansou com estas palabras o perdido sacerdote, mas antes lhe daua com mayor yra, & lançaua-lhe os caes que o mordessem: & cõ grandes vozes lhe prometeo de o matar com pancadas, se mais falaua taes palauras. Deu saõ Gonçalo muytas graças a Deos & andaua pregando por toda aquella comarca, trabalhando de tirar os homens de seus peccados com seus exemplos & amoestaçoens. E edificou para si hum oratorio da gloriosa Virgem Maria, de quem era muyto deuoto, junto de hum lugar chamado Amarante, pegado com o rio Tamaga. Nesta capella fez vida heremitica, & quanto podia socorria ás necessidades dos proximos, & viueo assi por algum tempo em grande pobreza. Desejaua muyto de saber (neste comenos) se era aquelle modo de viuver mais acceyto ao Senhor & a sacritissima Virgem nossa Senhora. E jujuou hu(ma)a coresma a paõ & agoa, pedindo com muyta instancia a nossos Senhor, que nesta parte comprisse seu desejo. Ouuio o misericordioso Deos sua oraçaõ, & satisfez a seu desejo. Porque dormindo a noyte despois de Pascoa, diante do altar de nossa Senhora, rompendo a alua, lhe apareceo hu(ma) grande luz & claridade que alumiaua toda a cella: & a Virgem gloriosa lhe falou da parte direita do altar; & disse Leuantayuos & buscay entre os criados dos religiosos, a ordem onde meu officio se começa e acabam com Aue Maria, & entray nella: por q eu a exalcey com habito que trouxe do ceo, & nella acabareys vossa vida, & vireys para a gloria. Acabando a Raynha de misericorida estas palauras desapareceo. Notem este passo os frades pregadores, & nam passem por aqui sem grande consideraçam, pois ouuem dizer á Virgem nossa Senhora, que he padroeyra desta ordem: o qual tanto creeram mais firmemente os incredulos, pois que o achamos escrito de quem naõ era religioso della: dado caso que se o fora, era mais digno de fee aos bem inclinados. Vejam os religiosos, que a purissima Virgem procura polla conseruaçam desta ordem: & auiao(n)se de esmerar em ser muyto seus deuotos, & em a conhecer por mãy & senhora: & especialmente, porque nam fossem ingratos a tamanho beneficio.

Despois que a sacratissima Virgem desapareceo, leuantouse saõ Gonçalo, & foy buscar com diligencia o estado que lhe mandaraõ. E corre(n)do diuersas Igrejas & mosteyros, via q as horas de nossa Senhora se acabauaõ por Benedicamus Domino: & espãtauasse de nã achar o que buscaua, mas ne(m) por isso deyxaua de o inquirir. Andando neste trabalho, chegou ao mosteyro de saõ Domingos de Guimarays, & pidio que o agasalhassem a hi aquella noyte. E chegãdo o tempo da vespora, foise ao coro, & vio começar o officio de nossa Senhora em Aue Maria, & acabar em Aue Maria, & o mesmo vio nas outras sete horas canonicas do dia. Mas querendo ser mais certificado, na seguinte noute esteue em oração diante do altar de nossa Senhora, rogandolhe que lhe reuelasse o que desejaua saber. E logo lhe apareceo hum Anjo, que lhe disse que aquella era a ordem q a Virge(m) sagrada lhe dissera, do que sam Gonçalo ficou muyto côtente. E amanhecendo pidio o habito ao Prior, sem lhe descobrir cousa algu(m)a, & deulho com grande alegria. E acabado o Anno de nouiço, & feyta profiçaõ, foy ordenado pregador, & sendo ma(n)dado do Prior com copanheyro assinado tornousse ao oratorio que fizera.

Tornado o bemauenturado sam Gonçalo pera o oratorio que fizera junto de Amarante (...). Passado alg(m) te(m)po, vio por experiencia q muytos passajeyros morrião & se punhã a perigo na passaje(m) do rio Tamaga. E movido de charidade & copaycaõ das necessidades dos proximos, determinou de fazer hu(m)a ponte. E querendo a começar de edificar apareceolhe hu(m) Anjo que lhe disse, que se queria edificar po(n)te que fosse entre dous montes. Foudoua então junto do oratorio, tendo co(n)fiança em o Senhor q dos moradores da terra & caminhantes receberia ajuda pera fazer ta(m) grande obra & porque auia mister muyto dinheiro.(...)

