Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 66 (2000: 4)


 

Congresso Internacional Brasil-Europa 500 Anos
Internationaler Kongreß Brasil-Europa 500 Jahre

MÚSICA E VISÕES
MUSIK UND VISIONEN

Colonia, 3 a 7 de setembro de 1999
Köln, 3. bis 7. September 1999

Sob o patrocínio da Embaixada da República Federativa do Brasil
Unter der Schirmherrschaft der Botschaft der Föderativen Republik Brasilien

Akademie Brasil-Europa
ISMPS/IBEM

Pres. Dr. A. A. Bispo- Dir. Dr. H. Hülskath

em cooperação com/in Zusammenarbeit mit:

Deutsche Welle
Musikwissenschaftliches Institut der Universität zu Köln
Institut für hymnologische und musikethnologische Studien

 

VISÕES E PERSPECTIVAS DE INVESTIGAÇÃO DA MÚSICA E PERSONALIDADE DE MARCOS PORTUGAL (1762-1830)

Bárbara Villa Lobos
Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical
Universidade Nova de Lisboa

 

MARCOS PORTUGAL IN BRASILIEN: EINIGE PERSPEKTIVEN

Thema des Beitrags sind die verschiedenen Bilder und Perspektiven in der Erforschung der Musik und der Gestalt von Marcos Portugal (1762-1830). Ende 1807 floh die portugiesische königliche Familie vor den napoleonischen Heeren nach Brasilien. Rio de Janeiro wurde zur Hauptstadt eines Weltreiches. Erst vier Jahre später kam der renommierteste Komponist Portugals der Zeit, Marcos Antonio Portugal, nach Brasilien, was vielleicht darauf hindeutet, daß er sich mit den Besetzern zeitweilig arrangierte. In Brasilien übernahm er sofort die höchsten Ämter im Hof, die bestens honoriert wurden. Trotz dieser Bedeutung von Marcos Portugal in Brasilien werden ihm und seinen Werken kaum Studien gewidmet, obwohl es an Quellen nicht mangelt. Immer wieder findet sich in einer romantisch geprägten Historiographie Portugals der Hinweis, der Komponist stelle die größte Gestalt der Musik Portugals dar, die das Land im Ausland glänzend vertrat. Das Problem der Wertung der Werke von Marcos Portugal im Vergleich zu denen des Brasilianers José Maurício ist z.T. darin zu sehen, daß Marcos Portugal sich einem italienisch geprägten, älteren Stil verplichtet fühlte, während sich José Maurício u.a. durch die Vermittlung von Sigismund von Neukomm eher den neueren Strömungen des deutschsprachigen Raumes öffnete. Bei der Erwähnung dieser Opposition zwischen beiden Komponisten wird auch stets auf den überheblichen Charakter von Marcos Portugal hingewiesen. Nach den Untersuchungen von Briefen von Zeitgenossen scheint die Hervorhebung dieser negativen Eingenschaften der Persönlichkeit von Marcos Portugal nicht unbegründet zu sein. Auch die erhobenen Vorwürfe über Plagiate sollten näher untersucht werden. Ein Teil der portugiesischen Musikwissenschaftler, wie Lopes Graça und João de Freitas Branco, haben bereits versucht, die Gestalt Marcos Portugals als "portugiesischer Held" zu demystifizieren. In diesem Kontext, der von Polemiken gekennzeichnet ist, scheint es dringend nötig zu sein, von den Partituren selbst auszugehen, sie methodisch und mit aktualisierten theoretischen Modellen zu untersuchen, um die Rolle dieses portugiesischen Komponisten, der als Brasilianer starb und somit eine Brücke zwische Portugal und Brasilien schlug, besser einschätzen zu können.

A.A.B.

 

Em finais de 1807, com o exército de Napoleão à porta, a família real portuguesa parte para um exílio forçado na colónia brasileira arrastando consigo um séquito monumental e fazendo do vice-reinado do Rio de Janeiro a capital do reino. A instalação da corte nesta cidade insufla-lhe uma nova vitalidade e dinamismo, motivando um crescendo em todas as suas vertentes, entre as quais, naturalmente se encontra a musical que, apesar de já contar com uma actividade constante a nível teatral e religioso, passa a ter ainda que sustentar os exigentes serviços musicais de que a corte do futuro D. João VI necessitava.

