Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006
nova edição by ISMPS e.V.
Todos os direitos reservados
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N° 67 (2000: 5)
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Congresso Internacional Brasil-Europa 500 Anos
Internationaler Kongreß Brasil-Europa 500 Jahre
MÚSICA E VISÕES
MUSIK UND VISIONEN
Colonia, 3 a 7 de setembro de 1999
Köln, 3. bis 7. September 1999
Sob o patrocínio da Embaixada da República Federativa do Brasil
Unter der Schirmherrschaft der Botschaft der Föderativen Republik
Brasilien
Akademie Brasil-Europa
ISMPS/IBEM
Pres. Dr. A. A. Bispo- Dir. Dr. H. Hülskath
em cooperação com/in Zusammenarbeit mit:
Deutsche Welle
Musikwissenschaftliches Institut der Universität zu Köln
Institut für hymnologische und musikethnologische Studien
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MÚSICA E VISÕES NA VIDA MUSICAL NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES ENTRE
A ALEMANHA E O BRASIL
Dr. Antonio Alexandre Bispo
É sempre triste ter-se de ouvir de pessoas que desempenham funções
de relêvo em determinada área e que são consideradas especialistas
no seu assunto pronunciamentos e opiniões desabalizados, porém
manifestados com autoridade e segurança. Evidentemente, nenhum
de nós pode dominar completamente o seu campo de trabalho. Devemos
ter, porém, senso auto-crítico suficiente e modéstia para não
proferirmos julgamentos em matéria que desconhecemos e que podem
induzir outros a êrros. A presunção e o abuso de autoridade são
alguns dos vários problemas que entravam o desenvolvimento científico
e que devem ser estudados no âmbito da pesquisa da própria ciência,
ou seja, da " science of science" ou " Wisseschaftsforschung"
. Temos aqui a questão da necessária mudança ou abertura de visão
dentro de grupos profissionais e especializados. Muito daquilo
que parece não existir, existe. Nós é que não o sabemos ver ou
descobrir. Assim como os europeus desconheciam o Brasil, antes
de os portugueses terem-no " descoberto"
Talvez devesse ser
sempre uma das metas do cientista tentar revelar o encoberto,
ou seja, aprender o que não sabe.
O problema do desconhecimento de muitos europeus impõe-se de forma
particularmente acentuada no campo de estudos das relações euro-brasileiras
na vida musical, em particular das teuto-brasileiras. Quantas
vezes somos obrigados a ouvir especialistas afirmarem que na verdade
não existe um relacionamento entre a Europa e o Brasil na vida
musical e que a situação real é a da inexistencia de uma vida
musical euro-brasileira na Europa, em particular na Alemanha.
Também aqui vale: é um grave êrro confundir uma realidade inexistente
para nós - por desconhecimento - com uma realidade inexistente
de fato. Essa realidade que parece-nos inexistente não é ilusionária;
nós é que nos iludimos julgando ser ela inexistente. Quem tiver
o cuidado de estudar o assunto de forma mais profunda vai descobrir
na Europa uma vida musical euro-brasileira, - também teuto-brasileira-
, até mesmo mais dinâmica do que aquela relacionada com vínculo
musical entre importantes nações européias entre si; vai descobrir
que já foram apresentadas ao público alemão várias vezes, desde
há anos, não apenas obras brasileiras do século XX, mas também
do século XVIII e XIX em execuções de alto nível qualitativo e
a grande auditório; vai descobrir que obras de compositores brasileiros
foram e são ensinadas em escolas de música e apresentadas em semanas
de música dedicadas ao Brasil; vai descobrir que já foram realizados
festivais em várias cidades e por diversas instituições; vai descobrir
que existem numerosos artistas europeus e brasileiros que estudam
e que divulgam música de autores brasileiros.
