Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 66 (2000: 4)


 

Congresso Internacional Brasil-Europa 500 Anos
Internationaler Kongreß Brasil-Europa 500 Jahre

MÚSICA E VISÕES
MUSIK UND VISIONEN

Colonia, 3 a 7 de setembro de 1999
Köln, 3. bis 7. September 1999

Sob o patrocínio da Embaixada da República Federativa do Brasil
Unter der Schirmherrschaft der Botschaft der Föderativen Republik Brasilien

Akademie Brasil-Europa
ISMPS/IBEM

Pres. Dr. A. A. Bispo- Dir. Dr. H. Hülskath

em cooperação com/in Zusammenarbeit mit:

Deutsche Welle
Musikwissenschaftliches Institut der Universität zu Köln
Institut für hymnologische und musikethnologische Studien

 

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DAS RELAÇÕES MUSICAIS ENTRE COIMBRA E O BRASIL

Maria do Amparo Carvas Monteiro
Escola Superior de Educação/Instituto Politécnico de Coimbra

 

BEZIEHUNGEN ZWISCHEN BRASILIEN UND COIMBRA

Seit der Gründung der portugiesischen Universität ist die Musik ein fester Bestandteil des akademischen Lebens. Die Verlegung der Universität von Lissabon nach Coimbra im Jahre 1537 erfolgte in einer Zeit starker kolonialer Expansion und der Blüte des Humanismus. Seitdem erlebte die Musik in Lehre und Praxis eine ständige Entwicklung, die auch mit der Kolonisation neuer Erdteile zusammenhing, da Studenten aus allen Teilen der Welt nach Coimbra kamen. Von dort nahmen sie Erfahrungen und Impulse mit, die in ihren Ländern fruchtbar wurden. Brasilien nahm sicherlich am meisten an diesem Kulturaustausch teil. So erhielten zahlreiche brasilianische Studenten ihre Hochschulausbildung in Coimbra und nahmen dort auch am akademischen Musikleben teil. Akademische Musikgruppen sind auch mehrfach nach Brasilien gereist. Einige Aspekte sind hervorzuheben: die Musik im Leben der brasilianischen Studenten in Coimbra, der Orfeon Acadêmico und der Fado von Coimbra. 3012 Brasilianer studierten zwischen 1577 und 1910 in Coimbra, vor allem aus Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco und Rio Grande do Sul. Unter ihnen waren mehrere, die sich als Musiker hervortaten, u.a. Alexandre Augusto de Rezende Mendes, geboren 1896 in Campinas, der sich auch als Komponist von Fados einen Namen machte. Ebenfalls zu nennen ist Lucas Rodrigues Junot aus Santos, einer der wichtigsten Förderer der von ihm 1947 gegründeten Tertúlia Académica von São Paulo. Die Vereinigung ehemaliger Studenten aus Coimbra in Brasilien ließ für ihm in Coimbra 1970 eine Gedenktafel errichten. Der 1880 gegründete Orfeón Académico de Coimbra wird im Kontext des Aufkommens liberaler und republikanischer Strömungen in Portugal dargestellt. 1954 besuchte der Orfeon Brasilien, wo er sich in zahlreichen Städten vorstellte. Seit 1996 unter Leitung von Edgar Fernando Saramago Monteiro, hat der Orfeon 1998 erneut São Paulo, Ribeirão Preto und Rio de Janeiro besucht. Eine besondere Aufmerksamkeit ist dem Fado von Coimbra gewidmet, der auch als Serenata, Canção oder Fado-Serenata bekannt ist. Brasilien trug in bedeutender Weise zur Geschichte der Serenata de Coimbra durch Studenten bei, die auch Sänger, Instrumentalisten und Komponisten waren.

 

Introdução

Desde a fundação da Universidade Portuguesa, a Música tem sido uma constante na vivência da sua comunidade escolar.

A transferência definitiva da Universidade de Lisboa para Coimbra, em 1537, ocorreu num período de forte implantação colonial e, por outro lado, num tempo de florescente humanismo que, vindo da Europa, rompendo fronteiras, aportou a Portugal, influenciando cultural e artisticamente a vida do País e irradiando para os novos territórios.

Desde então, a Música (tal como as restantes artes) sofreu profunda evolução, nos seus aspectos científicos e didácticos e seguramente também no contexto da ludicidade que lhe está ligada.

É neste contexto que aqui se aborda a vivência musical da comunidade académica de Coimbra.

Para o tema em apreço, importa salientar dois aspectos: o primeiro está ligado à colonização dos novos territórios, onde o crescimento populacional e a crescente complexidade organizacional evidenciaram a necessidade de se dotarem de quadros superiores, com instrução ao mais alto nível existente na Metrópole portuguesa, isto é, o ensino universitário; o segundo consiste no facto de, durante vários séculos, confluírem predominantemente para Coimbra estudantes de todas as regiões portuguesas e outros provenientes dos territórios ultramarinos, os quais com sua cultura trouxeram a esta academia o seu contributo, levando de volta influências dinamizadoras que germinaram e frutificaram na sua terra natal.