Contudo, entre a ida do séquito real e a ida do compositor português de maior relevo na Lisboa de então, Marcos Portugal, existe um desfasamento de quatro anos que permanece e provavelmente permanecerá por explicar por incontornável ausência de fontes. Todavia, tal como alerta Sarrautte (1979), a permanência deste autor em Portugal e o seu aparente - mas não comprovado -colaboracionismo com os franceses que o leva a manter o teatro de São Carlos em funcionamento revendo inclusive, em 1808, para a comemoração do aniversário de Napoleão, o seu Demofoonte composto em 1794, não parecem ter sido causa de atritos.

Com efeito. Marcos Portugal chega ao Rio de Janeiro assumindo de imediato os mais altos cargos para a música (mestre da música de Suas Altezas Reais; inspector e director dos teatros públicos da corte; mestre da capela real) com uma remuneração excelente (cerca de 190 mil réis mensais) (Sarrautte, 1979), mantendo assim o estatuto social de que já gozava em Lisboa.

Porém, não obstante ter sido um figura de primeiríssimo plano, a actividade e a música de Marcos Portugal no Brasil continuam ainda hoje pautadas pela ausência de estudos, o que aliás sucede também com a sua restante produção. Deste modo, dado o contexto do presente Congresso, podemos partir da estada de Marcos Portugal no Brasil para sintetizar alguns dos problemas que se colocam em termos gerais, das visões históricas e culturais de que o seu trabalho e a sua personalidade têm sido alvo e enfatizar alguns pontos que teria interesse abordar não apenas no caso brasileiro mas genericamente para este compositor.

A ausência global de trabalhos, pelo menos por parte dos musicólogos portugueses e brasileiros, toma-se ainda mais surpreendente se considerarmos as fontes musicais existentes nos respectivos países, sobretudo em Portugal. De facto, se é verdade que existe uma dispersão das suas partituras, excertos de obras (nomeadamente de óperas) e libretos, que se podem encontrar em quase todos os países da Europa ocidental e nos Estados Unidos e muitos dos quais são documentos únicos; por outro lado, a quantidade de partituras completas, em particular de música religiosa (justamente aquela a que Marcos Portugal mais se dedicou durante o período brasileiro) que se podem encontrar seja no Arquivo do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro e Biblioteca Nacional da mesma cidade do Brasil, seja nas Bibliotecas da Ajuda e Nacional em Lisboa, na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra ou na do Paço Ducal de Vila Viçosa, apenas para citar as mais importantes em Portugal, justificariam por si só uma análise mais detalhada, sendo de referir, a este propósito, que muitas das obras do período brasileiro parecem ser, segundo apurou Sarrautte (1979) adaptações de obras escritas para Mafra.

É evidente, porém, que a este panorama não é estranha a precária situação da investigação musicológica em Portugal que até muito recentemente, como refere Manuel Carlos de Brito, tem em grande parte "vivido dos esforços individuais de alguns poucos entusiastas, nem todos devidamente apetrechados com a preparação científica necessária para essa tarefa, quase todos à margem do suporte académico de uma instituição universitária“. (Brito, 1989: 16). Sem embargo, se o suporte académico tem vindo a ser reforçado e actualizado por novas gerações de investigadores, o estudo dos séculos XVIII a XX tem sido objecto de menor interesse por parte dos mesmos formando-se aí uma verdadeira lacuna.

É esta lacuna que pretende colmatar o recém criado CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical) coordenado pelo Professor Doutor Mário Vieira de Carvalho e sediado na F.C.S.H. da Universidade Nova de Lisboa, unidade de investigação que assumiu em finais de 1997 o projecto "Investigação. Edição e Estudos Críticos de Música Portuguesa dos Séculos XVIII a XX“, no âmbito de um protocolo celebrado com a Fundação para a Ciência e a Tecnologia e na qualo meu trabalho de pesquisa sobre Marcos Portugal se inclui. Este trabalho compreende, numa primeira fase, o preenchimento de uma base de dados co-relacional que está a ser criada pelos investigadores do centro para toda a música portuguesa do período referido com o objectivo de concentrar toda a informação (fontes incluídas) sobre os vários compositores, obras e seus detalhes, texto, documentos, bibliografia, instituições, intérpretes e musicólogos numa perspectiva dinâmica e permanentemente actualizável de forma a facilitar a investigação pelo constante cruzamento de dados.

