Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova edição by ISMPS e.V.
Todos os direitos reservados


»»» impressum -------------- »»» índice geral -------------- »»» www.brasil-europa.eu

N° 31 (1994: 5)


 

Foto A. A. Bispo. Acervo I.S.M.P.S.

1994: 100 anos de Renato Almeida

Ciclo de estudos

Música nas relações culturais euro-brasileiras

Sistematização e integração dos estudos culturais

- Amazônia e Brasil Central -

projeto do ISMPS e.V. /I.B.E.M.
com o apoio de diversos órgãos oficiais e particulares, universidades e museus
desenvolvido concomitantemente com o
projeto
As culturas musicais indígenas no Brasil
do
Institut für hymnologische und musikethnologische Studien
realizado com o apoio do
Serviço das Relações Exteriores da Alemanha
sob a direção de

A. A. Bispo

Roraima

agradecimentos

Biblioteca do Estado
Diocese de Roraima
Universidade Federal de Roraima
Instituto de Antropologia
Escola de Música
Conselho Indigenista Missionário CIMI-Norte
Associação do Índio
Comunidade Makuxi-Fazenda São Marcos

 

ETNOLOGIA DE RORAIMA

(tradução de aula)

Antonio Alexandre Bispo

(partes)

 

A pesquisa etnológica de Roraima está indissoluvelmente ligada com o nome de Theodor Koch-Grünberg. A região e seus habitantes já eram conhecidos porém há muito na Europa, sobretudo através dos trabalhos de Richard e Robert Hermann Schomburgk. Entretanto, a pesquisa da composição étnica da população indígena defronta-se com grandes dificuldadees. As informações das fontes mais antigas falam de um número muito maior de povos do que aquele dos grupos conhecidos da atualidade. O povo Paraviana, por exemplo, desapareceu no decorrer do século XIX. Esse desaparecimento de grupos não pode ser explicado apenas pelas doenças transmitidas pelos brancos ou por atos de violência. Muitas vezes houve misturas de tribos, integração na sociedade envolvente e, com isso, desaparecimento de identidades próprias.

Também no presente torna-se relevante a perda da identidade dos indígenas para questões de estatística. As avaliações da população indígena de Roraima apresentam grandes diferenças. O Conselho Indigenista Missionário, a Pastoral do Índio e mesmo a FUNAI partem da cifra de cerca 30.000 índios; outros citam apenas 12.000. Autores cuidadosos partem de uma média de 20.000 índios. Essas diferenças podem ser sobretudo explicadas pelo fato de que as instituições da Igreja, por exemplo, vêem como índios mesmo aqueles que já vivem em cidades, enquanto que outras apenas consideram como indígenas aquelas pessoas que ainda moram no seu território tradicional e que estavam presentes à época e no local do levantamento.

Em grandes linhas pode-se traçar um panorama dos índios de Roraima a partir de divisões em famílias linguísticas. À família Arawak pertence o povo Wapixana; o Makuxi faz parte da família linguística Caribe, assim como o Taurepanga, o Arekuna, do Ingarikó, o Maiongong (Yekuna), o Waimiri-Atroari e o Wai-Wai; à família Yanomami são vinculados os grupos Yanomamó, Ninam, Sanumá e Yanomami.

a) Os índios Wapixana (= Matisana, Vapidiana, Wapisiana, Ouapichiana, etc.) representam o maior e mais bem conhecido grupo da tribo Arawak e o segundo maior grupo indígena da Roraima da atualidade. Eles entraram cedo em contacto com os portugueses e integraram-se em grande parte na nova sociedade. Segundo H. Coudreau, Ouapichiana era, ainda em fins do século XIX, uma espécie de "lingua geral", - ainda que com subgrupos tais como Wapiana (Wapixana), Atorais e Amaripas -, sendo visto como idioma da civilização e do progresso. Até os anos quarenta do século XX, porém, percebia-se diferenças na fala dos vários grupos dessa tribo. Nessa época, Lucilla Hermann distinguiu os subgrupos Vapidiana, Karapivi, Paravilhana, Tipikeari e Aturaiu. Entretanto, o conceito Karapivi significa provavelmente Karapia, ou seja, filhos de casamentos mixtos, de modo que esse nome não parece ser adequado para a denominação de um subgrupo. Alguns autores são da opinião que também o Paravilhana não pode ser considerado como um subgrupo do Wapixana. Dos vários subgrupos podem hoje ser constatados apenas dois, o Vapidiana e o Aturaiu.