A exposição que hoje inauguramos é dedicada ao tema " Música e
Visões de Músicos de Língua Alemã no Brasil" . Uma vez que este
nosso Congresso realiza-se na Alemanha, pareceu-nos necessário
e justo dar uma atenção especial às relações teuto-brasileiras
no seu contexto, ao lado, naturalmente da importância primordial
concedida às questões relacionadas com a cultura indígena e com
Portugal, como fica evidente no nosso programa. Achamos que um
evento que se efetua nas vésperas do ano 2000 e das comemorações
dos 500 anos do Descobrimento do Brasil pelos portugueses, não
sendo um congresso português, mas sim brasileiro e não pretendendo
festejar esse fato histórico, mas sim fomentar reflexões a respeito,
deveria colocar em primeiro plano os próprios " descobertos" e
não os " descobridores" . Como porém a posição do observador influencia
a perspectiva sob a qual ele vê o seu objeto de estudo, e encontrando-nos
não no Brasil, nem em Portugal, mas sim à distância, num país
da Europa Central, parece-nos necessário tecer reflexões a respeito
da perspectiva inerente a este posicionamento. Isto corresponde,
aliás, à intenção dos organizadores oficiais das comemorações
dos 500 anos no Brasil, que pretendem salientar a diversidade
cultural do país e que sugerem que, nos vários países onde ela
seja rememorada, coloque-se em saliência a respectiva contribuição
para a formação da cultura brasileira.
Não apenas por realizar-se o nosso Congresso na Alemanha é que
precisamos dar uma atenção especial às relações germânico-brasileiras.
A Alemanha desempenha um papel de extraordinária importância na
História da Música Ocidental e no desenvolvimento dos estudos
musicológicos e merece, portanto, no nosso contexto, particular
consideração. Uma parcela considerável da população brasileira
é de origem de povos de língua alemã, sendo que alguns estados
do Sul do país apresentam evidentes traços de sua cultura e onde
a música desempenha papel de relevância. Muito mais importante
porém é a extraordinária importância de compositores, regentes
e músicos alemães, austríacos e suiços que, como agentes e multiplicadores,
exerceram decisiva influência na formação musical e na criação
artística no Brasil.
Não pretendemos porém, na abertura desta exposição, considerar
em pormenores a história das relações teuto-brasileiras na música.
Este já foi tema, há alguns anos, de uma exposição que realizamos,
com os documentos conservados pelo I.S.M.P.S. e.V., na InterNationes,
em Bonn. Já tratamos também desse assunto em várias conferências.
O objetivo desta exposição relaciona-se estreitamente com o tema
do nosso Congresso, ou seja procurar por em saliência o íntimo
relacionamento entre os ideais musicais e as visões dos imigrantes
de língua alemã no Brasil. Se quisermos considerar apropriadamente
a contribuição alemã para a História da Música no Brasil, se quisermos
estudar adequadamente os problemas que se colocaram e que se colocam
neste encontro de culturas, precisamos considerar as esperanças,
os sonhos e os planos daqueles que abandonaram a sua terra natal
e se dirigiram a tão distantes regiões, imbuídos de tal força
de vontade para concretizar as suas visões que estavam dispostos
a enfrentar todos os obstáculos de um mundo muitas vezes totalmente
desconhecido. As publicações a respeito da imigração alemã e os
relatos de colonos e viajantes apresentados nesta exposição demonstram,
- às vezes de forma dramática -, a energia concretizadora inerente
a visualizações.
A nossa exposição está organizada em 10 quadros temáticos.
- 1) O primeiro quadro apresenta fotos e documentos relacionados
com o reinício da vida em terra estranha e com o papel nele representado
pelas visões e pela música. O imigrante, que tomara a difícil
decisão de abandonar a sua pátria, trazia uma imagem daquilo que
almejava, de uma idealizada situação de bem-estar, uma visão da
vida que desejava levar. Era essa visão que orientava-lhe a vida
e que era transformada gradualmente em realidade, apesar de todas
as deficiências impostas pelo mundo material. Esse retrato ideal
correspondia naturalmente a expectativas européias e contrastava
fortemente com a realidade vista no mundo natural em regiões muitas
vezes ainda em estado de natureza incólume. Na tentativa de concretizar
a sua visão interior, o imigrante partia do pressuposto que a
realidade a ser colonizada representava por assim dizer uma tabula
rasa, uma terra a ser desbravada e cultivada. O retrato do Homem
do imigrante opunha-se àquele do índio. Este foi o grande perdedor
nas regiões da imigração. Não podemos esquecer que acontecimentos
particularmente trágicos da história indígena não se passaram
somente nos primeiros séculos da presença dos portugueses no Brasil,
mas sim e sobretudo a partir do século XIX em estados colonizados
por imigrantes da Europa Central. Uma imagem desse problemático
" encontro" de culturas oferece uma foto coletiva de alemães e
" botocudos" do início da Colonia Hansa, em Santa Catarina.