Neste contexto, o Brasil foi seguramente aquele que mais fortemente participou nesse intercâmbio cultural, no qual a Música necessariamente se integra.

Assim, muitos escolares brasileiros fizeram a sua formação superior em Coimbra, participando activamente na vivência cultural académica e por vezes também na Música cultivada no seu meio. Por outro lado, muitas têm sido as deslocações de grupos académicos de natureza artístico-musical, a terras brasileiras.

O presente trabalho (com as limitações a que o tempo disponível nos obriga) visa apresentar uma síntese de alguns aspectos que se revestem de maior importâcia para a temática proposta: estudantes brasileiros em Coimbra, o Orfeon Académico e o Fado de Coimbra.

Estudantes brasileiros em Coimbra

Segundo Alberto Lamy "Desde 1537 a 1940 estudaram na Universidade de Coimbra cerca de 3.140 brasileiros, na maioria baianos, cariocas e pernambucanos".

Do estudo e levantamento efectuado relativamente ao número de alunos nascidos no Brasil, que constam dos Livros de Matrículas da Universidade de Coimbra, desde 1577 a 1910 (período ora estudado), contam-se 2968, dos quais 18 no século XVI, 353 no século XVII, 1752 no seguinte, 817 no XIX e, apenas 28 alunos século XX, desde 1901 até à implantação da República Portuguesa.

Houve no entanto 44 escolares que não entraram nesta estatística, pelo facto de os seus nomes apenas figurarem nos Livros de Actos e Graus, sendo a sua maioria baianos e cariocas: 17 da Baía; 11 do Rio de Janeiro; 4 Pernambucanos; 2 de Porto Alegre; 1 do Maranhão; 1 do Ceará; 1 de Olinda; 1 de Mariana; 1de Belém; 1 do Pará; 1 da Capitania do Espírito Santo e 13 que não apresentam qualquer referência específica à terra natal, possuindo apenas a indicação do país.

Do exposto resulta um total de 3012 alunos brasileiros nesta Universidade, no referido período de 1577 a 1910.

Lembremos alguns deles.

O Padre jesuíta Bartolomeu Lourenço de Gusmão nasceu em 1685, em Santos e faleceu em Toledo em 1724. Matriculou-se na Faculdade de Cânones no dia 1 de Dezembro de 1708, com o nome de Bartolomeu Lourenço, tendo-se formado e licenciado em Cânones no dia 25 de Junho de 1720, já com o nome de Bartolomeu Lourenço de Gusmão. Foi nomeado Lente de prima de Matemática, pelo rei D. João V, com 600$000 reis de renda, mas é incerto se tal concessão se concretizou.

Francisco de Melo Franco nasceu em 1757, em Minas de Paracatu, Pernambuco. Preso pela Inquisição e acusado de heresia, naturalista e deísta, obteve, por aviso régio de 29 de Agosto de 1782, permissão para completar o curso de Medicina, o que veio a acontecer em 10 de Julho de 1786. Em 1817, por ordem de D. João VI, foi chamado para acompanhar ao Brasil a arquiduquesa D. Maria Leopoldina, destinada esposa do príncipe real. Foi médico honorário da Câmara Real e sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa. Escreveu a célebre sátira "Reino da Estupidez", poema herói-cómico em quatro actos, no qual ridicularizou o ensino universitário. Este poema - em que se diz ter tido parte José Bonifácio de Andrada e Silva - foi composto em Coimbra, em 1785. Os verdadeiros autores tiveram arte para se ocultarem, de tal modo que ninguém desconfiava, enquanto que outros inocentes no caso, sofreram todo o tipo de desgostos e perseguições oficiais, promovidas pelo corpo catedrático que se julgou ofendido.

António Gonçalves Dias nasceu no Maranhão em 1823 e faleceu em 1864. Em 1838, viajou para Coimbra matriculando-se no Colégio das Artes. Em Junho de 1844, ficou aprovado, nemine discrepante, no seu exame e recebeu o grau de bacharel em Direito.

A propósito da sua estadia em Coimbra, nos primeiros tempos, em carta datada de 1 de Maio de 1845, dirigida ao seu biógrafo Carvalho Leal, relata a triste vida que teve nesta cidade, longe da pátria, o ser desconhecido ou mal conhecido e o viver de tormentos. Em 1847, escreveu a poesia A um Poeta Exilado, onde há alusões à sua vida académica.

Regressou ao Brasil em 1845, visitando Portugal, em duas viagens posteriores (1854 e 1863).

É considerado o melhor poeta da primeira geração romântica brasileira.

Cantou os principais temas românticos - amor, saudade, melancolia, bem como o sofrimento da solidão e do exílio. Sobre este último, podemos referir o poema, A Canção do Exíliocomposto em Coimbra, em Julho de 1843.