Depois q o glorioso santo acabou tam insigne obra, deu muitos louuores a Deus por tamanha merce. E andaudo pregãdo por aquella terra ouuio dizer que al~uas pessoas não tinham a diuida reuerencia às escomunh~ões, mas que as desprezauam dize(n)do que nam quebrauam o osso. Desco(n)solouse muyto o varam de Deos vendo tam grande erro: & trabalhaua de persuadir o contryro nos seus sermoe(n)s. Mas tendo experiencia que nada aproueytaua, espantou os com o seguinte milagre.

Estando junto de Amarante pregando, a so passou hu(m)a molher com hum cesto de pão duro, como o vio o Sancto rogoulhe que pusesse o pão diante delle, & dirigindo a pratica a todo o pouo disse. Vedes todos quão aluo he esse pam (...)

Os milagres que este glorioso santo fez depois de sua morte, sam tantos que se nam podem escreuer. Mas dos que se escreueram & sam autenticos, he rezam que digamos alguns pera gloria de Deos e do seu santo. (...)

Hu(m)a senhora muito nobre per nome dona Isabel de Soua molher de Diogo Lopez (...) E o minino q ella dona Isabel pario naceo cõ duas quebra duras dambalas vrilhas; & ella o leuou em romaria a sam Gonçalo, & de la veo sam, & assi esta agora. Esse he o primeiro milagre que o Reuerendissimo Senhor Bispo do Porto dom Rodrigo Pinheiro por si mesmo inquirio de que fez hum summario.

Na era do Senhor de mil & quinh~etos & quareta & seis, veo hu(m)a dona viuua chamada Micia Pirez de Vila cham em romaria ao santo, a qual auia quatro meses q era enferma & aleijada, de modo q nem pe ne(m) perna mandaua, a qual trouxeram seus filhos nu(m)as andilhas, com homens pegados nella. E á porta da igreja do dito santo a deceram & leuaram nos braços té o moimento de sam Gonçalo (por se ella nam pode ter). Onde dormio a noite seguinte, & na madrugada se leuantou em pè, & começou a andar pola igreja, & recebeo perfeita saude. E deste milagre ouue muitas testimunhas que o viram. (...)

E tendo ella mesma Isabel Gonçalvez hum filho de sete ou oito meses por nome Balthasar no collo, o dito minino tomou hum ceitil da mesa & o meteo na boca, & lhe correo polo gargãta abaixo, & se lhe atrauessou nella, & debruçãdose o minino como que se afogaua, lhe começou a correr muito sangue pola boca. E estãdo assi quasi pera morrer, ella cõ grãde deuaçaõ chamou por sam Gonçalo, & o dito minino lançou cõ hu(m) vomito o dito ceitil fora da boca & ficou sam. (...)

Pera que me detenho em contar milagres deste bemauenturado santo, que serà nunca acabar? E assi he tanta a deuaçam do pouo a este santo, que segundo se affirma, só no dia de sua festa, que he a dez de Ianeiro, se acham presentes que vem em romaria a sua casa mais de trinta mil pessoas; & polo Spirito Santo se acham cincoenta mil, alem de todos os dias do anno correrem sempre romeiros. Pola qual causa pareceo bem ao santo Padre Io quarto, a pitiçam del Rey nosso Senhor de o beatificar. E pera que seja isto notorio a todos, porei aqui a sentença difinitiua em poucas palauras, que o serenissimo Cardeal Iffante de Portugal, juntamente com o Nuncio pronunciaram, que tal he. (...)

2) O Pirolito 21, Amarante, 20 de Janeiro de 1916. Director: Alberto Lima. Editor e proprietário: José de Sousa Queiroz.

Romarias. Esteve este ano muito concorrida de forasteiros a tradicional romaria do casamenteiro das velhos "S. Gonçalo" que se venera no dia 10 de janeiro.

Este santo não era nosso patricio tendo nascido em Tagilde, suburbios de Vizela, mas como ahi as mulheres são felinas - eu que o diga - e o bom do Santo não gostasse de ouvir palavras obscenas, fungou pelos ares com a bengala, companheira inseparavel - a imitar o nosso Director, dizendo: onde cahires ahi farei o meu casebre! enganando-se totalmente e pois ela cahiu perto, nos tres concelhos.

(...)

3) Pe. Croisit, O Ano Cristão, Janeiro dia 10: S. Gonçalo de Amarante, Confessor, 1923.

"O sobrinho que deixara como seu vigário, esquecera-se da sua grave missão e tornara-se homem faustoso, dissoluto e duro de coração, dispendendo em festas e passatempos mundanos, em escandalosas folganças e opíparos banquestes, as rendas da abadia que, nas santas mãos de seu Tio, haviam sido património dos pobres. Ainda isto não era tudo; o infiel substituto fizera-se também usurpador dos direitos alheios, forjando cartas e documentos com que certificara a morte de Gonçalo, obtendo, por este meio, do Arcebispo D. Silvestre Godinho a propriedade do benefício. (...)"

