Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova edição by ISMPS e.V.
Todos os direitos reservados


»»» impressum -------------- »»» índice geral -------------- »»» www.brasil-europa.eu

N° 54 (1994: 4)


 

Colóquio Internacional

Anthropos ludens

Questões teórico-científicas relacionadas com a

Música e dança no culto de São Gonçalo de Amarante

Joanópolis e Ubatuba

24 a 28 de setembro de 1997
dir. A. A. Bispo

Instituto Brasileiro de Estudos Musicológicos
Sociedade Brasileira de Antropologia da Música
Comissão dos Descobrimentos de Lagos

sob o patrocínio da
Prefeitura e Câmara Municipal de Joanópolis
Prefeitura de Ubatuba - FUNDART

 

A ÉPOCA DOS DESCOBRIMENTOS, A CULTURA E A CIÊNCIA

Ana Balmori (Comissão dos Descobrimentos de Lagos)

 

Exmas. Senhoras e Senhores,

A Comissão Municipal dos Descobrimentos de Lagos sente-se muito honrada em poder colaborar com o Instituto para os Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa, e com a sua Academia Brasil-Europa, e de participar neste Colóquio Internacional dedicado ao culto de São Gonçalo de Amarante. Também se sente muito honrada de poder estar aqui hoje no Município de Joanópolis que tão gentilmente nos recebe. Aproveito a ocasião para apresentar em nome da Câmara Municipal de Lagos os melhores cumprimentos à cidade de Joanópolis, na pessoa do seu Presidente, bem como para cumprimentar todas as entidades oficiais aqui presentes, em especial o ilustríssimo Senhor Prefeito desta cidade.

A Epopéia dos Descobrimentos marca a viragem da Idade Média para o Renascimento e está caracterizada por uma nova mentalidade aberta e universal. Representa a abertura de horizontes e de conhecimentos dentro de um espirito novo de cariz Humanista.

Cabe pois aos estudiosos e investigadores de, olhando para o passado, tentar entrar dentro do espírito das viagens quinhentistas, tão importantes para o intercâmbio de culturas entre os diversos povos. Olhando para o presente e para o futuro, aproveitar esta abertura de espírito, dentro dos ideais humanistas que orientaram este interessante fenómeno, e na nossa época continuar com o intercâmbio de culturas dentro de uma abertura de horizontes e mútuo respeito pelos valores de cada um. Este Colóquio é um exemplo do que se pode fazer para o estudo e intercâmbio de ideais, e neste caso concreto no que se refere ao culto de um Santo português, São Gonçalo de Amarante, cujo culto foi trazido até terras brasileiras pelos portugueses, e aqui introduzido, mantendo-se até hoje com grande força e devoção. Não será possível falar de São Gonçalo de Amarante sem também referir rapidamente São Gonçalo de Galiza, São Gonçalo de Lagos, e São Gonçalo Garcia.

Na Expansão Portuguesa nem tudo foi positivo. Houve também um lado negativo como tudo o que implica mudança e é feito por pessoas. Nem sempre houve o total respeito pelos povos encontrados. Assim, alguns com menos princípios abusaram de determinadas situações em seu proveito proprio. A imposição da cultura européia, muitas vezes em detrimento das próprias culturas das terras contactadas, por vezes foi violenta. No entanto, e fazendo um balanço deste período, poderemos afirmar que o lado positivo é superior ao negativo. Aliás também não podemos esquecer que nós europeus, também somos o resultado de muitas invasões de povos durante todas as épocas da História. Como tal, somos o resultado de tudo isso.

A época Quinhentista possibilitou um novo olhar do mundo em dimensão e profundidade até então nunca atingidos. A grande quantidade de informação e de conhecimentos novos, abriu caminhos de conhecimento, e alargou as mentalidades. A título de exemplo, podemos recordar que, por esta via, chegaram ao conhecimentos dos europeus, e os europeus levaram para os outros continentes, plantas e animais até então desconhecidos, novas religiões e costumes diferentes, contactados novos povos e raças, e ao mesmo tempo foi atingido um avanço extraordinário no que se refere à cartografia, astronomia e navegação.

Novas línguas foram estudadas, e o português também foi levado para todos os confins do mundo. Duarte Pacheco Pereira, autor do Esmeraldo de Situ Orbis (1505-1508) contribuiu com esta obra essencial de tratado global de marinharia de navegação astronómica no Atlântico, reproduzindo um dos primeiros regimentos portugueses do Sol e um dos mais antigos roteiros com latitudes.

Tem também grande interesse pela descrição que faz de costas e de entradas de portos.

Por seu lado, O Tratado da Esfera e os Roteiros de D. João de Castro são fundamentais para analisar problemas de astronomia, náutica e de cartografia.

Pedro Nunes, grande matemático do renascimento é outro vulto que convém mencionar, pois contribuiu para a resolução de problemas de astronomia náutica em casos como as das linhas de rumo, os métodos de representação cartográfica, o instrumento de sombra, e o nónio.

A nível de embarcações, as viagens implicaram um grande desenvolvimento tecnológico no domínio da construção de caravelas, naus e galeões.

Ao longo do século XV dominam as caravelas de dois mastros latinos com cerca de quinze metros de quilha e cinquenta a setenta toneladas. A nau da Carreira da Índia é um navio com três mastros, dois redondos e um latino, de cerca de vinte a setenta metros de quilha e com uma média de quinhentas a setecentas toneladas. De destacar Fernando Oliveira como grande teórico da construção naval dos Descobrimentos bem como uma obra essencial, escrita por Manuel Fernandes que é o Livro de Traças de Carpintaria, 1616.

