Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 70 (2001: 2)


 

Brasil 2000
Colóquio/Kolloquium

J.S.BACH-H.VILLA-LOBOS
Interpretações e Perspectivas do Barroco
Deutungen und Perspektiven des Barock

31. Mai - 2. Juni 2000

Akademie Brasil-Europa
Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V. Instituto Brasileiro de Estudos Musicológicos
Sociedade Brasileira de Antropologia da Música

Wissenschaftliche Leitung Dr. A. A. Bispo- Org. Dr. H. Hülskath

em cooperação com/in Zusammenarbeit mit:

Musikwissenschaftliches Institut der Universität zu Köln - Hauptseminar "Die Musik Brasiliens"

*

Abertura/Eröffnung

 

Heitor Villa-Lobos: Tentativa de aproximação músico-antropológica

Antonio Alexandre Bispo
Vorsitzender/Presidente da Akademie Brasil-Europa

 

Renato Almeida

In Heitor Vila Lobos ist seine Persönlichkeit das Herausragendste. In seinem stetigen Streben, zu erneuern, Wege zu öffnen, seltene musikalische Sinngehalte zu suchen, lehnt er es ab, Formeln zu akzeptieren, auch die, die er selbst schafft; er läßt sich zuweilen von einem breiten und leidenschaftlichen Sentimentalismus entführen, vergnügt sich zuweilen an kindlichen Motiven mit einer außerordentlichen Anmut und Feinfühligkeit und nicht selten wagte er die gewaltigsten und rohrsten Themen, als ob er die widersprüchlichen Kräfte seiner eigenen Natur durch die Musik bändigen wollte. Diese Vielfalt des Einfalls findet Parallele in der Mannigfaltigkeit der Verfahrensweise, in den überraschenden Realisierungen, in der Neuheit des Stoffes, in dem er seine zahlreichem und reichhaltigen Werken formt. Mit verblüfender Schaffenskraft, die kein Zeichen von Vulgarität zeigt, ohne Kompromisse einzugehen und ohne Konzessionen zu machen, ist Vila Lobos eine einzigartige und eindrucksvolle Gestalt in der brasilianischen Musik durch seinen kreativen Antriebskraft, seinen Lyrismus und seine Neuigkeit.

História da Música Brasileira, 453

 

(Partes)

 

A pesquisa da vida e da obra de Heitor Villa-Lobos adquire cada vez mais importância no âmbito de uma musicologia consciente da necessidade de enfoques globalizantes. Heitor Villa-Lobos é um dos poucos vultos da música da América Latina com renome internacional e com um lugar seguro em programas de concertos e em trabalhos histórico-musicológicos voltados ao século XX. Heitor Villa-Lobos possui, como poucos, uma imagem que fascina mesmo àqueles que pouco conhecem de sua música, o que abre as portas para a divulgação de suas obras e desperta interesse para a cultura de seu país. Essa imagem constitui portanto um valioso capital para o Brasil.

O estudo da vida, da obra de Villa-Lobos e do seu papel na cultura brasileira depara-se porém com grandes problemas e levanta por sua vez várias questões de difícil resposta. Essas dificuldades não resultam em primeiro lugar da não-existência de fontes. Pelo contrário: apesar de todos os problemas de documentação, poucos compositores latino-americanos, e em especial brasileiros, apresentam tal quantidade de obras impressas e também gravadas, foram alvo de tantas considerações críticas, depoimentos e estudos. Poucos compositores do século XX contam também com instituições dedicadas especificamente à pesquisa e divulgação de sua obra, como é o caso do Museu Villa-Lobos.

O principal problema que se impõe aos pesquisadores parece ser antes o do enfoque adequado, o dos recursos metodológicos apropriados e dos critérios de apreciação estética e histórico-cultural de sua personalidade e obra. Os estudiosos defrontam-se continuamente com incongruências, com desenvolvimentos pessoais e estilísticos cambiantes, com depoimentos, ações e obras conflitantes, por vezes demonstrativas de uma extraordinária lógica e consequência, por vezes aparentemente disparatadas, com uma personalidade e obra de múltiplas facetas e de reluzes furta-cores. É como se o estudioso pisasse em areia movediça, sem encontrar fundamento seguro para as suas inquirições.

Tal situação se reflete naturalmente na própria literatura musicológica e na apreciação do papel do compositor no desenvolvimento histórico-musical do século XX. Ao lado dos numerosos depoimentos, recordações e ensaios subjetivos de contemporâneos, artistas e eruditos, as tentativas mais profundas até agora empreendidas de um estudo musicológico de sua obra deixam sempre em aberto fundamentais aspectos de sua criação, não conseguem considerá-la no todo de sua diversidade quase que espectral.