O visualizado pelos imigrantes precisava ser mantido e continuamente
refortalecido, e para isso contribuiam os valores sentimentais
e emocionais. Aqui deparamos com o papel extraordinário exercido
pela música, e em particular pelo canto alemão. O Heimweh e a
Sehnsucht, a saudade, a nostalgia e o anelo, impregnavam a vida
dos primeiros imigrantes e deixavam que, aos poucos, desaparecessem
aspectos negativos do passado, fazendo-o ressurgir sob nova luz.
Criava-se, assim, uma imagem idealizada do passado. Uma das fotos
apresentadas na nossa exposição demonstra que foi sobretudo nas
grandes festas do ciclo do ano, em particular no Natal, que a
música mais contribuiu para a idealização da imagem do passado
e para o fortalecimento do visualizado para o futuro. O imigrante,
confrontado com a natureza do verão tropical, procurava remontar
interiormente ao inverno europeu, transportando tradições natalinas
para o Brasil. Canções alemãs de Natal exerceram assim importante
papel no cancioneiro da imigração. Não apenas no convívio com
os brasileiros, mas sobretudo no decorrer das gerações de descendentes
dos primeiros imigrantes foi-se manifestando a necessidade de
que se traduzisse tais cantos para o português. Um dos documentos
originais expostos, de 1928, demonstra as dificuldades encontradas
para a adequação prosódica de textos às melodias alemãs. Esse
fato, porém, não só valia para as tradições de inverno, que no
Brasil caem no verão, mas também para aquelas ligadas à primavera,
que no Brasil corresponde ao outono. Como bem ilustra um dos documentos
apresentados na exposição, os cantos de primavera, os " Frühlingslieder"
constituiram importante parte do repertório de associações e coros
alemães no Brasil.
O canto marcava todas as fases da vida do imigrante, do nascimento
até a morte. Festas familiares, - como a das bodas de ferro do
casal Peter e Dorothea Lukas, em Blumenau, em 1899 - , eram celebradas
com canto, música instrumental e danças. Assim, não surpreende
o fato de terem sido os cantos os principais traços culturais
que sobreviveram entre os descendentes das primeiras levas imigratórias.
Uma das fotos de nossa exposição demonstra a permanência de cantos
religiosos ligados à morte na " Colonia Velha" de São Paulo, ao
redor de 1933. O cantar e tocar no seio familiar exigia naturalmente
a formação musical dos filhos, e é aqui, na educação musical a
nível doméstico, que vemos um das mais importantes bases da contribuição
alemã para a vida musical do Brasil. A importância dos professores
particulares de música é demonstrada, na nossa exposição, pelos
programas originais, - alguns impressos, outros cuidadosamente
feitos à mão - , de audições de alunos de professoras alemãs dos
anos trinta.
- 2) O segundo quadro apresenta fotos e documentos históricos relacionados
com o papel da música e a vida comunitária, ou melhor, com as
visões das comunidades. O surgimento e o fortalecimento de sentimentos
comunitários e, em consequência, de planos de realização coletiva
nos povoados que se originaram nas regiões de imigração foram
sempre intimamente relacionados com a festas religiosas e cívicas.
A vida associativa desenvolveu-se cedo nas comunidades de língua
alemã. As atividades sociais das associações de tiro, de clubes,
assim como de associações desportivas e recreativas representaram
sempre boas ocasiões para apresentações musicais. Algumas dessas
reuniões associativas reuniam centenas de pessoas, como nos demonstra
uma foto de uma festividade do Club União do Rio do Peixe, Santa
Catarina (ca. 1920). Além do mais, a música fazia-se necessária
para as apresentações teatrais e sobretudo de bailado, como ilustram
fotografias tiradas em Blumenau no início da década de 20. Não
podemos esquecer do carnaval, festejado com bailes nas associações,
fato também documentado com foto de Blumenau, de 1929. Dias cívicos
alemães e brasileiros passaram a ser comemorados com desfiles
de associações e de escolares, acompanhados por fanfarras e bandas.