4) Arlindo de Magalhães Ribeiro da Cunha, São Gonçalo de Amarante, um vulto e um culto. Gaia. Ed. Câmara Municipal de Gaia, Gaia 1997, 371 pp.Conclusões do autor (páginas 209-211):

"1. Que a hagiografia é uma ciência ou uma arte complexa. Não se limita aos escritos hagiográficos, mais ou menos panegíricos ou lendários. Tem outras manifestações - da iconografia a toda uma série de expressões, mais ou menos cultas ou populares - que, conforme a sensibilidade religiosa e espiritual de cada tempo, compõem a figura do santo em questão. Em todos os casos, é sempre necessário saber ler a sua verdade. (...)

2. A antiguidade do culto de São Gonçalo é inegável. (...)

3. A figura de São Gonçalo só começa a delinear-se a partir do texto hagiográfico de 1513, o mais antigo que conhecemos, que o diz dominicano. (...)

5. São Gonçalo do Amarante não é um convertido nem um homem de síntese. Em tempo de crise foi um homem de busca, um peregrino espiritual, no seguimento da palavra do Evangelho "Procurai e achareis" (...)

6. Pastoralmente, São Gonçalo entregou-se às tarefas urgentes do seu tempo: a pregação e os serviços da Caridade. O país estava em construção (...) Era o tempo da Reconquista (...).

7) O auge do seu culto, no séc. XVI, ficou a dever-se a uma clarividência pastoral. Até aí de dimensão apenas local, (...) os dominicanos serviram-se do seu nome e da sua inspiração para levarem a cabo uma acção de evangelização do norte de Portugal, antes e depois do Concílio de Trento (...).

8) O apagamento da sua figura ficou a dever-se à dificuldade de a Igreja portuguesa, e particularmente os dominicanos, se entenderem com a novidade dos tempos setecentistas e subsequentes. A partir daí, o seu culto, degradando-se progressivamente, entrou nos domínios da Etnografia.

9) Permaneça a esperança de que possa aparecer "o" documento que permita varrer todas as mais dúvidas que ficam em aberto (...).

10) Entre os documentos a explorar, refiro particularmente o subsolo da igreja do convento de Amarante. (...) Escavações em Amarante, precisam-se!"

5) Pe. Amaro Gonçalo, pároco de Amarante, agosto de 1997: "Uma pessoa de verdade: O autor e a figura". Resenha do livro de Arlindo de Magalhães Ribeiro da Cunha.

Outro texto: "Festas e Romaria.. ou a religião do povo à luz do dia".

"As festas de S. Gonçalo, entre nós designadas como "festas de Junho", parecem realizadores de uma boa síntese entre forma e a substancia, a religião e a fé, o religioso e o cultural, de que temos vindo a falar. Mesmo as reminiscências de um certo culto de sabor fálico são caminho aberto a um cristianismo mais integrador das fragilidades e das virtualidades do Homem real e possível que somos.

6) Citações em "Guia de Portugal: Entre Douro e Minho - I - Douro Litoral", 2a. ed., Coimbra, 1985, 578-582.

"Um majestoso arco, sobre duas altas colunas, separa o corpo da igreja da capela-mor (1586), cujo altar, sobre uma laga escadaria de acesso, se ergue entre a capela e o túmulo de S. Gonçalo, de pedra, e outra com a imagem do mesmo, os ex-votos e a larga conta dos seus milagres.
À correia que cinge o orago se agarram, esperançadas as que se cansam de ser solteiras, requerendo: Porque não casais as novas? Que mal te fizeram elas?" - e são as mesmas que, pela Primavera, contam pelo cuco os anos que viverão sózinhas: "Ó cuco da ramalheira: Quandos anos me dás de solteira?".

(...) Embora ténues, há algumas vagas tradições implícitas nesses mimos de doçaria conventual associadas porventura e remotíssimas reminiscências atávicas de culto fálico. Na festa anual do Santo Casamenteiro, ainda há poucas décadas exprimiam essas discretas tradições sob a forma de troca de prendas, entre jovens e até entre pessoas maduras e de boa condição, alusivas às virtudes propiciatórias atribuídas ao padroeiro. As raparigas e moçoilas, as velhas e as novas, da sociedade e do povo, aceitavam de homens e mancebos, com perfeita complacência, biscoitos de equívocas formas."