A posição de Villa-Lobos na história da música permanece assim difícil de ser averiguada. Dependendo da perspectiva do observador e da parte da obra a que dedica principal atenção, o compositor surge às vezes como "modernista", às vezes como conservador, às vezes como genial criador, às vezes como trivial produtor de banalidades, às vezes como nacionalista, outras como universalista, às vezes como folclorista, outras como incontido admirador de Bach.Tais contrastes, tais polaridades surgem porém às vezes harmonizadas entre si, perdem então a sua razão de ser, irritando e confundindo o estudioso.

O próprio Villa-Lobos cuidou de demonstrar que tais polaridades e antinomias não se apropriam à compreensão de sua obra. Em declarações singulares, aparentemente incompreensíveis e absurdas, vinculava o popular com o erudito, o nacional com o universal, folclore e Bach: Bach surgia como como incarnação de um "folclore universal" (!). O próprio Villa-Lobos, - o autor das "Bacchianas brasileiras", dizia também ser o "folclore", subsumindo e suprimindo as antinomias na sua própria pessoa de criador.

Tem-se procurado resolver tais problemas, - e consequentemente os da inserção de Villa-Lobos no processo histórico-musical do Brasil e do mundo -, através do recurso historiográfico da distinção de períodos e fases na sua vida e obra. A periodização da produção villa-lobiana apresenta porém muito maiores dificuldades do que as que normalmente se colocam a tentativas dessa natureza, em si já problemáticas. A distinção de fases na sua obra tem podido até hoje apenas oferecer um auxílio inicial, uma orientação elementar àquele que se inicia no estudo da música do Brasil. Permanecem sempre insatisfatórias. Tais fases não permitem compreender o surgimento de procedimentos e meios de expressão extraordináriamente avançados, quase que proféticos, em obras da juventude, nem o retorno a modêlos e formas aparentemente anteriores em composições posteriores. Tal procedimento leva necessariamente à distinção entre obras que parecem ser precursoras de futuros desenvolvimentos da música brasileira e aquelas que parecem ser anacrônicas, o que implica em julgamento de valor capaz de por em perigo toda a apreciação da obra de Villa-Lobos, caso considerada no panorama global da história da música do século XX.

Assim como o pensamento em polaridades não é totalmente adequado à compreensão da obra de Villa-Lobos, também parece não o ser o pensamento em critérios temporais de antes e depois, de prospectivas e de rememorações.

Villa-Lobos não apenas trabalhou durante longo espaço de tempo em ciclos amplos de obras, que naturalmente incluem partes de diversas épocas de sua produção, como também reelaborou obras anteriores e redatou obras posteriores, de modo a tornar quase que impossível a consideração cronológica de partes importantes de sua produção. Consideradas sob um ponto de vista estranho àquele do compositor, tais obras correm o perigo de se transformarem em exemplos de ecletismo e de miscelânea anacrônica de partes.

Não é de estranhar, portanto, que Villa-Lobos tenha sido alvo de incompreensões, mal-entendidos e críticas. A sua apropriação personalizante de material, submetido à forma que o seu espírito impunha, foi vista por alguns inimigos como expressão de plágio. Com base numa compreensão demasiadamente restrita daquilo que se entende por direito de propriedade do autor, tal denúncia levou a uma das ações mais entristecedoras da história da música no Brasil. Por outro lado, o procedimento de conferir outras datas às próprias obras e de remodelar composições mais antigas pareceu a muitos como atitude fraudulenta. As próprias declarações de Villa-Lobos foram e são entendidas muitas vezes como expressão de mente confusa e de consciência exagerada de si próprio. Não é de estranhar, portanto, que estudantes de musicologia europeus, que pela primeira vez se ocupam com as idéias do compositor, ganhem primeiramente a impressão de estarem diante de um homem de grande vaidade, de insaciável fome de poder, oportunista, com mania de grandeza, abalado interiormente por neuroses e pelos mais diversos problemas psicopáticos. As suas idéias, ações e empreendimentos monumentais, tais como aqueles na área da Educação Musical, parecem fundamentar-se em ilusões e terem iludido grande número de personalidades da vida musical brasileira. Seria porém uma ilusão ainda maior se tais estudiosos julgassem poder chegar a tais conclusões sem colocar em dúvida a validade de seus enfoques, de seus métodos e critérios.