Há muitos retratos de grupos escolares em desfile nas várias cidades
de população de língua alemã, tal como Joinville, como nos mostra
uma fotografia de 1920. Música militar alemã fazia-se ouvir também
por ocasião de visitas de personalidades ou, por exemplo, na festa
de recepção de um navio da marinha alemã, em Blumenau, no início
do século. Os círculos de leitura, que inicialmente estabeleceram
elos de comunhão dos imigrados com a vida intelectual alemã, representaram
também berços de associações de interesses artísticos e filosóficos
que incluiam a música. Um marco excepcional da história da vida
intelectual alemã no Brasil foi a passagem do centenário de Goethe,
festejado em várias cidades e aqui representado pelo programa-convite
original da solenidade levada a efeito em São Paulo, em 1932.
A comunhão com a vida intelectual alemã vinculou-se assim muito
cedo a esforços destinados ao fortalecimento da comunhão espiritual.
Parece ser significante que muitos alemães se sentiram atraídos
pelas ciências ocultas e por práticas esotéricas. A música sempre
desempenhou papel de extraordinária importância no Esoterismo.
Como exemplos significativos vemos aqui nesta exposição documentos
da festa de Mozart no círculo esotérico " da Comunhão do Pensamento"
em São Paulo, por ocasião da passagem dos 140° anos da morte do
compositor austríaco. É justamente nesse contexto que se manifesta
mais uma vez a relevância do nosso tema, " música e visões" .
No edifício conceitual de uma ciência esotérica relacionada com
a " comunhão do pensamento" , a visão interior do homem e a música
- sobretudo a de Mozart - uniam-se para a criação e manutenção
de uma rêde de contactos humanos, não aparente mas atuante na
sociedade. Não apenas a teosofia, mas sobretudo a antroposofia
- dela originada - foi e é de grande importância na formação musical
dos alemães e seus descendentes. Muitos músicos e apreciadores
da música receberam a sua formação em escolas Waldorf no Brasil.
- 3) O terceiro quadro apresenta fotografias e documentos referentes
à prática musical nas escolas alemãs do Brasil, ou melhor, referentes
às visões que orientaram a educação musical nessas escolas. Como
a coleção de cantos do Barão de Macahubas demonstra, já no Império
os escolares brasileiros aprendiam a entoar alguns cantos em alemão.
O nosso interesse, porém, não se dirige apenas à divulgação de
cantos escolares alemães. O que nos parece mais importante é o
ideal educativo acalentado pelas escolas de língua alemã. Em primeiro
lugar, porém, precisamos reconhecer o íntimo relacionamento dos
cantos escolares com a religião nas escolas dos primeiros povoados
de imigrantes. Nas pequenas localidades, a igreja servia de escola
e nela as crianças aprendiam cantos para o culto. A esse mundo
do passado nos levam fotografias de escolas da Colonia de Cruzeiro,
da primeira comunhão de escolares de um povoado de Santa Catarina,
de recreações durante uma pausa na escola alemã de Florianópolis,
da aula de canto da escola alemã de Castro, no Paraná e de uma
reunião da escola alemã de Santo Amaro, em São Paulo. Um problema
sério para os professores dessas escolas era o da tradução de
textos dos cantos escolares para o português. Um manuscrito dos
anos 30 apresenta uma tentativa nesse sentido. Também a falta
de material didático exigia esforços extras dos professores, levando-os
a compor e a preparar textos para as aulas. Isso nos demonstra
um manuscrito a respeito do violino, de autoria de um professor
austríaco de São Paulo. Nessa cidade, a vida musical na escola
de Vila Mariana desempenhou sempre um papel relevante e inovativo
com relação ao repertório utilizado, como o demonstra um programa
de concerto realizado, em 1935, a favor do jardim da infância.
Não podemos porém esquecer a atuação de músicos de língua alemã
no ensino musical nas próprias escolas brasileiras. Um vulto de
extraordinária importância foi Martin Braunwieser, responsável
por muitos anos do ensino musical nos parques infantís de São
Paulo. Uma foto dos anos quarenta mostra-o ao piano numa das classes
pré-escolares sob a sua orientação. A respeito dos ideais de caráter
visionário de Martin Braunwieser estamos bem informados; não podemos
deixar porém de salientar que o próprio sistema de parques infantís,
modelar na época para toda a América Latina, representou a realização
de amplas visões educativas.