Pág. 578 dessa obra, por Augusto Casimiro:

"De Maio a fins de Setembro vai toda uma Primavera de romarias, Pomona e Ceres dão-se as mãos em louvor da única divindade. Ranchos, aldeias em marcha, músicas (viola, bombo, ferrinhos, harmónico), ascendem os vales. Moços e velhos dançam e cantam. Os homens de varapau, o raminho de alfádega sobre a orelha, chapéu largo trasmontano, - elas, braços ao alto, todas canto e frescura, pelas estradas fora, ao desafio com o canto dos sinos e dos açudes a caminho da ermida que está no cimo".

7) Reprodução do Compromisso da Irmandade do glorioso São Gonçalo. Igreja Maris de Nossa Snra. da Conceyção de Villa Rica, Anno de 1725, impressa em "Os Descobrimentos Portugueses", Ed. Círculo dos Leitores, 1998, pág. 365

8) Correspondência brasileira ao páraco de Amarante com solicitações de informações a respeito do culto e das expressões festivas concernentes a São Gonçalo. Particularmente carta-pedido do Sr. Gonçalves Domingos de Mendonça, de Itirapuã, São Paulo.

9) Correspondência do Consulado de Portugal em Belo Horizonte ao Presidente da Câmara Municipal de Amarante.

O Consul, João Corte-Real, comunicou ao Presidente da Câmara de Amarante, em 28 de março de 1995, que no Município de Ouro Preto, cidade patrimônio da humanidade, em Minas Gerais, existe um Distrito que inicialmente chamava-se São Gonçalo do Amarante, hoje Amarantina. A origem do nome foi em razão da presença de portugueses naquela região por volta de 1700 (ciclo do ouro), que ali difundiram a devoção a São Gonçalo, tendo para lá levado uma imagem do referido santo. A imagem esteve na capela local durante cerca de 250 anos, tendo sido roubada há algum tempo, o que causou verdadeira comoção entre os habitantes da localidade. Esse fato, relatado pelo pároco de Amarantina, levou o Consulado de Portugal a escrever à Câmara de Amarante para indagar da possibilidade de uma oferta de uma imagem de São Gonçalo à referida comunidade.

Outra prova de intercâmbio é a carta do Pe. Lúcio Alcântara de São Gonçalo do Amarante, de 21 de março de 1995 ao páraco de Amarante, em Portugal. Também ele pedia algum material informativo sobre São Gonçalo ou Amarante e sugeria o estabelecimento de um intercâmbio entre as suas paróquias.

10) Reportagem. Brasil: Missão em S. Gonçalo de Bação. Boa Nova, 21-25, Novembro de 1997.

S. Gonçalo é uma pequena paróquia rural da arquidiocese de Mariana. Esteve durante anos abandonada. Agora está donfiada aos cuidados do Pe. Carlos de Vita. Pertence ao município de Itabirito.

"Lá pelos anos de 1730 estava em plena actividade o garimpo do ouro, nas vertentes do Pico Itabirito. Um dos garimpeiros, António Alves Bação, português, cai gravemente doente, vítima de uma febre maligna que o coloca às portas da morte. Sozinho e sem recursos médicos, desanimado e sem esperança, levanta o pensamento ao alto. Recorda os milagres de São Gonçalo de Amarante. Recorre ao Santo e pede a cura e promete construir, se for atendido, uma capela em sua honra. As melhoras e a cura vieram rapidamente. Continua a garimpar o ouro e com o dinheiro vai a Portugal, compra uma imagem de São Gonçalo e regressa ao Brasil. (...) A construção da capela terminou em 1740. Em 1924 foi ampliada e elevada à categoria de igreja paroquial.

11) Carta de Adauto Felisário Munhoz da Equipe de São Domingos (Missionários Leigos Dominicanos) Ordem dos Pregadores, Cerqueira Cesar, SP ao pároco de Amarante.

No Brasil, depois de Santo Antonio de Lisboa, São Gonçalo de Amarante é o santo português mais popular, até cercado de lendas e fantasias. (...) Há uma carência enorme sobre material de São Gonçalo. Por isso pediu encarecidamente ao Pároco de Amarante para que o ajudasse no projeto, que é escrever uma biografia simples sobre São Gonçalo de Amarante. Pediria tudo que se referisse ao santo, textos, gravuras, postais e alguma biografia. No Brasil ele aparece com uma viola nas mãos; quals eria a origem disso?