O habitat original dos Wapixanas parece ter sido o planalto de savanas ao sul da Guiana Inglesa entre a serra Akarai ao sul e a Pakaraima ao norte. Segundo as suas próprias tradições orais, eles teriam vindo de uma outra região, misturando-se com os Atorois e ocupado o seu território.

A tendência à integração com outros grupos e a disposição em aproximarem-se dos europeus e de assimilação de suas características e cultura não foram positivas para a manutenção de sua identidade cultural e de sua imagem junto aos europeus. Segundo Theodor Koch-Grünberg, os Wapixanas viviam em grupos dispersos ao norte e ao sul do baixo Uraricoera e a leste do alto Rio Branco até regiões interioranas da Guiana Inglêsa. Tinham sido a tribo mais forte de toda a região, já eram porém numericamente muito mais reduzidos, decadentes e deturpados do ponto de vista moral, pela submissão aos brancos. Sobretudo os Wapixanas do Parimé possuiam má fama por uma suposta natureza enganosa.

Hoje, vivem sobretudo na região sudeste do Estado, para onde foram provavelmente empurrados pelos Makuxis no passado. O território é porém habitado também pelos Makuxis, os quais têm até mesmo malocas comuns com os Wapixanas. Segundo as estimativas, há ca. de 3500 Wapixanas no Brasil e nas Guianas.

b) Makuxi ou Pemonkon. A origem e o significado do nome Makuxi não estão ainda elucidados. Tudo indica que se trata provavelmente de um termo de cunho negativo, dado por estranhos à tribo - talvez os Wapixanas. Os índios Makuxis se denominam eles próprios de Pemonkon, ou seja, "pessoas". A sua língua pertence à família Caribe e apresenta diferenças nas diferentes regiões. Segundo essas diferenças, que vão sendo niveladas, foram subdivididos nas antigas classificações (Monoiko, Aasepang, Iriang, Kiseruma, antigamente também Kono'Ioco (Koch-Grünberg) e Pezak'ko (Meyer). Segundo autores atuais, já não parece ser adequado ver essas subdivisões lingüísticas como indicadoras de diferentes povos.

As tentativas de reconstrução histórica mencionam várias fases de correntes imigratórias da bacia do Orinoco de índios que recuavam devido a presença de espanhóis. Nesse processo, faziam que outros povos também recuassem, entre eles os Wapixanas. Assim, segundo alguns pesquisadores, eles teriam vindo das ilhas do Caribe. Eles seriam, segundo alguns autores, os Muchiqueriens citados em textos do século XVII (Claude d'Abbeville, Blaeus). Segundo Iris Myers, eles seriam os mesmos Iaios mencionados por Releigh. É possível que deles se hajam separado outros grupos, por exemplo os Taurepangs. Alguns povos, pelo contrário, foram por eles assimilados, por exemplo os Purucotós.

Desde a segunda década do século XIX, os Maxukis passaram a ser conhecidos até mesmo na Europa como produtores de veneno também empregado por outras tribos. Assim, lê-se na "História e Descrição do Brasil e da Guiana" de Ferdinand Denis, que no ano de 1812 Watterten realizara uma viagem à Guiana, penetrando até os limites com o Brasil e que conseguira informações a respeito da substância tão forte empregada pelos indígenas, os índios Makuxis eram aqueles que mais conheciam os segredos de preparação do veneno vegetal a que chamavam de Wurali.