Deste modo, espera-se poder superar o estádio de informação fragmentada e dispersa que nos chega sobre este compositor (e, naturalmente, sobre todos os outros), insuficiente para a compreensão da dimensão real da sua importância e do seu papel na música portuguesa e internacional, ultrapassando lugares comuns e visões redutoras.

Um destes lugares comuns com o qual nos deparamos com frequência é o de Marcos Portugal ser em larga medida considerado como uma espécie de "glória nacional“ (para o que, curiosamente, também contribui quase que de maneira inconsciente o seu apelido "Portugal“ que, ao ser homónimo do seu país reforça uma identificação). Este pressuposto tem sido veiculado sobretudo por uma bibliografia de cariz romântico e algo nacionalista datada essencialmente, mas não só, do século XIX (Ivo Cruz, 1987), mas também por trabalhos mais rigorosos como o de António Carvalhais (1910) e encontra-se alicerçado não apenas no seu estatuto de músico ligado à corte, mas sobretudo na larga permanência em cartaz de - note-se - apenas algumas das suas óperas cómicas, e ainda da citação de alguns autores chave da literatura europeia, como por exemplo Stendhal (Sarrautte, 1979), como se a quantidade da produção e de representação e algumas citações fossem necessariamente sinónimo de qualidade musical.

Para que não se caia então nesta afirmação sumária de que Marcos Portugal foi o "grande“ compositor português por ter projectado o nosso país no estrangeiro, afirmação de resto questionável ainda pelo facto de que as características da sua música projectavam menos a música portuguesa do que a italiana, afigura-se-me necessário um trabalho de avaliação sobre a frequência da representação das suas obras, que tipo de obras, em que locais, contexto e por quem. Com efeito, do ponto de vista português, a quantidade de representações das suas óperas fazem dele, sem dúvida o compositor mais representado no estrangeiro e, se somarmos a em oposição dialéctica ao padre José Maurício, um personagem particular na música brasileira da transição do século XVIII para o XIX, considerado mais aberto, pronto a assimilar precisamente o filão da música germânica veiculada entre outros, através da estadia de Sigismond Neukomm no Brasil e a disseminar a mesma através da promoção da audição de obras de Haydn e Mozart (Azevedo, 1959) e, portanto, implícita e positivisticamente mais "avançado“ em relação ao gosto italianizante "antiquado“ representado pelo compositor português (Sarraute, 1979: 147), numa perspectiva que nega à partida a autonomia estética, social e cultural da música italiana que Marcos Portugal escrevia.

Parece-me porém importante não reduzir o problema de Marcos Portugal meramente à necessidade da autonomia estética da música italiana e ao seu contexto de recepção, em particular da ópera, com respeito à música germânica, porque insistir demasiado na " ideia de que a ópera italiana e a tradição musical alemã são culturas diferentes, cada uma válida segundo os seus próprios princípios [pode ser] perigosa porque lança dúvidas sobre a possibilidade [e um eventual interesse] de determinar, para além de muitas diferenças óbvias, as semelhanças e permutas entre elas“ (Delia Seta, 1998: 7) correndo o perigo de incorrer na "incontemporaneidade do contemporâneo“ (Delia Seta, 1998: 7) e de perder elementos que sejam importantes para o estudo, a critica textual e para uma percepção global da música europeia.

Mas se a discussão quase obrigatória da oposição José Maurício/ Marcos Portugal é problemática e discutível, já o frequente enquadramento do primeiro como vítima da personalidade arrogante, ambiciosa e exclusivista, do segundo que se acentua como forma de garantir o monopólio de funções e os subsequentes rendimentos que este detinha no Rio de Janeiro, parece bastante mais credível, dado que a este propósito existem um conjunto de testemunhos, a grande maioria do período brasileiro que, mesmo sendo francamente reduzidos, são convergentes. Destes destacam-se uma citação do Allgemeine Musikalische Zeítung eventualmente de Neukomm, sobre como Marcos parece reagir mal à actividade e iniciativas de outros colegas (Azevedo, 1959) e, o mais interessante de todos, constituído por algumas das cartas escritas por Luís Joaquim dos Santos Marrocos, encarregado da Biblioteca Real do Rio de Janeiro ao seu pai, bibliotecário da Ajuda em Lisboa que consistem num dos poucos testemunhos pessoais sobre o compositor português (Marrocos, 1811-1817). Tendo viajado para o Rio de Janeiro em 1811, sensivelmente na mesma altura que Marcos, Santos Marrocos deixou um espólio espistolar cujos originais se encontram na Biblioteca da Ajuda em Lisboa e de cujo acervo, constituído por 186 cartas escritas entre 1811 e 1821, apenas 5 (cartas n° 8, 25, 26, 29 e 54) se referem directamente e na maioria desfavoravelmente ao compositor português, o que levou às acusações de invejoso por parte de alguns autores, como Ivo Cruz (1987) ou Sarrautte (1979).