Antão de Vasconcelos - que adiante referimos - fala de Gonçalves Dias do modo seguinte:
"Dizer-lhe o nome é fazer-lhe o elogio … quem acaso não se recorda de Gonçalves Dias?
Foi meteoro que antes havia fulgido no céo da Luza-Athenas, deixando como rastro de sua passagem as saudades do berço que ele cantou em toda a singeleza do seu lyrismo (…)"

Henrique António Coelho Antão de Vasconcelos, conhecido por Mata-Carochas, nasceu em 1842, em Macahé, Rio de Janeiro.

Veio para Portugal em 1858, tendo frequentado em Coimbra as Faculdades de Matemática, de Medicina e de Leis. Obteve o grau de Bacharel em Direito em 1864. Foi guitarrista.

Regressou ao Brasil em 1865, passando a exercer a advocacia. Foi eleito deputado da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro.

Cerca de 1895, escreveu Memórias do Mata-Carochas, obra com cerca de 500 pp. de recordações da sua juventude académica, que ainda hoje constitui documento precioso para a reconstituição de alguns eventos e a descrição de certas figuras do seu tempo.

No intróito que dedica "À Mocidade Académica do Brazil e Portugal" e "À Coimbra Académica", ele mesmo afirma: "É uma chronica do meu tempo, uma recordação do passado, uma evocação, sem brado d’ alma".

Bernardino Luís Machado Guimarães, nasceu no Rio de Janeiro, em 1851. Estudante de Filosofia do curso de 1866, formou-se em 21 de Junho de 1869. Bernardino Machado integrou o movimento designado Grupo Académico de Recepção aos Novatos.

Em 2 de Julho de 1876 obteve o seu doutoramento. Foi Professor catedrático da Universidade de Coimbra, vogal do Conselho Superior da Instrução Pública, deputado, sócio da Academia das Ciências, escritor e Par do Reino. Tendo ingressado no Partido Republicano, veio a presidir o seu Directório, em 1902. Após a implantação da República em 1910, fez parte do Governo Provisório como Ministro dos Negócios Estrangeiros. Foi Presidente da República Portuguesa de 1915 a 1917 e 1925-1926.

António Cãndido Gonçalves Crespo nasceu no Rio de Janeiro, em 1846. Estudante de Matemática desde 1870 e de Direito desde 1873, licenciou-se neste último curso, em 1877. Distinguiu-se como escritor.

Alexandre Augusto de Rezende Mendes nasceu em Campinas, S. Paulo, em 1896. Estudou nos Liceus da Guarda, Lamego e Coimbra.

Segundo Rafael Salinas Calado, Alexandre de Rezende "cantava muito bem e muito bem tocava guitarra". De acordo com o mesmo autor, compôs diversos fados, entre os quais (também conhecido por), As Meninas dos Meu Olhos e o fado que recebeu o seu nome, o Fado Rezende, que foi gravado por Lucas Junot (adiante referido).

Gravou um disco de 78 r.p.m. do qual consta o Fado da Luz, da sua autoria.

Os seus fados têm vindo a ser interpretados e gravados até à actualidade, por alguns dos melhores cultores desta arte.

Lucas Rodrigues Junot nasceu em Santos, em 1902. Licenciou-se em Matemática na Universidade de Coimbra em 1927. De regresso ao seu país, foi professor de Matemática e colaborador no Observatório Astronómico de S. Paulo.

Foi cantor e guitarrista. Sabe-se que em 1923 se deslocou a Espanha acompanhando o Orfeon Académico e a Tuna Académica, em digressão simultânea. Em 1925, deslocou-se ao Brasil com a Tuna, como violista e cantor de fado de Coimbra.

No Brasil foi um dos principais animadores da Tertúlia Académica, fundada em S. Paulo, em 1947.

É autor de diversos fados (gravados por diversos intérpretes), entre outros os conhecidos Fado Triste e Fado de Santa Clara. Gravou 4 discos de 78 r.p.m.

Em 1951, em Santos, cantou alguns fados por ocasião da deslocação do TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra) ao Brasil.

Em 25 de Julho de 1970 a AAEC (Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra) e a AAEC no Brasil prestaram-lhe póstuma e significativa homenagem, descerrando na casa onde residiu em Coimbra, uma lápide de bronze, trazida do Brasil pelo dr. Divaldo Gaspar de Freitas. Foi um escolar brasileiro muito evocado em Coimbra, por diversos Jornais: Diário de Coimbra, O Primeiro de Janeiro e Novidades. Deste último transcrevemos uma notícia que, por si mesma, é elucidativa do carinho e prestígio que o estudante brasileiro grangeou nesta academia.

Lucas Junot e outros estudantes- cantores evocados em Coimbra

COIMBRA - A memória da antigo estudante-cantor brasileiro Lucas Junot, recentemente falecido em S. Paulo, onde era professor liceal, e que se formou em Coimbra, foi evocada, nesta cidade, por iniciativa da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra no Brasil.

