Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova edição by ISMPS e.V.
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N° 63 (2000: 1)


 

Congresso Internacional Brasil-Europa 500 Anos
Internationaler Kongreß Brasil-Europa 500 Jahre

MÚSICA E VISÕES
MUSIK UND VISIONEN

Colonia, 3 a 7 de setembro de 1999
Köln, 3. bis 7. September 1999

Sob o patrocínio da Embaixada da República Federativa do Brasil
Unter der Schirmherrschaft der Botschaft der Föderativen Republik Brasilien

Akademie Brasil-Europa
ISMPS/IBEM

Pres. Dr. A. A. Bispo- Dir. Dr. H. Hülskath

em cooperação com/in Zusammenarbeit mit:

Deutsche Welle
Musikwissenschaftliches Institut der Universität zu Köln
Institut für hymnologische und musikethnologische Studien

 

A IMAGEM DO PRINCIPIO COMO FUNDAMENTO DE REFLEXÃO:
OS DESENHOS TRADICIONAIS DOS ÍNDIOS KARAJÁ

Suely Brígido
I.B.E.M., Sociedade Brasileira de Antropologia da Música

 

Das Bild vom Indianer als einem Menschen ohne Geschichte muß revidiert werden. Die archäologische Forschung beweist, daß die indigenen Völker Südamerikas Nachkommen von Menschen sind, die seit mehreren Tausenden von Jahren diesen Erdteil bevölkern. Im Verlaufe der Jahrhunderte entwickelten sie verschiedene Verfahren beim Gebrauch der natürlichen Ressourcen und verschiedene soziale Organisationen. Die heutigen Indianer gehören zu dieser langen geschichtlichen Strömung, die durch Kontakte, Austausch, Wechselbeziehungen gekennzeichnet war. Sie erhielten dabei eine gemeinsame kulturelle Physiognomie, sind aber nicht alle gleich. Jede indigene Kultur stellt die Aktualisierung einer uralten Tradition dar, eine eigenständige Version eigener Ideen und Bräuche. Dieser Sachverhalt wird am Beispiel der Karajá näher erläutert. Bei der Untersuchung des Aruanã-Rituals wurden choreographische Beziehungen sowie Bezüge zu Zeit und Raum festgestellt, die Gesetzmäßigkeiten erkennen lassen, die visuell dargestellt werden können und eine Brücke zur Betrachtung der Zeichnungen der Karajá ermöglichen. Dabei stellt sich die Frage nach dem tieferen Sinn dieser Zeichnungen. Deren Analyse kann wiederrum zum besseren Verständnis der Musik beitragen. Auf diese Weise werden die Grenzen zwischen den verschiedenen Wissenschaften überwunden, was auch für eine adäquate Betrachtung der indigenen Musikkulturen notwendig ist. (A.A.B.)

 

Considerando a bibliografia dedicada à causa indígena, podemos dizer que falar sobre os índios do Brasil é uma tarefa complexa. Na verdade, os trabalhos empreendidos até os dias de hoje não foram suficientes para nos fornecer informações capazes de traduzir a realidade dos povos indígenas do Brasil. A comunicação entre essas diversas etnias e os não índios é precária. Em princípio, os índios vivem em locais de difícil acesso e se comunicam com a nossa sociedade falando o português com dificuldade. "Das mais de 170 línguas indígenas faladas no Brasil, apenas 10% possuem descrições completas".