Porém, penso que as cartas de Santos Marrocos não se podem reduzir simplesmente a essa ilação. Se é verdade que em muitas deixa transparecer o seu aborrecimento pela ausência de um vencimento adequado ao seu trabalho (carta n° 25), e que as constantes referências à remuneração de Marcos Portugal e dos seus cargos podem ser indicadores de uma preocupação financeira; o conjunto global do seu epistolário, bastante detalhado em relação aos mais variados assuntos, permite concluir que, não obstante algum calor e antipatia em relação ao músico, as suas descrições contêm elementos bastante credíveis sobre o mesmo, assim como sobre a vida musical da cidade.

Um dos factores que alicerça essa credibilidade é, no meu entender, o facto de as primeiras cartas que mencionam o compositor (cartas n° 8 e 25) apresentarem um tom bastante neutral que emprega em inúmeras outras, e que parecem, por conseguinte limitar-se a relatar factos. É, porém na sequência de um incidente relatado na carta 26, associado a uma alegada tentativa para destituir Santos Marrocos do cargo que ocupava e em relação ao qual Marcos Portugal teceu um infeliz comentário, que o tom em relação ao músico entra num crescendo para passar transpirar rancor e antipatia.

É neste contexto que ficamos a saber que, aparentemente, Marcos Portugal estaria interessado em adquirir um título nobiliárquico, mas que dificilmente o obteria tal como se conclui da ironia de Marrocos na sua carta 26 ao apelidá-lo de "candidato na fidalguia pela escala de Dó, Ré, Mi“, facto que poderá explicar, eventualmente, a sua adopção do apelido de "Fonseca Portugal“, obtido do seu padrinho quando tinha cerca de 20 anos ainda em Lisboa. Assim, em vez de assinar o seu trabalho como Marcos António (não tenho conhecimento de que alguma vez tenha usado o apelido Paterno "Ascenção“), passou a assinar como Marcos António da Fonseca Portugal ou apenas Marcos Portugal. Esta questão, que parece ser indicadora de um complexo de inferioridade, poderá eventualmente explicar certas opções de escrita musical, usadas como forma de garantir uma determinada ascenção e proeminência social; e poderia explicar, por outro lado, os aspectos da sua personalidade atrás descritos.

Dignas de muito interesse são igualmente as indicações de que plagiava (carta 54) obras de outros autores e as apresentava como suas e ainda que possuía uma clientela privada (cartas 29 e 54), juntamente com o seu irmão, o único músico por si promovido, para a qual escrevia, pelo menos, pequenas árias e eventualmente modinhas pelas quais, em alguns casos, era principescamente remunerado, como na ocasião em que recebeu doze dúzias de garrafas de champagne e outras tantas de vinho do porto por uma única ária (carta 29).

As cartas de Marrocos do período brasileiro dão-nos então não apenas informações importantes como indicações de áreas a explorar, como a ideia de um circuito de obras paralelo à escrita oficial de música teatral e religiosa, quais as suas motivações destinatários e consequências, qual o respectivo volume em circulação proporcionalmente às obras completas e de que maneira é que tal se pode extrapolar para a restante produção do autor na Europa, partindo, para o efeito, da análise dos excertos de obras dispersos pelas bibliotecas mundiais.

A questão dos alegados plágios também mereceria uma avaliação mais profunda, porque se adequa a uma personalidade oportunista tal como parece ser a deste autor, sendo aqui igualmente necessário avaliar as possibilidades de extrapolação para a restante produção do compositor, embora também à luz das convenções e do relativismo do conceito de autoria para a música italiana, uma vez que os pastiches, permutas e adaptações eram habituais neste contexto.