- 4) O quarto quadro nos introduz a um dos campos de atividades
dos mais importantes na história da contribuição alemã para a
música no Brasil: a do canto coral. Pode-se até mesmo dizer que
a contribuição mais valiosa dada pelos imigrantes alemães para
a vida musical no Brasil consistiu na criação de uma rede de associações
de canto coral. A existência de coros bem constituídos e formados
vocalmente foi pré-condição para o surgimento de obras corais
de autores brasileiros. Coros - sobretudo masculinos - e " Liedertafel"
surgiram em praticamente todas as localidades de colonização de
língua alemã no Espírito Santo, São Paulo, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e Paraná. Representando essas numerosas associações,
vemos na nossa exposição uma fotografia da associação de canto
masculina " Linha Araripe" , de Nova Petrópolis, Rio Grande do
Sul, de 1934. A documentação fotográfica dessas sociedades diz
respeito quase sempre às anuais festas de fundação (" Stiftungsfeste"
), aqui ilustrada por um retrado do " Männerbund" da Colonia Freitag
e da " Concordia" , de Campinas, de 1937. Entre as grandes sociedades
alemãs do Brasil citamos aqui a " Harmonie-Lyra" de Joinville,
cuja importância manifesta-se num retrato de sua sede, e a " Lyra"
do Rio de Janeiro, aqui representada por um texto a respeito de
suas atividades publicado nos anos trinta . A organização supra-regional
por excelência do canto coral alemão no Brasil foi o " Deutscher
Sängerbund Brasilien" , aqui representado por um programa também
dos anos trinta. Já um golpe de olhos superficial neste programa
revela a visão que se tinha na época da função do canto coral
e que não deixava também de ter conotações políticas.
O trabalho associativo das comunidades de língua alemã também
foi de extraordinária importância para o desenvolvimento da música
de câmara no Brasil. Lembramos aqui das sociedades " Germania"
e " Donau" de São Paulo, que colocavam as suas salas à disposição
de artistas e conjuntos que divulgavam obras de compositores contemporâneos
quase que desconhecidos no Brasil. Provas disso oferecem programas
de concertos de fins da década de vinte, assim como uma carta,
em alemão, dirigida a um dos músicos participantes por um dos
ouvintes desses concertos.
- 5) O quadro número cinco é dedicado especialmente às visões que
orientaram o trabalho de duas importantes associações alemãs de
canto coral de São Paulo, o " Frohsinn" e o " Schubert-Chor" .
A primeira sociedade pode ser comparada às numerosas outras entidades
do gênero em várias regiões de colonização alemã do país. Os vários
programas e as fotografias que possuimos dessa associação demonstram
a intensidade de suas atividades. Sobretudo as festas sociais
anuais davam ensejo a apresentações e concertos com artistas convidados.
Na nossa exposição, podemos apreciar os programas originais das
festas dos 20, 22, 23 e 24 anos de fundação, respectivamente em
1933, 1935, 1936 e 1937. O Schubert-Chor, pelo contrário, fundado
em 1923, não era um coro apenas masculino e dedicava-se a um repertório
de maiores ambições artísticas. Sob a direção de Martin Braunwieser,
o Coro Schubert tornou-se um dos melhores corpos corais do Brasil.
Em 1930, possibilitou a realização de obras do Pe. José Maurício
Nunes Garcia por ocasião do centenário de sua morte. Durante a
sua presença em São Paulo, H. Villa-Lobos não apenas tomou conhecimento
do trabalho desse coro como também contou com o seu auxílio na
realização de seus projetos e obras. De particular importância
para o desenvolvimento da criação coral brasileira foi o empenho
do Coro Schubert em executar obras em português. Os ideais - e
as visões - de certos coros austríacos da década de vinte influenciaram
este empenho dessa associação paulista, como é demonstrado nos
recortes de jornais apresentados na exposição.
- 6) O sexto quadro prossegue apresentando documentos relativos
à vida coral das comunidades de vida alemã de São Paulo, especialmente
à da grande sociedade masculina de canto " Lyra" . Os retratos
de suas várias sedes sociais, no central Largo do Paissandú, de
1905 a 1925, no edifício provisório (até 1934) e no definitivo,
na Rua São Joaquim, ilustram o extraordinário crescimento dessa
entidade nas primeiras décadas do século. Programas e críticas
documentam a inauguração do edifício novo e os festejos pela passagem
dos 50 anos de existência dessa entidade, em 1934. A construção
desse prédio - um dos maiores do Brasil do gênero - representou
a concretização de um antigo sonho, visualizado há muito por membros
da comunidade alemã, como Rudolf Nau e Max Sparsbrod, cujas biografias
podem ser lidas na nossa exposição. O programa dos festejos do
55° aniversário da " Lyra" , em 1939, já demonstra a nova situação
política que atingiu as associações de língua alemãno Brasil e
determinou duvidosas mudanças de " visão" e de repertório musical.