Outros tantos fatores são responsáveis pelas idéias tão divulgadas pela mídia que vê os índios como indivíduos que vivem nas aldeias no meio das florestas; indivíduos que não têm história. No entanto, segundo Eduardo Góes Neves (1995), "os mais recentes estudos arqueológicos realizados no Brasil e países vizinhos mostram que os povos indígenas que habitam o continente sul americano descendem de populações que se instalaram há dezenas de milhares de anos, ocupando toda a extensão deste continente. Ao longo desse período essas populações desenvolveram diferentes modos de uso e manejo dos recursos naturais e diferentes formas de organização social. Os povos indígenas participam, pois, de uma história antiga de contatos e intercâmbio, na qual influenciaram uns aos outros, como ainda continuam fazendo. Nestas influências recíprocas adquiriram feições semelhantes, mas não se tornaram todos iguais. Cada cultura indígena nos apresenta a atualização de uma tradição ancestral, compartilhada pelos demais membros de sua família linguística. Cada cultura indígena apresenta também uma versão própria das idéias e dos costumes conhecidos através do contato com outras populações. O mesmo tem ocorrido em relação ao contato com a nossa sociedade. Mesmo que esta apresente às sociedades indígenas uma tradição tão radicalmente diferente, influenciando-as com nossas idéias, hábitos e técnicas, esta influência não foi capaz de tornar os povos indígenas iguais a nós; eles não deixaram de viver à sua maneira, o seu momento, o seu tempo contínuo.

Esta comunicação vai-se ocupar com os índios Karajá, cuja população de aproximadamente 2.700, espalhada em cerca de 20 comunidades (Fialho/M.H.1997), ainda se comunica na língua nativa e vive muitos de seus valores tradicionais, embora mantenha, nestes últimos tempos, contínuos contatos com nossa sociedade.

Os Karajá vivem no Brasil central, nas margens do rio Araguaia, o Berohokã - que significa a água grande, e é neste rio que está a sua mais importante fonte de subsistência. A vida cultural dos Karajá está também estreitamente ligada ao Berohokã. Os acontecimentos do cotidiano, assim como o período de plantação, colheita e caça, como também as festas e os rituais sagrados, acompanham os períodos das estações de chuva e seca, isto é, da vazante e das cheias do rio Araguaia. Em princípio, as datas dos eventos são marcadas pelo Xamã, pois os índios dizem que só ele é capaz de enxergar e entender as mensagens dos seres sobrenaturais, seus ancestrais que vivem no fundo do rio.

Durante a minha permanência com os índios Karajá nos meses de agosto e setembro de 1994 nas aldeias de Hãwalò, Boiry e de Krehãwa, tive oportunidade de assistir a seis rituais da Dança dos Aruanã, de gravar os cantos apresentados nessas ocasiões, assim como também de obter informações a respeito dos desenhos que os índios realizam, no corpo como indumentária ritual e nos objetos artesanais confeccionados em cerâmica ou palha. Neste período em campo procurei observar o contexto social dos Karajá e conhecer parte de seu corpus mitológico, o que me permitiu interpretar algumas representações simbólicas. Na verdade, a natureza da Dança dos Aruanã é essencialmente simbólica, e marca um momento vivido intensamente pela sociedade, quando a mitologia da criação do cosmo é simbolizada no canto, na dança, nos desenhos e objetos ritualísticos. Contam que aqui era tudo escuro, mas, quando o sol nasceu, os "bichos", que viviam no fundo das águas, vieram viver neste mundo, saindo por buracos que se abriram ao longo do rio Araguaia. No entanto, muitos deles não conseguiram, pois, em todas as tentativas, as águas do rio afloravam impedindo a passagem. Aqui, os ijasò passaram a ser conhecidos como Aruanã, e são frequentemente vistos saindo das águas, materializados como seres que se apresentam adornados, sempre cantando e dançando. Dizem também que, além desses dois mundos, há o mundo do céu, para onde vão os índios que morreram.

Segundo os Karajá, durante a encenação do ritual de dança, os Aruanã transmitem, cantando, as mensagens dos seres sobrenaturais que vivem debaixo da água do rio Araguaia. Os dançarinos Ijasò Resereri ficam praticamente imperceptíveis; vestem-se de palha de buriti, cobrindo a cabeça até abaixo dos joelhos, mas se mantêm com os braços de fora. As palhas são colocadas formando dois grandes saiotes. Um deles, amarrado na cintura e o outro, preso em cima da cabeça. Na parte superior da cabeça é montado um adereço no formato de cartucho cilíndrico completando-se com penachos. Esses cilindros são decorados com desenhos simétricos coloridos que inicialmente eram feitos de plumagem, mas hoje são realizados com pedaços de pano ou papel grosso colorido. As máscaras também fazem parte das vestimentas. Este assunto é envolvido em mistérios, cujas informações os índios passam com muitas reservas. As que tive oportunidade de ver foram confeccionadas com a entrecasca de árvores; eram escuras, meio marrons, tinham mais ou menos 50 centímetros de altura por 40 de largura. Apresentavam olhos, nariz e boca. Para os dentes são aproveitados os dos macacos, ou de peixes. Os índios dizem que as máscaras representam o rosto do Aruanã, e são confeccionadas de acordo com a orientação do Xamã; isto porque só ele é que sabe realmente como é o Aruanã.