12) Marcha da Escola Secundária de Amarante (Profa. Fernanda Biá, Renata Andreis, aluna)
Benvindos sejam senhores/A esta festa brilhante/Nós alunos e professores/Da Secundária d'Amarante.
Estamos aqui por gosto/P'ra cantar até cansar/Temos frescura no rosto/E pernas para bailar.
Côro: S. Gonçalo de Amarante/Destino de tantos amores/Não esqueças este instante/Dos alunos e professores/Destino de tantos amores/S. Gonçalo de Amarante (bis).
O cantar é um regalo/Hoje, neste mundo novo/Venerai o S. Gonçalo/Padroeiro deste povo.
Somos novos, gente vária/Vozes prontas a cantar/É a Escola Secundária/Vinde connosco sonhar.
Côro: Vamos na marcha dos Santos/Ao som do sino e badalo/Mas não seríamos tantos/Se não fosse o S. Gonçalo.
Não somos novos nem velhos/Somos vozes a gritar/Funcionários da escola/Connosco podem contar

13) São Gonçalo (Açores) (Maria do Geis, área Escola 95)

14) El Prodigio de Amarante S. Gonçalo. Comedia Famosa del doctor Antonio Jose da Silva.
Personas: Nuestra Señora, S. Pedro Gonçalves, D. Carlos, Roque, criado, Un fraile, Unos pobres,
Un Angel, D. Antonio, Rosaura, Monteros, Dos hombres, Música
S. Gonçalo, Guarín,m gracioso, Flora, criada, Un ciego, Dos trabajadores, Comunidad.

15) FT 15.01.98

Festejo da romaria de janeiro de 98.

A romaria do último fim-de-semana privilegiu a vertente religiosa, com especial destaque para as 14 novenas que acturam na igreja de S. Gonçalo e, algumas delas, recriaram canções que têm como tema a figura de S. Gonçalo.

16) Festa em honra de S. Gonçalo, Protrama de 16 de janeiro de 1994.

Inauguração do Museu Paroquial de Arte Sacra S. Gonçalo de Amarante. Expôem-se peças de pintura, escultura, artes decorativas e livros litúrgicos dos séculox XVI a XIX. Sõa provenientes do espólio artístico das igrejas da paróquia de S. Gonçalo.

17) António Cardoso, S. Gonçalo de Amarante: Formas e persistências do seu culto. Instituição da Ordem Terceira de S. Domingos. Separata das Actas do II Encon tro sobre História Dominicana. Santarém, 29 de setembro a 2 de outubro de 1982. Porto, 1987

"Fr. Luís de Souzsa, no séc. XVII, não deixa de referir alguns dos muitos milagres que o Santo tem feito mas interessam-nos sobretudo, "os que faz por toda a terra d'Entre Douro e Minho em matéria de mininos, e homens quebrados...logo rendem pelas virilhas" ou, então, os relacionados com as verrugas "que chegão a inhabilitar os homens para o trabalho cubrindo-lhes pés, e mãos...".

O culto de S. Gonçalo sempre teve várias formas de expressão, sendo de grande valor sociológico os clamores, constituídos por grupos de penitentes que, por vezues, de longes terras, se deslocavam (deslocam) a Amarante para cumprirem os seus votos, ritos e costumes. (...)Assim, além dos clamores quotidianos, na 1a. metade do séc. XVIII (1727) em Amarante, em todos os domingos e festas do ano havia clamores. Eram notáveis os da 1a. oitava do Espírito Santo em cujo dia se realizavam os do marquesado de Vila Real em que cada freguesia se apresentava em separado.

As procissões eram formadas na vizinha igreja da Madalena e "vem muito compostas e trasem seo castanheiro de sera com suas vellas para que o Sancto lhes livre os castinheiros da lagarta; e todos trasem vellas asezas; e toda esta sera fica para os religiosos."

De sentido diverso do dos clamores são as novenas com os amortalhados que, por vezes, as integravam (ou integram) quze não são mais do que memórias de morte ou de fuga a essa mesma morte, lembrando-nos as formas mais antigas da tumulação em que as mortalhas eram o único elemento protector dos corpos.

(...)

No entanto, hoje, à persistência ainda de alguns clamores, de novenas, de amortalhados, temos de ligar um dos aspectos mais interessantes do culto de S. Gonçalo, tal aquele que tem a ver com as tradições do fascinium romano, que na linguagem mais imediatista e fácil se pretendeu ligar às sobrevivências do culto fálico mas que, em termos das melhores raízes popuzlares, se deve ligar antes à importância da instituição casamento, embora dela possam relevar alguns aspectos da festa e, mais notadamente, a malícia dos doces fálicos sem dúvida e pour cause uma "construção" da Contra-Reforma.

 

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