- 7) O próximo quadro refere-se à influência exercida por visões
de músicos de língua alemã na criação artística de compositores
brasileiros e na pesquisa musical no país. Uma dessas visões diz
respeito ao cultivo do canto em língua " nacional" . Para os alemães
e austríacos, o cantar em alemão era uma prática óbvia, indispensável
à sociabilidade, ao estabelecimento e à manutenção de elos comunitários
e até mesmo à própria alegria de viver. Esta consciência tinham-na
trazido de seus países natais e aplicavam-na no Brasil, onde as
sociedades corais permitiam-lhes manter elos culturais e sentimentais
com as antigas pátrias. Com a integração gradativa na vida musical
brasileira, os regentes e os participantes desses coros constataram
a inexistência de uma similar prática coral em vernáculo por parte
dos brasileiros. Também com o intuito de melhor aprender a língua
do país - e o canto representa aqui um ótimo meio de aprendizagem
- passaram a incentivar a criação musical em língua nacional.
Alguns dos documentos apresentados ilustram essa curiosa contribuição
dos alemães e austríacos para a música brasileira. Eles se referem
à apresentação, pelo Schubert-Chor de São Paulo de melodias folclóricas
colhidas por Mário de Andrade no Nordeste e harmonizadas por Arthur
Pereira, assim como o papel importante desempenhado por Martin
Braunwieser na idealização e realização do Primeiro Congresso
de Língua Nacional Cantada, em 1936, cujo programa original pode
ser aqui visto. Quanto à investigação musical, cumpre salientar
também a participação do mesmo Martin Braunwieser como especialista
musical na Missão de Pesquisas enviada pelo Departamento de Cultura
de São Paulo ao Nordeste do Brasil, em 1938. Na exposição apresenta-se
a dispensa de serviço a ele concedida pelo Município de São Paulo
para essa finalidade, além de várias fotos originais tiradas no
decorrer da expedição, no Nordeste, salientando-se aqueles que
documentam o Praiá em Pernambuco. Aliás, um dos mais valiosos
documentos desta exposição é o caderno de campo com as transcrições
musicais realizadas e que bem documentam a questão do " retratar"
graficamente a música ouvida em vivo. Por fim, apresenta-se o
roteiro original criado, com base nas pesquisas realizadas no
Nordeste, de um Reisado para ser executado nas escolas de São
Paulo, de 1939.
- 8) O quadro número oito apresenta a contribuição alemã na transmissão
de novas obras, novas correntes estéticas e de novas perspectivas
na consideração do passado musical. Primeiramente deve-se recordar
que os músicos e as organizações de língua alemã contribuiram
fundamentalmente para a difusão de obras de compositores do próprio
mundo alemão no Brasil, entre os quais Mozart, Haydn, Beethoven
e Bach. É verdade que compositores da Europa Central do século
XVIII, por exemplo aqueles da Escola de Mannheim, já eram conhecidos
no Brasil colonial e que Sigismund Ritter von Neukomm muito se
empenhou na propagação de obras de Mozart e Haydn no Brasil-Reino.