Na casa que o antigo intérprete do fado coimbrão habitou, enquanto estudante, na Rua dos Coutinhos nº 3, foi descerrada uma lápide alusiva, tendo na circunstância discursado o dr. Divaldo Gaspar de Freitas, em representação dos antigos estudantes de Coimbra radicados em Terras de Santa Cruz; o dr. Carlos de Figueiredo Nunes, em nome da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra, que emprestou o seu patrocínio à homenagem; o dr. Amadeu Rodrigues, na qualidade de condiscípulo de Lucas Junot; a drª D. Maria os intérpretes do fado - canção de Coimbra.

Durante esse serão, que teve grande assistência, o dr.Divaldo de Freitas, que foi apresentado pelo dr. Afonso de Sousa, proferiu uma palestra ilustrada com projecções e gravações musicais na qual evocou as figuras dos antigos estudantes-cantores de Coimbra relacionados com o Brasil - Lucas Junot e Alexandre Resende, de naturalidade brasileira; e Hilário, Menano e Manacés, portugueses que se tornaram muito conhecidos no Brasil pelas suas actuações além-Atlântico. - (C)."

Música coral: o orfeon académico de Coimbra

Muitos são os organismos que na estrutura académica coimbrã se têm dedicado ao cultivo da música coral e instrumental, predominando a primeira.

Entre os diversos agrupamentos corais académicos, evidencia-se, pela sua história e qualidade artística, o Orfeon Académico de Coimbra.

Este organismo foi criado em 29 de Outubro de 1880, pelo então estudante de Direito, com 19 anos de idade, João Marcelino Arroio, com a designação de Sociedade Choral do Orpheon Académico.

João Arroio matriculou-se em Direito em 16 de Outubro de 1877, tendo-se licenciado e doutorado na mesma Universidade, vindo a ser catedrático em 1885.

Em 7 de Dezembro de 1880, isto é, quarenta dias após a sua fundação, o Orfeon apresentou-se pela primeira vez ao público, já com 80 elementos, por ocasião das Comemorações do Tricentenário da morte do poeta Luis Vaz de Camões, este também escolar na Coimbra quinhentista.

Embora estas Comemorações aparecessem como o evento motivante e dinamizador que levou os seus membros a formar este organismo, não podemos deixar de lembrar o enquadramento sócio-político da época.

Não obstante vigorasse ainda o regime monárquico, floresciam já os ideais republicanos, conseguindo alguma implantação institucional. Assim, nas eleições de 1878 para o Parlamento, candidataram-se pela primeira vez, em Lisboa e no Porto, representantes do Partido Republicano que, embora minoritário, conseguiu a eleição de alguns membros naquelas duas cidades.

É neste contexto, em torno da memória camoneana, agrupando intelectuais de vários quadrantes políticos onde pontificavam os liberais e os republicanos, que surgiu o Orfeon, desde logo com um nível de execução que, segundo testemunhos da época, "maravilhou" todos aqueles que puderam assistir à sua estreia.

Ainda no âmbito destas comemorações, em 6 de Maio de 1881, o Orfeon exibiu-se no respectivo Sarau de Gala.

Em 1882 foi dissolvido, seguindo-se um longo período de inactividade.

Em 29 de Abril de 1899, no Sarau do Centenário da Sebenta o Orfeon (designado Orfeon da Sebenta) cantou o Hino da Sebenta, com letra de Mário Oliveira e música de Luís Albuquerqe Stockler, estudante boémio que viria a formar-se em Direito.

Em 1908, António Avelino Joyce, (re)fundou o seu Orfeon, na tradição dos anteriores.

A estreia do Orfeon de Joyce, teve lugar no dia 23 de Janeiro de 1909, no Teatro Circo Príncipe Real, em Coimbra, num Sarau em benefício dos sobreviventes do terramoto do Sul de Itália.

Joyce, republicano, recusara estrear o seu Orfeon no Te Deum, em honra do novo rei D. Manuel II.

Após a viagem apoteótica do Orfeon de Joyce a Paris, em Abril de 1911, portanto já no domínio republicano, foi deliberado em assembleia geral (de Junho desse ano), afastar os orfeonistas que, oficialmente, se deslocaram de Paris a Londres a cumprimentar o deposto rei D. Manuel II.

O Orfeon de Joyce viria a actuar, pela última vez, em 20 de Maio de 1912.

Em Dezembro de 1914, surgiu no Orfeon, um novo regente, o Padre Elias de Aguiar, que frequentava as Faculdades de Direito e de Letras.

O primeiro concerto dirigido por Elias de Aguiar ocorreu no dia 2 de Junho de 1915. Nele participaram, entre outros, o pianista Viana da Mota e o poeta Afonso Lopes Vieira.

Pela Lei nº 861, de 1919, o Parlamento institucionalizou o Orfeon Académico de Coimbra.

Em 1923, o Parlamento aprovou um voto de Louvor ao Orfeon, pela participação brilhante na vizinha Espanha e o Presidente do Ministério, engenheiro António Maria da Silva, deslocou-se a Coimbra para lhe agradecer, em nome do Governo.

Em 1931, sob proposta do Ministério da Instrução, o Governo condecorou o Orfeon com o grau de Comendador da Ordem da Instrução Pública.