As dançarinas Ijadòòma Ijasò Bro-Ò Resereri usam uma tanga feita da entrecasca da madeira de adehyre, e enrolam nos braços, tornozelos e joelhos enfeites confeccionados de algodão tingido de urucu. O enfeite dos joelhos é um pouco mais largo e tem alguns fios pendurados. No rosto e algumas áreas bem definidas do corpo desenham motivos geométricos, sendo que as mais jovens se adornam com colares confeccionados com miçanga coloridas.
Pretendo apresentar nesta comunicação o substrato de um estudo que se ocupa em observar e analisar os elementos espaciais e temporais dos desenhos tradicionais dos índios Karajá.

Na verdade, este enfoque de estudo foi motivado pelo trabalho "A Imagem do Princípio", onde procurei realizar uma interpretação sobre o (desenho) da estrutura básica da coreografia da Dança dos Aruanã. Para proceder a esta análise recorri principalmente ao significado que alguns teóricos atribuíram a determinados elementos geométricos que compõem esta imagem, isto é; as linhas, as curvas, o círculo, a repetição, as características cíclicas que priorizam certos elementos simétricos enfatizados por tríades, assim como também sobre os fundamentos de dualidade (feminino e masculino) tão presentes no pensamento Karajá.

Para proceder à análise interpretativa considerei também o pensamento de Lévi Strauss quando diz:
Toda mensagem é interpretável com base num código, e todo código é transformável em outro, porque fazem referências a um Ur-código, uma estrutura das estruturas, que se identifica com os Mecanismos Universais da mente com o espírito ou com o inconsciente.

Com respeito aos elementos espaciais e temporais presentes no desenho que compõe a imagem da coreografia, considero relevante neste momento repassar alguns dados observados durante processo de análise da dança.

Durante o ritual, num longo período eu estava totalmente confusa pois tudo, tanto o plano coreográfico, quanto a sequência dos cantos, pareciam aleatórios. Nesta ocasião, resolvi por algum tempo acompanhar lado a lado cada dupla, e mentalmente proceder às anotações dos detalhes que iam aos poucos se acumulando. Os Aruanã começam a dançar saindo da casa dos homens. Depois passam a cantar e dançar cada música durante três voltas, percorrendo a estrada entre o pátio masculino e o feminino. Na segunda volta as duas dançarinas saem andando do pátio feminino, indo se encontrar com os Aruanã no meio da estrada. Colocam-se à sua frente e, juntos, dançando, retornam ao pátio feminino. Na última volta, isto é, na terceira, os Aruanã param de cantar quando atingem o pátio feminino, e em total silêncio retornam, sem dançar, ao espaço masculino, para então recomeçar a dança com outra música. Considerando também os conteúdos símbólicos e culturais dos Karajá foi possível chegar à imagem do princípio, isto é, à estrutura da coreografia da dança, como uma representação simbólica do universo Karajá: os três mundos, o do fundo das águas, onde vivem os Aruanã, o do meio, onde vivem os humanos Karajá e o mundo do céu.

A partir desse resultado (A Imagem do Princípio), julguei que os desenhos realizados pelas índias durante minha permanência em campo, poderiam fornecer importantes subsídios étnicos. Por isso passei a examinar esse material, não apenas observando seu apurado senso estético mas sua inserção no contexto cultural dos índios Karajá.