Quanto ao conhecimento da Botânica e da Farmacopéia são de destacar as obras de Tomé Pires (1516) com Os Roles de Drogras da Índia, Amato Lusitano com In Dioscopiides Anazarbei de Medica Materia, Garcia de Orta, com os Colóquios e Cristóvão da Costa com o Tratado. Informações sobre mineralogia, zoologia e botânica do Brasil são-nos transmitidos fundamentalmente em duas importantes obras: o Tratado descritivo do Brasil (1587) de Gabriel Soares de Sousa, e a História dos Animais e Árvores do Maranhão de Frei Cristóvão de Lisboa (1624-1627). Na forma literária, as maiores obras relativas aos Descobrimentos são Os Lusíadas de Luís de Camões (1572), e a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto (1614). Não poderemos esquecer porém a grande figura de humanista que foi Damião de Gois.

Nos finais do séc. XIV o conhecimento que os europeus tinham do resto do mundo era bastante reduzido pois limitava-se a cerca de um quarto do planeta. Conhecimentos mais amplos encontravam-se na posse da civilização islâmica. Portugal medieval caracterizava-se por ser um lugar fundamental de encontro de culturas diferentes: Europa-África, Norte/Sul da Europa, Mediterrâneo-Atlântico, e de Cristãos, Judeus e Mouros.

Afirma-se como estado independente no século XII e em fins do XIII apresenta já as suas fronteiras, das mais antigas da Europa.

A partir dos inícios do século XIV Portugal reforça a sua condição marítima.

Em 1317 D. Dinis contrata o genovês Manuel Pessanha como almirante-mor. Em 1338, D. Afonso IV concede privilégios aos mercadores de Florença que se estabeleçam em Portugal. Por volta de 1341 os portugueses fazem uma primeira expedição às Canárias. A eleição de D. João I como rei nas Cortes de Coimbra, e a sua vitória na Batalha de Aljubarrota em 1385 reforçam a posição de Portugal frente a Castela. Porém será a conquista de Ceuta em 21 de agosto de 1415 que marcará o início da expansão portuguesa. A partir de 1419 os portugueses passam a navegar regularmente para a Madeira. Os Açores são descobertos por volta de 1427. Gil Eanes, navegador lacobrigense, dobra o Cabo Bojador em 1434 ao serviço do Infante D. Henrique. Cabo Verde é descoberto em 1456, São Tomé e Príncipe em 1471. O Cabo da Boa Esperança é dobrado por Bartolomeu Dias em 1488.

A partir da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia (1497-99) começa a ser conhecido pelos portugueses a costa oriental africana. Cerca de 1492, Pêro da Covilhã chega por terra ao reino do Preste João, na Etiópia. Goa é conquistada em 1510, Malaca em 1511, e Ormuz em 1515. Entre 1511 e 1515 são exploradas as ilhas de Java, Molucas e Timor. O primeiro português a chegar à China terá sido Jorge Álvares em 1513, sendo enviada uma primeira embaixada à China em 1517 dirigida pelo boticário Tomé Pires. Em 1557 as autoridades chinesas legalizaram a presença portuguesa em Macau, que se torna a partir de então num grande centro de comercio da seda e da porcelana com carreiras regulares para o Japão e Malaca-Goa. 1543 é a data provável da chegada dos portugueses ao Japão. Nagasaqui é desde 1571 o principal centro de comércio e de religiosidade de Portugal no Japão, com o seu porto, seminário, igrejas e oficina de impressão. João Vaz Corte Real chega à terra Nova por volta de 1472-1474, e por volta de 1500 seu filho Gaspar Corte Real atinge a Groenlândia e o Norte da América.

A 9 de março de 1500 parte de Belém uma armada de treze navios chefiada por Pedro Álvares Cabral, com destino a Calecute. A 22 de abril de 1500, a armada avista a terra de Vera Cruz, Brasil.

Durante os séculos XV e XVI os Descobrimentos surgem como um fenómeno de contactos entre povos e culturas distantes dos cinco continentes que se realiza através de grandes viagens marítimas, e por contactos económicos, militares e políticos. Portugal desempenha então um importante papel de intercomunicador entre a Europa de Quinhentos e terras de África, Ásia e América.

O grande avanço originado pelas trocas culturais e civilizaçonais foi enorme. Fruto destas trocas, e provocado por estas viagens, deram-se grandes avanços na cartografia e ciências náuticas. O intercâmbio de línguas e a elaboração de gramáticas das línguas aborígenes contribuiu para um maior desenvolvimento nesta área. A ciência da evangelização dos povos, a introdução da música e instrumentos musicais europeus nos diversos continentes, a mistura de raças entre os vários povos, levou à abertura de um mundo totalmente novo tanto para os europeus como para os povos contactados.

O nosso século, a época que estamos vivendo, caracteriza-se por uma preocupação excessivamente materialista de valores e objectivos a atingir, esqueceu em grande medida este espírito humanista. Cabe pois tentar voltar à abertura das mentalidades, e através da ideia da Cultura e do Saber procurar novamente encontrar esse espírito que pautou a grande Epopeia de Quinhentos. A investigação e o intercâmbio de conhecimentos irá certamente contribuir para uma nova era do saber de aproximação dos povos.

 

zum Index dieser Ausgabe (Nr. 54)/ao indice deste volume (n° 54)
zur Startseite / à página inicial