No dia 11 de Janeiro 1937, iniciou a regência do Orfeon o Dr. Manuel Raposo Marques.

Tendo-se matriculado em Direito em 1923, foi logo alcunhado de caloiro Palestrina, pelos seus dotes musicais. Foi 1º tenor no Orfeon e desde 1926 substituía pontualmente o maestro titular. Formou-se em 1929.

Ao longo de três décadas, dedicou-se à regência deste organismo, elevando de tal modo a sua qualidade artística que este período é considerado a época de ouro do Orfeon.

Durante a sua direcção artística, o agrupamento foi agraciado com a medalha de ouro da cidade de Coimbra (1945) e ele próprio com idêntica medalha.

Raposo Marques foi homenageado pela Academia e pela cidade em 1957, por ocasião do vigésimo aniversário da sua regência e, postumamente, pelo Orfeon no final de 1966.

Entre as inúmeras actuações, salientam-se as integradas nas digressões ao estrangeiro e aos territórios ultramarinos, algumas das quais indicamos seguidamente.

Assim, em 1949, o Orfeon deslocou-se a Angola, Moçambique e África do Sul, numa viagem culminada de êxito. No regresso, a recepção dos orfeonistas, em Lisboa, foi presidida pelo Ministro do Ultramar.

Em 1954, o Orfeon realizou um antigo sonho, deslocando-se ao Brasil, de Agosto a Outubro. Durante a viagem para o Novo Mundo, realizou dois espectáculos na Madeira e em Cabo Verde, pontos de escala. No Brasil, actuou no Rio de Janeiro, Santos, S. Paulo (espectáculo em directo nos Estúdios da Televisão Record), Campinas, Ribeirão Preto, S. Carlos, Americana, S. Caetano do Sul, Belo Horizonte, Ouro Preto, Niterói, Teresópolis e Recife.

Em 1958, actuou na Bélgica, representando Portugal na Exposição Internacional de Bruxelas e cantando, seguidamente, em Antuérpia.

Em 1960, deslocou-se novamente a Angola, durante 2 meses, actuando no regresso da digressão, em S. Tomé e Príncipe.

Em 1961, retomou o caminho de Espanha.

Em 1962, gravou o primeiro disco de longa duração, editado nos Estados Unidos da América, país a que se deslocou nesse mesmo ano, actuando em 35 cidades americanas, com grande êxito. Disso nos dão conta os Jornais da época, não regateando elogios, nos títulos e textos publicados.

Em 1965, o Orfeon volta aos Estados Unidos da América, actuando no 1º Festival Internacional Coral Universitário do "Lincoln Center for the Performing Arts".

Em Novembro de 1966, o Professor Joel Canhão assumiu a regência do Orfeon que, sob a sua direcção, conheceu igualmente momentos altos, destacando-se a digressão a Angola, em 1967 e a representação de Portugal no Japão, na Feira Internacional de Osaka, em 1970.

Em 1971, o Orfeon visitou a Suíça, a França e o Luxemburgo e, numa segunda digressão, a Inglaterra, Holanda e, novamente, a França.

No ano seguinte, a sua actividade culminou com a gravação do 2º disco de longa duração.

O Maestro Joel Canhão dirigiu o Orfeon até 1973.

A revolução de 25 de Abril de 1974, veio modificar profundamente este organismo que viveu então um período conturbado, reflectindo a profunda divisão existente desde a década de 60, no seio da população estudantil.

Projectos inacabados, crescente desmembramento, dificuldade de ingresso de novos orfeonistas e diminuição drástica da qualidade artística foram lamentavelmente uma constante durante alguns anos.

Até 1974, o Orfeon foi o único coro académico constituído exclusivamente por vozes masculinas. Nesse ano, ingressaram as primeiras orfeonistas, sendo até hoje, mais um dos coros mistos da Academia .

Este facto veio alterar diversos aspectos da vida orfeónica e os novos maestros tiveram que fazer as necessárias alterações de repertório.

De 1974 a 1976, o Orfeon foi dirigido pelo Maestro Cândido Lima e de 1976 a 1982 pelo Maestro Artur Carneiro, os quais na medida do possível procuraram suster o declínio verificado.

No final de 1981, a Direcção do Orfeon, procurando dinamizar a qualidade artística do organismo e a imagem que este projectava, retomou algumas tradições, entre elas o Fado de Coimbra no seu repertório.

No começo de 1982, a convite da Direcção, o Dr. Fernando Monteiro criou e vem orientando desde então uma Escola de Fado, na qual se preparam cantores seleccionados entre os orfeonistas. Estes solistas passaram, desde logo, a integrar um embrionário grupo de Fados de Coimbra, com o apoio de instrumentistas (guitarristas e violistas).

Assim, desde 1982, a canção coimbrã voltou a existir dentro do Orfeon, passando a figurar nas suas apresentações ao público.

Com a regência do Maestro Virgílio Caseiro, de 1982 a 1996, o Orfeon atingiu novamente um elevado nível artístico, com a qualidade há muito perdida. Neste período, para além de muitas iniciativas artísticas e didácticas, foi efectuado grande número de digressões pelo país e pela Europa.