Contudo, dado que "a dialéctica entre convenção e inovação é fundamental para todas as culturas " e "insistir demasiado no convencionalismo da ópera italiana pode levar a subestimar os elementos de individualidade que eram típicos de alguns compositores (Delia Seta: 1998, 6)“, importará também determinar na música de Marcos Portugal - para além das flutuações desses "convencionalismos“ num contexto mais vasto que englobe o complexo conjunto de factores que determinam um autor e uma obra e que, por sua vez ^ são igualmente determinados por ela - o que é que lhe é particular; de que maneira este compositor segue apenas convenções e tendências, se é motor de algumas destas últimas ou ambas as coisas ou ainda se, dentro de um panorama bastante coerente, escreve alguma coisa que fuja a esse âmbito e porquê. sua música religiosa, terá sido, em termos estatísticos puros, o compositor português alguma vez mais representado. Porém, existem sérias probabilidades de, ao fazermos um estudo integrado no panorama da ópera italiana, verificarmos que, não obstante a sua inegável importância no meio, Marcos Portugal será um entre muitos mais outros compositores de ópera que alimentam um mercado dinâmico e sedento deste tipo de espectáculo, o que relativizaria aquela ideia.

Por seu turno, uma facção da musicologia portuguesa na qual se incluem autores como Lopes Graça (1944) ou João de Freitas Branco (1995) que, embora tenha o mérito, de certa maneira, de desmistificar a figura de Marcos Portugal como o tal herói nacional e como genuíno e máximo representante da música portuguesa, abordam o seu estatuto e a sua música por oposição a um desenvolvimento, em países como a França, a Alemanha ou a Inglaterra, da música instrumental, suportada pela difusão das salas de concertos, mas da qual a música de Marcos Portugal se destaca na sua essência. De facto, os traços da música italiana, em particular da ópera, que assume uma particular importância no caso do autor em questão, chocam "com a ideia clássico-romântica da criação artística. São, com efeito, escassamente compatíveis com conceitos profundamente enraizados tais como os da autoria, inspiração única, organicidade e carácter arquitectónico do trabalho artístico. Esta situação pode ter encorajado nos historiadores uma ideia implícita de moralidade artística difícil de localizar na ópera italiana.“ (Delia Seta, 1998)

Portanto, para além dos já mencionados problemas que concernem a investigação no nosso país, a música de Marcos Portugal parece não ter sido estudada de forma isenta e terá sido inclusive votada ao ostracismo pelo facto- de este autor ter escrito uma música que tem ao longo dos últimos anos sido considerada como hierarquicamente inferior, por uma alegada falta de originalidade e desactualização em relação a uma cultura sentida como superior (Lopes Graça considera este músico como um mero epígono da música italiana galante e superficial - Lopes Graça, 1944), com excepção natural da musicologia italiana, que, nos estudos das últimas décadas o aborda num contexto mais vasto e objectivo e como produto de uma sociedade e cultura específicas (Bianconi, 1988; 1993) (Delia Seta, 1998).

Esta questão adquire contornos bastante interessantes na abordagem feita ao compositor no contexto brasileiro, tanto por estudiosos e musicólogos brasileiros como por estrangeiros (mas sobretudo pêlos primeiros), pois é feita quase sempre. É portanto premente o trabalho sobre as partituras e sobre os libretos porque será essencialmente este que, suportado por métodos e modelos teóricos actualizados, permitirá perspectivar mais correctamente o papel desempenhado por Marcos Portugal, cidadão português que, ao terminar os seus dias como cidadão brasileiro, realiza uma verdadeira ponte entre a música da europa e a música no Brasil. As hipóteses são muitas e em aberto.
Nota: Este trabalho foi realizado no âmbito do projecto "Investigação. Edição e Estudos Críticos de Música Portuguesa dos Séculos XVIII a XX“ do CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), Lisboa, 1999.

Fontes Manuscritas:

Marrocos, Luís Joaquim dos Santos, Cartas para seu pai, Francisco José dos Santos Marrocos), 1811-21, Rio de Janeiro, Biblioteca da Ajuda, 54-VI-12/8 (29 de Outubro de 1811); 54-VI-12/25 (26 de Junho de 1812); 54-VI-12/26 (3 de Julho de 1812); 54-VI-12/29 (7 de Outubro de 1812); 54-VI-12/54 (28 de Setembro de 1812).

 

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Texto sem notas, bibliografia, exemplos musicais e ilustrações.
Artigos completos nos Anais do Congresso "Brasil-Europa 500 Anos: Música e Visões".

Text ohne Anmerkungen, Bibliographie, Notenbeispiele und Illustrationen.
Vollständige Beiträge im Kongressbericht "Brasil-Europa 500 Jahre: Musik und Visionen".

 

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