Já há muito abandonou-se, na historiografia, a crença numa continuidade linear do progresso dos conhecimentos, resultante de simples adição e multiplicação de fatos e do prosseguimento de conclusões e resultados de pesquisas. O desenvolvimento científico, também no campo da musicologia, é visto muito mais como conseqüência de troca abrupta de rumos, de revoluções na forma de pensar e de procedimento metodológico. A sempre salientada necessidade de "mudança de paradigmas" também vale para a pesquisa da vida e obra de H. Villa-Lobos, como foi bem salientado no âmbito da comemoração, pelo I.S.M.P.S. e.V., do "Ano Villa-Lobos", em 1987. De fato, grande parte da literatura a respeito do compositor traz demasiadamente marcas de um enfoque nacionalista e parece ser hoje singularmente antiquada, fazendo tornar-se desejável uma maior objetividade científica e distância nos estudos da obra villa-lobiana. Uma mudança revolucionária de paradigmas poderia significar aqui não apenas o abandono de uma perspectiva nitidamente nacionalista, - de direita ou de esquerda -, como também de todo uma visão e de critérios de julgamento do desenvolvimento histórico-musical do século XX a partir do "modernismo" e da "Semana de Arte Moderna".

Isto não quer dizer, obviamente, que o compositor não seja estudado dentro do contexto apropriado da época de sua vida, mas sim que os estudiosos, eles próprios, não se prendam a-criticamente a ideais gerados nos já distantes anos 20, o que pode influenciar inconscientemente ou subrepticiamente os seus trabalhos. Este é o caso, lamentável, de certas publicações, sobretudo em alguns artigos de certas revistas de música alemãs e de artigos em léxicos e enciclopédias de grande difusão na Europa e nos Estados Unidos, como o "Grove" e a "MGG".

A"mudança de paradigmas"assim entendida, porém, apontada como necessária nos trabalhos do ISMPS em 1987, parece hoje já não ser suficiente.

Com o reconhecimento cada vez maior da importância da interdisciplinaridade no trabalho científico, a própria musicologia sente a necessidade de uma revisão de critérios que a identificam, fundamentam e orientam o seu trabalho. Não se trata mais da discussão, já fatigante, entre a musicologia histórica e a etnomusicologia, nem de uma por muitos desejada supremacia etnomusicológica no âmbito dos ramos musicológicos. Trata-se antes da recuperação da compreensão ampla do termo "música" na própria denominação da matéria, numa revinculação crítica com a tradição antiga de pensamento que justificou a própria existência e importância da disciplina no quadro das ciências. Assim como na antiga tradição falava-se de música no homem e no cosmo, também hoje deveria o musicológico dirigir a sua atenção sobretudo a processos internos, psicológicos, espirituais e a fenômenos externos, sócio-culturais e outros, relacionando-os.

Heitor Villa-Lobos serve como poucos para uma tentativa de trabalho musicológico de cunho antropológico no sentido histórico-etimológico da palavra, uma vez que o termo "anthropos", diferentemente de "homo", foi considerado por antigos autores (por ex. Ambrósio de Milão) como relacionado com o homem interno, espiritual. A questão que se coloca é a do método adequado para a investigação desse mundo interior. Muito de sua vida e obra pode ser explicada, é verdade, através do ambiente em que nasceu, formou-se e atuou, das influências que recebeu e das circunstâncias reais da vida nas suas diferentes fases. Nem tudo porém. São justamente as predisposições psíquicas, o seu temperamento, o cunho individual de sua personalidade e caráter, os modos de comportamento e suas reações que permitem elucidar muitos das questões que se levantam quanto ao seu processo criador, suas idéias e visões. Tal investigação se enquadraria, no quadro atual das ciências, sobretudo no âmbito da psicologia, o que significaria a necessidade de emprêgo de procedimentos adequados segundo as diversas correntes dessa disciplina, seja na tradição de Freud, seja segundo os arquetipos de Jung ou outros.

Heitor Villa-Lobos permite que seja tentado um outro caminho. Na medida em que diz o "Folclore sou eu", parece reconhecer a validez dos conceitos e símbolos transmitidos pela sabedoria ou ciência do povo para a interpretação do seu próprio universo. Nesse sistema tradicional de sinais e representações simbólicas, a psique, embora de importância central, representa apenas um dos elementos da vida interior do homem. Ela pertence por assim dizer ao teatro complexo de atores que se interagem nesse mundo interior, tais como, ao lado da parte ativa e a da contemplativa da alma, o espírito, o intelecto, a vontade, o logos, o sub-consciente O termo antropologia, portanto, é mais adequado, no caso, do que psicologia. Essa antropologia transmitida pela tradição compreende uma própria tipologia e anti-tipologia, um sistema tipológico/horizontal e analógico/ vertical e é de acordo com esse sistema que Villa-Lobos parece poder ser analisado segundo critérios de sua própria cultura.

(...)

Heitor Villa-Lobos teve contactos com círculos populares que cultivam práticas tradicionais de ciência oculta, de magia e teurgia. Escreveu obras relacionadas com essas tradições, tais como "Macumba" e "Xangô". É justamente esta última obra, executada significativamente na abertura do Congresso Internacional "Brasil-Europa 500 Anos: Música e Visões", que se relaciona intimamente com o seu homem interior segundo os critérios tipológicos tradicionais.

(...)

 

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