Desde 1996, o Orfeon é regido pelo maestro Edgar Fernando Saramago Monteiro. Ultrapassadas algumas dificuldades iniciais de adaptação a um novo estilo de regência, com Edgar Saramago o Orfeon continua a ser um coro representativo da Academia. Entre as suas digressões salienta-se a viagem ao Brasil em 1998, com actuações em S. Paulo, Ribeirão Preto e Rio de Janeiro.

O fado de Coimbra

Ao longo da sua existência, no seio da comunidade estudantil coimbrã, foi sendo cultivado o gosto de cantar à noite, ao ar livre. Este hábito assumiu, por vezes, aspectos exagerados de tal modo que o rei D. João III, por carta de 20 de Junho de 1539, dirigida ao Reitor da Universidade, mandava punir aqueles que "andam de noite com armas fazendo músicas e outros autos não muito honestos por essa cidade, do que se segue escândalo aos cidadãos e moradores, e pouca autoridade e honra à Universidade"

Ao longo dos séculos, a forma de cantar evoluiu necessariamente no seio da Academia conimbricense.

No que respeita ao chamado Fado de Coimbra - que muitos preferem designar como Serenata de Coimbra, Canção de Coimbra ou Fado-Serenata - pode dizer-se que ele teve a sua própria gestação e crescimento, sofrendo influências várias, vindo a estabilizar, com características muito semelhantes às actuais, no final do século XIX.

Como canção serenil, interpretada por vozes masculinas, ela é essencialmente lírica, elegíaca, não narrativa, cantando o amor do estudante, a saudade, a vivência académica e mais recentemente, temáticas de intervenção social. Foi sendo acompanhada por diversos instrumentos musicais, sobressaindo o bandolim, o cravo, o piano, a viola (de arame) e, desde o final do século XIX, a guitarra portuguesa (guitarra de Coimbra) e o "violão" ou "viola" (guitarra).

Óscar Lopes sublinha que o fado de Coimbra se estrutura "segundo uma linha melódica na organização à guitarra e/ou viola e um Páthos tipicamente romântico nos portamentos que prolongam ad libitum as sílabas tónicas das palavras de efeito".

Cultivada no meio académico e de forma não profissional, por muitos antigos e actuais estudantes que, nos seus tempos livres, se dedicam à sua criação, interpretação e divulgação, o amadorismo que a caracteriza não impede a canção coimbrã de atingir, por vezes, elevadíssima qualidade nos seus poemas e nas composições musicais e na sua interpretação vocal e instrumental, representando a Academia, a Cidade e o País, participando em eventos culturais diversificados, em países de todo o mundo, incluindo o Brasil.

Pouco se conhece da história do que habitualmente se designa Fado de Coimbra, até meados do século XIX.

A memória colectiva, algumas composições e textos, manuscritos ou impressos, bem como a produção discográfica permitem um melhor conhecimento, a partir do início deste século.

No que concerne ao tema ora proposto, o Brasil deu elevado contributo para a história da Serenata de Coimbra, através de estudantes que foram também cantores, instrumentistas, autores, compositores e estudiosos da sua temática. E certamente que, para tanto, terá contribuido a musicalidade intrínseca das gentes brasileiras.

Na verdade, o Brasil constitui um caso de vivência musical particularmente rica e importante, mesmo anterior à chegada dos Portugueses, em 1500.

A exuberância cromática e sonora da selva brasileira constituía certamente fonte de inspiração musical dos índios brasileiros, para quem todos os momentos importantes da vida deveriam ser celebrados com música.

Esse gosto pela música - e pela dança - ajudou mais tarde `a difusão da fé cristã e à modificação de costumes. Por exemplo, o Padre jesuíta José de Anchieta" (...) enviado aos estudos de Coimbra com um irmão seu mais velho," - escolar do Estudo mondeguino, mais propriamente do Colégio das Artes (inaugurado oficialmente em 21 de Fevereiro de 1548 e ao qual, por alvará de 16 de Fevereiro de 1553, foram concedidos os privilégios da Universidade) - foi considerado o fundador do teatro no Brasil, utilizando com mestria a música e introduzindo a dança "caateretê" nas festas religiosas, por forma a cativar e atrair os índios para a nova religião.

Anchieta que dominava a língua Tupi - de que chegou a escrever uma Gramática - compôs diversos poemas nessa língua, para serem utilizados nos "caaterete" dos índios da região onde mais tarde haveria de surgir a cidade de S. Paulo.

A música levada de Portugal descobriu na melodia indígena (e no elemento rítmico africano) fonte inesgotável de influências mútuas.

Da fusão daqueles elementos resultou a música que hoje podemos chamar brasileira, fruto daquela origem tripartida, que se manifesta, ainda hoje, de forma rica, diversificada e inconfundível. Esta convivência cultural originou influências recíprocas, manifestadas nas danças e canções que cruzando o Atlântico, viajaram entre os dois países e neles evoluíram, (re)criando cantos e danças que mais tarde se vão adaptando ao meio social onde se fixam.