Alguns autorem supõem que os Makuxis sejam os próprios Macus, uma hipótese que talvez possa ser explicada terminologicamente devido à imagem negativa dos Makuxis aos olhos de seus inimigos.

O Manual de Geografia e Estatística do Brasil de J. C. Wappäus, de 1871, dá uma descrição pormenorizada dos Makuxis:

Essa descrição positiva dos Makuxi é repetida em outras publicações:

Os Makuxis vivem hoje em terras aproveitáveis para agricultura do "lavrado" e nas serras do Nordeste de Roraima e do Noroeste da Guiana (inglêsa). A sua população é estimada entre 17.0000 e 18.000 pessoas em permanente contacto com a sociedade envolvente. Os mais isolados vivem nas montanhas e nas florestas da Guiana. Eles constroem suas habitações nas proximidades dos rios e igarapés. No Brasil há ca. de 96 aldeias (malocas), nenhuma porém no meio da floresta. Na Guiana parece haver 30 ou 40 aldeias. A antiga forma de viver em cabanas com várias famílias foi abandonada. As estimativas partem da existência de ca. de 11.600 Makuxís, dos quais 5000 em aldeias na Guiana e ca. de 1000 em casas isoladas. Muitos Makuxís vivem também em Boa Vista, capital do Estado.

Os mais importantes intermediários entre os Makuxís do Interior e aqueles da cidade são os funcionários da FUNAI e os missionários. A FUNAI mantém três postos entre eles, ou seja, Vista Alegre (próximo à Fazenda São Marcos), Raposa e Boca da Mata (Taurepang-Makuxí). Nesses postos vivem um diretor, um chofer, um enfermeiro e um técnico de agricultura. Até 1970, a aldeia Raposa desempenhava um certo papel de liderança, o que era apoiado por religiosos da Missão Consolata. O cacique local era visto mais ou menos como o principal dos caciques dos Makuxis. No areal Raposa/Serra do Sol (antigamente Xununuetamu), de 2.000.000 hectares, vivem Makuxis e Ingarikós. É disputado por ca. de 200 fazendas de pecuária, o que leva a tensões. As seguintes malocas encontram-se nesse território: Camarén (Rio Maú), Lage, Piolho, Congresso, Santa Cruz, Olho d'Agua, Perdiz (Rio Cotingo), Caraparu II, Uiramutã, Cararual, Gavião, Canauapi, Pedra Branca (Cotingo), Miang, Willimond, Monte Muriá, Camará, Raposa II, Santa Maria de Normândia, Bismarck, Canta Galo, Guariba, Escondido, Napoleão, Enseada e Pedra Branca.

A Igreja mantém missões em Maturuca, Surumu e Normandia. Em Surumu há também um hospital, assim como um internato da Diocese. A missão evangélica do Amazonas (Batistas) desenvolve trabalho missionário nas aldeias de Pacu, Contão, Aracá, Manoá, Napoleão, Bananal, Macedônia, Mato Grosso, Maracanã, Flechal, Caracanã e Gavião. Na aldeia de Monte Moriá atuam Testemunhos de Jeová.

c) Arecuma ou Taulipáng (Arecuna, Jaricuna, Yarikúna, Kamarakoto, Pemon, sobretudo na Venezuela). Segundo Frei Cesareo de Aremllada (1943), esse termo significa "selvagem", "bárbaro", tendo sido utilizado por estranhos ao grupo, sendo Pemon o nome próprio, significando "pessoa" ou "homem". Alguns se auto-denominam Arecuna, outros Kamarakoto, ou seja, que vieram da região Kamara.

Theodor Koch-Grünberg afirma ter descoberto o nome tribal Taulipáng:

Os Taulipáng devem ter vindo do Norte no contexto da migração Makuxi, motivada pelo recuo perante a presença dos espanhóis. Ao redor de 1800 encontravam-se no Norte de Roraima, em fins do século XIX no rio Mazazuni e no alto Amajari. Eles assimilaram outros povos, entre eles os Serengong. Nos anos 30 vieram numerosos indivíduos desse povo da Venezuela, juntamente com missionários adventistas de lá expulsos. Outros, pelo contrário, emigraram do Brasil em direção à Venezuela, dirigindo-se às missões dos Capuchinhos, retornando nos anos 50.