Foi porém só nos anos vinte e trinta do nosso século que se fizeram
grandes esforços no sentido de divulgar as composições dos grandes
compositores clássicos e esses esforços correspondiam a uma visão
quase que religioso-filosófica do alto grau humano e espiritual
representado naquelas obras. Na exposição, vemos significativamente
programas e críticas da primeira audição, em 1933, da " Criação"
de Haydn em tradução portuguesa. Também a descoberta de Bach no
Brasil foi um reflexo, um tanto tardio, do grande movimento de
redescoberta de Bach na Europa e em outros países latino-americanos,
tais como Chile e Argentina. Esse movimento levou à fundação da
Sociedade Bach de São Paulo, de cujo trabalho de décadas podemos
ver alguns documentos originais, e, em geral, à consideração da
música antiga européia nos programas de concertos no Brasil. Não
podemos esquecer que também esse movimento foi vinculado a visões
de natureza filosófica e espiritual de personalidades tais como
Bernhard Paumgartner e, sobretudo, Albert Schweizer. Como vemos
dos programas apresentados, a Sociedade Bach de São Paulo organizou
também conferências de eruditos e musicólogos, tais como Ernst
Mehlich e Kurt Pahlen que, através seus escritos publicados no
Europa, determinaram por décadas a imagem musical do Brasil no
Exterior. Quanto à difusão da música contemporânea, podemos apreciar
programas originais da apresentação em primeira audição de obras
de Hindemith e Strawinsky em São Paulo, em 1928 e 1929, além de
documentos referentes ao Movimento Música Viva encabeçado por
H.J. Koellreutter. Alguns jornais documentam a intensa atividade
da sociedade Pró-Arte de São Paulo, da Pró-Arte de Piracicaba
e da Pró-Arte do Rio de Janeiro. Em particular salienta-se o extraordinário
trabalho desenvolvido por Ernst Mahle em Piracicaba.
- 9) O próximo quadro diz respeito à música sacra evangélica nas
comunidades de língua alemã. Num país de formação católica, como
o Brasil, a história da música no âmbito do Protestantismo está
intimamente relacionada com a história da imigração alemã. O cultivo
do canto em alemão, ou seja, em vernáculo do país da Reformação,
representava uma tradição enraizada na vida religiosa e servia
não apenas ao culto como também à manutenção do idioma alemão
entre as gerações já nascidas no Brasil. Os programas expostos
documentam a realização de um concerto com obras sacras de várias
épocas em língua alemã na Igreja Evangélica de São Paulo, em 1930,
e de um concerto espiritual de Sexta-Feira Santa na mesma igreja,
em 1931. Por esse motivo, o canto de igreja evangélico foi um
instrumento poderoso de conservação de identidade cultural. É
compreensível, portanto, que sentimentos nacionais e de consciência
do " Deutschtum" se mantivessem particularmente vivos no seio
da comunidade evangélica. Tal fato é documentado pelos relatos
de jornais a respeito de uma solenidade em memória dos soldados
alemães da Primeira Grande Guerra e de uma cerimônia matutina
por ocasião do " Dia de Honra do Trabalho" na Igreja Evangélica
de São Paulo, em 1937.
- 10) O décimo quadro diz respeito à influência alemã na música
sacra católica. Essa influência não era recente, uma vez que já
no período colonial e no Império se conheciam obras de compositores
da Europa Central no Brasil. Lembremos que o último mestre da
Capela Imperial do Brasil, H. Bussmayer, provinha de Braunschweig.
Uma ação verdadeiramente profunda e ampla de visões alemães daquilo
que deveria ser a música litúrgica iniciou-se porém com a repopulação
dos conventos brasileiros com religiosos provindos da Alemanha
após a proclamação da República e vinculou-se estreitamente aos
esforços de reforma da música sacra tornados oficiais após o Motu
proprio de Pio X, em 1903. As abadias beneditinas do Brasil tornaram-se
centros de cultivo do Canto Gregoriano, seguindo sobretudo práticas
de execução de mosteiros alemães, sobretudo do de Beuron. Ao lado
de uma fotografia do Mosteiro Beneditino de São Paulo, construido
segundo planos de um arquiteto de Munique, vemos uma composição
em homenagem ao abade D.M. Kruse, de autoria do franciscano B.
Röwer. Os franciscanos foram os maiores propagadores do Cecilianismo
na tradição de Ratisbona no Brasil. Petrópolis transformou-se
no principal centro de irradiação das idéias cecilianistas, sobretudo
através da revista " Música Sacra" e da impressão de composições
de religiosos estrangeiros atuantes no país. Na nossa exposição
vemos jornais originais com artigos a respeito de Pedro Sinzig
e uma relação impressa nos anos quarenta das obras de compositores
franciscanos de origem alemã atuantes no Brasil, o que demonstra
a extraordinária atividade criadora desses religiosos. Esse repertório
sacro-musical, formado a partir de uma visão litúrgico-musical
enraizada na tradição alemã, foi abandonado sobretudo após o Concílio
Vaticano II e está hoje totalmente caído no esquecimento.
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