Assim e a título de exemplo, à canção coimbrã não é certamente estranha a influência das modinhas luso-brasileiras.

A vivência musical da academia coimbrã manifestava-se já no início do século passado, através de récitas, saraus (e outros eventos) dinamizados por escolares, através das suas estruturas estudantis representativas ou dos seus agrupamentos artísticos (por exemplo, as récitas dos quintanistas e os saraus do Orfeon).

Diferente do meio social onde emergiu o fado lisboeta, a comunidade académica encontrava-se culturalmente predisposta e receptiva a uma música predominantemente erudita o que viria sem dúvida a influenciar a própria criação musical dos académicos e a reflectir-se, consequentemente, na criação (e na interpretação) da canção coimbrã.

Não cabendo no âmbito deste trabalho o estudo aprofundado das origens, influências, temáticas e outros aspectos do fado escolar coimbrão, não podemos apesar disso, deixar de referir alguns dos seus principais cultores.

Na segunda metade do século XIX, notabilizaram-se entre outros, João de Deus Nogueira Ramos (violista, cantor e autor de vários fados), Henrique António Coelho Antão de Vasconcelos (não tanto como guitarrista, mas sobretudo como escritor das suas memórias, descrevendo Coimbra e a Academia do seu tempo), José António dos Santos Neves Dória, violista e, sobretudo, Augusto Hilário da Costa Alves, autor, compositor, cantor e guitarrista.

Criador e intérprete do fado de Coimbra, ficou lendário como estudante trovador e boémio, sendo o mais homenageado até hoje pela Academia e pela cidade de Coimbra.

Dele escreveu João Falcato: "Hiilário ainda canta um fado que não está de todo emancipado do fado de Lisboa, mas que já tem a mais a mocidade de quem o canta e o ambiente onde o canta. Tem a mais afinal a moldura admirável duma paisagem encantada e temas de saudade que só os vinte anos sabem interpretar".

Uma guitarra de Hilário foi entregue por uma sobrinha-neta deste, em 1967, ao Museu Académico, em cerimónia presidida pelo Reitor da Universidade.
No início do século XX, Manassés Ferreira de Lacerda Botelho ficou conhecido como cantor, autor e compositor de diversos fados, muitos dos quais impressos e gravados em disco. Partiu para o Brasil em 1908, onde se radicou definitivamente.

O Dr. Divaldo Gaspar de Freitas refere-se a Manassés de Lacerda como um cantor de voz bem timbrada e extensa.

João Malcato sublinha que "Manassés - outro estudante ligado à boémia coimbrã - canta um fado diferente do fado do Hilário. É já uma canção ! Uma canção com arrancos de vivacidade que se afasta cada vez mais do gosto decadente do fado de Lisboa, arrastado e monótono. É uma mensagem de mocidade gritada à lua em noites de inesquecível beleza".

Famoso foi igualmente o brasileiro Alexandre Augusto de Rezende Mendes, cantor e guitarrista, nascido em Campinas, S. Paulo, autor e compositor de diversos fados, entre eles Fado Rezende e O meu Menino.

O início deste século ficou igualmente marcado pela participação dos irmãos Francisco, Horácio, Paulo e Alberto Menano, guitarristas e António Menano, cantor.

Para além de guitarrista, Francisco Menano foi também compositor de diversos fados e variações para guitarra.

Segundo Salinas Calado, fez parte do Orfeão de Joyce, sendo também um tocador de guitarra magnífico.

Mas, de entre aqueles irmãos, foi sem dúvida António Menano quem mais se notabilizou. Durante os anos 20 deste século e até 1933, ano em que partiu para Moçambique (onde residiu durante vinte e cinco anos, após os quais regressou a Portugal) este famoso estudante-cantor da fado coimbrão compôs e gravou dezenas de fados, em Portugal e no estrangeiro, participando também em inúmeros espectáculos e digressões artísticas por diversos países, entre eles o Brasil. São inúmeras as referências à voz de tenorino de António Menano. Entre elas ocorre-nos citar as palavras singelas mas expressivas de Salinas Calado: "Serenata com o António Menano (…) era um encanto de se ouvir."

Nas primeiras décadas deste século merecem igualmente destaque, entre outros, Paulo de Sá (guitarrista, autor e compositor), Maximino Correia(guitarrista), Artur Almeida d’ Eça (cantor), Lucas Junot (cantor e guitarrista, autor e compositor), Paradela de Oliveira (cantor e compositor), Afonso de Sousa (guitarrista, autor e compositor), Guilherme Barbosa (violista), Armando Góis (cantor e compositor) e o incomparável Edmundo de Bettencourt (cantor e compositor).

Para além dos guitarristas já apontados, não podemos esquecer o virtuoso Artur Paredes, o maior do seu tempo, senão mesmo de sempre. Membro de uma família de ilustres guitarristas, criou um novo estilo de tanger o instrumento como afirma João Falcato: "(…) a guitarra é obrigada a novos prodígios (…) Alarga-lhe os recursos e liberta-a da confusão que possa ter com o bandolim.