Hoje, esses índios vivem num pequeno território no alto Surumu e na divisa com a Venezuela, onde possuem três aldeias no meio da floresta: Boca da Mata, Sorocaima e Bananal. Na Venezuela, vivem em ca. de 40 aldeias, dispersas da fronteira até as cabeceiras do Aponguao e o rio Caroni. Há também grupos desse povo na Guiana e nas cabeceiras do Potaro. Segundo as estimativas existem 5000-8000 índios Taulipáng, dos quais hoje apenas um reduzido número vive no Brasil.

d) Ingarikó ou Kapon (Kowatingok, Irengakok). Trata-se de um termo Makuxi que significa "gente das profundezas da mata". Esse povo se auto-denomina Kapo ("gente do céu"). Essa denominação também é utilizada pelos Patamona e Akawaio, que vivem na Guiana. São respeitados pelos Makuxís, pois são associados com um ser temido: Kanaimé. Na pesquisa, são vistos às vezes como gerados de casamentos mixtos entre Makuxís e Arecunas ou Makuxís e Wapixanas.

Eles já mantinham contacto com os inglêses no século XIX, de modo que Th. Koch-Grünberg foi por eles saudado em inglês. Em 1978, foram contactados pela FUNAI. Habitam hoje um pequeno território ao norte de Roraima na divisa com a Venezuela e Guiana, tendo 13 aldeias (entre outras: Serra do Sol, Mainlai, Saueparu). Segundo as estimativas, perfazem 500-700 pessoas.

e) Os Maiongong (ou Yekuana na Venezuela) habitam três aldeias no norte de Roraima. Eles mantém poucas relações com os outros povos das terras planas, estão porém em contacto com os Sanumás da família lingüística Yanomami.

f) Os Wai-Wai vivem em duas aldeias na parte sudeste de Roraima. São provenientes da Guiana, ao que parece, e diz-se que estão sendo recentemente levados por missionários protestantes a procurar refúgio em regiões vizinhas do Pará em defesa própria perante a atividade de firmas mineradoras.

g) Os Waimiri-Atroiri, que habitam ao sul de Roraima e em partes do Amazonas, tornaram-se conhecidos sobretudo devido as conseqüências da construção de uma barragem destinada à geração de energia para a capital do Amazonas. Eles devem ser estudados no contexto do Estado do Amazonas.

h) O povo Yanomami é hoje o mais conhecido de todas as populações indígenas da Amazônia, embora tenha vivido isolado até há pouco - antes da construção da BR-210 nos anos setenta - nas regiões de fronteira entre o Brasil e a Venezuela. É considerado como a maior etnia dessa região e portadora da cultura mais originalmente conservada do planeta. Na consciência pública, esses indígenas passaram a receber atenção devido aos problemas surgidos desde 1985 no contexto da presença militar na região de fronteiras nacionais (Calha Norte), assim como com a ação de garimpeiros, desde 1987. Esses problemas foram divulgados sobretudo pela jornalista Memélia Moreira. A população Yanomami, estimada em 1986 em cerca de 9900 indivíduos, encontra-se hoje - segundo estimativas muito inexatas - reduzida a 8000 pessoas.

Para os Yanomami estão projetados dois tipos de areais: aqueles que pertencem às "florestas nacionais" e aqueles que caem na categoria de "parques nacionais". Foram previstos 10 areais indígenas na floresta nacional de Roraima, cinco na floresta nacional do Amazonas e quatro no Parque Nacional do Pico da Neblina, criado em 1979. Em 1984, surgiu uma Comissão destinada à criação de um parque propriamente Yanomami (CCPY).

 

zum Index dieser Ausgabe (Nr. 31)/ao indice deste volume (n° 31)
zur Startseite / à página inicial