A partir deste momento, tocar no estilo coimbrão é tocar dentro do estilo criado por Artur Paredes".

A título meramente exemplificativo do valor artístico atribuído a Artur Paredes, transcrevemos algumas linhas da crónica àcerca do Sarau realizado pela Tuna Académica da Universiade de Coimbra no Rio de Janeiro e publicada pelo Diário de Lisboa, nesse período: "(…) E agora cabe a vez de nos referirmos ao Artur Paredes, na opinião dos estudantes e de mais gente, o mais assombroso guitarrista que o Mondego tem escutado. Já contei dele, noutra crónica, o que se pode contar de tamanha maravilha ! Mas só ouvindo-o se avalia quanto é difícil, para não dizer impossível, dar uma pálida ideia do que é uma guitarra nas mãos milagrosas dêsse artista inconfundível, que alia â mais límpida e brilhante execução a alma mais estranha e mais sensível.

Quatro vezes foi o Paredes obrigado a vir deliciar o público; e creio que fugiu do teatro para não o obrigarem a ceder às reclamações dos espectadores, que o aclamavam com ardor."

Foi de tal modo rico e frutuoso o período compreendido entre 1920 e 1930, que o mesmo ficou conhecido como a Década de Oiro do Fado de Coimbra.

Mas outros períodos houve, igualmente profícuos. Na canção coimbrã, em constante metamorfose, surgiram nas três décadas seguintes novos cultores de eleição, assumindo papel relevante, entre outros, os instrumentistas Carlos Figueiredo Jr., Eduardo Tavares de Melo, Aurélio Afonso dos Reis e Durval Moreirinhas (violistas, autores e compositores), João Carlos Bagão, António de Pinho Brojo, António Almeida Santos, António Jorge Moreira Portugal, Jorge Manuel Cerqueira Lopo Tuna e Carlos Paredes (guitarristas e compositores) e os cantores Augusto Vieira Camacho, Ângelo Vieira de Araújo, Fernando Machado Soares, Fernando José Monteiro Rolim, Luís Fernando de Sousa Pires de Góis e José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (cantores, autores e compositores).

De todos eles, sobressaem Durval Moreirinhas, Jorge Tuna, Carlos Paredes, José Afonso (Zeca Afonso) e Luís Góis.

A década de 60 trouxe profundas modificações à canção de Coimbra. Até então predominantemente lírica, começou a reflectir preocupações de natureza social e política que já avultavam na comunidade estudantil, questionando a tradição.

Nas vozes de Luís Góis e de José Afonso, às quais se juntou a de Adriano Correia de Oliveira, ecoavam trovas e baladas, fruto de um novo sentir e uma nova forma de estar na música e na sociedade, renovando a canção coimbrã a partir das raízes de uma tradição que se revelou dinâmica, acompanhando as transformações sociais da época.

Nos anos 70, este género musical atravessou um período de crise, fruto de vicissitudes várias, que só veio a ser ultrapassada no final da década.

Nos anos 80, assistimos a uma profunda e crescente renovação do fado e da guitarra de Coimbra. Para tanto, contribuíu o ensino sistemático da guitarra, da viola e do canto, correspondendo ao interesse manifestado por novas gerações de instrumentistas e cantores.

Os anos 90 continuaram aquele rejuvenescimento, acrescentando ao aparecimento de novos grupos a criação de novas composições poético-musicais iniciada na década anterior.

A proximidade temporal parece aconselhar que se aguarde o amadurecimento do resultado deste esforço inovatório, antes da análise global que a temática exige.

Se nos é permitido promover o debate nesta matéria, que esta ideia possa dinamizar a já antiga (mas não velha) temática do fado, mas do fado de Coimbra, a interrogar-se sobre o que foi, o que é e o que pretende ser, ao nível das tradições, no que elas possam ter de construtivo.

Apesar das profundas transformações que o andar dos tempos e o surto do progresso vão operando, a Academia de Coimbra, no bom sentido da palavra, é uma sociedade fortemente tradicionalista, porque encerra em si um forte sentido de memória. Por isso, ainda hoje, continua a viver, do seu passado, dos seus mitos ou, como disse Carminé Nobre "duma tradição que lhe criaram os seus poetas, os seus cantores e as travessuras de tantos outros".

Observação geral

Do exposto podemos concluir que a Academia de Coimbra tem constituído um polo dinamizador das relações inter-culturais dos países-irmãos, Brasil e Portugal. Para tanto, contribuíram os estudantes brasileiros que aqui aportaram e os lusos que se radicaram em terras de Vera Cruz. Embora o fluxo migratório tenha hoje características diferentes das de outros tempos, continua forte a vontade de permanecerem ligados, partilhando não apenas o passado, mas também o presente e o futuro.

 

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Artigos completos nos Anais do Congresso "Brasil-Europa 500 Anos: Música e Visões".

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Vollständige Beiträge im Kongressbericht "Brasil-Europa 500 Jahre: Musik und Visionen".

 

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