Os desenhos tradicionais dos Karajá - Cultura Material

A temática desta comunicação se enquadra na área dedicada à pesquisa da cultura material. Esses estudos procuram mostrar a riqueza de informações contidas nos objetos quando documentados com dados bibliográficos, iconográficos e de campo. Segundo a Profª. Berta Ribeiro, "cada comunidade humana desenvolve módulos que orientam a concepção de forma e função expressa no objeto. Esses atributos contêm indícios sobre os modos de fazer e usar as manufaturas, bem como aspectos ideológicos que singularizam a identidade étnica do artesão. Nesse sentido, a cultura material, em seu conjunto e em sua operatividade, reflete a ecologia, a tecnoeconomia, a ideologia e, em função disso, o estilo de vida dos povos indígenas. O estudo das expressões materiais da cultura favorece o delineamento do perfil da sociedade e fornece elementos importantes para o conhecimento da história do grupo, já que a cultura material constitui testemunho complementar de informações sobre migrações, contatos intertribais e interétnicos, desenvolvimento de técnicas, etc. Tal estudo contribui, ainda, para estabelecer áreas e configurações culturais calçadas, em grande parte, nos estilos artesanais e nos modos de confeccionar os objetos".

Aliás, "o estudo da produção material tem despertado atenção de pesquisadores da área de Antropologia desde fins do século passado. O método comparativo foi o processo mais utilizado nas investigações sobre cultura material. E assim, como se procedia na área de Arqueologia, os objetos passavam a ser inventariados, descritos e analisados predominantemente em relação aos seus aspectos puramente formais - procedência, dimensões, modelos, matéria-prima, técnicas empregadas, etc. De posse desses dados, os pesquisadores se ocupavam em detectar os traços culturais entre os povos estudados. No Brasil podemos citar como exemplo desta orientação o extenso trabalho desenvolvido pelo etnólogo Curt Nimuendaju na primeira metade do século XX. Nimuendaju foi o etnólogo que mais estudou grupos no Brasil, e hoje é responsável por várias coleções sobre esse acervo.

Segundo estudiosos do assunto, no final do séc XIX o antropólogo Franz Boas passa registrar a limitação da metodologia comparativa que, com frequência, abstraía os fatos e os objetos de seus meios sócio - cultural e natural. Boas considera que é preciso examinar os processos de desenvolvimento dos costumes e dos fatos culturais, buscando identificar neles as suas causas internas, determinadas por parâmetros que resultam em formas semelhantes ou diversas de solucionar problemas, as suas causas externas, decorrentes de processos de adaptação a ambientes ecológicos e também as suas causas históricas, decorrentes das vivências coletivas, assim como novos contatos, migrações etc.

Aliada ao instrumental teórico estruturalista empregado em estudos de parentesco a partir de Lévi-Strauss, a noção de função aplicada aos estudos da cultura material começa a sobrepujar em importância as preocupações difusionistas de caráter determinista. Aí se pergunta: "A que serve o objeto de estudo ? Qual a função da existência cultural dos objetos?" A análise dos objetos, passa então a veicular o contexto social e histórico, o ambiente natural, as relações sociais, a estrutura econômica, os sistemas símbólicos, as cosmovisões etc.

Estudos em cultura material também têm se ocupado em registrar os fenômenos de mudança vividos no âmbito da produção material, assim como a mercantilização da produção material étnica, e o reflexo desse processo a nível dos valores simbólicos, funcionais, de tecnologia de produção etc.

No entanto, no estudo sobre cultura material os aspectos formais e funcionais dificilmente se dissociam da qualidade estética que os objetos veiculam. Investigações voltadas para a produção estética têm produzido valiosas contribuições para a compreensão teórica de processos de auto-concepções cosmológicas de populações étnicas, assim por exemplo: Nancy Munn (1973), ao estudar a iconografia dos Walbiri da Austrália Central, se destaca por integrar as várias formas de atualização cultural da cosmologia Walbiri. No domínio discursivo, pelo contar das histórias e dos mitos; no domínio da produção artística, pelas formas de representação gráfica simbólica dos elementos que integram as narrativas.

No Brasil, nesse campo de estudo, apresentamos como exemplo alguns trabalhos, assim como o de Berta Ribeiro sobre A Civilização da Palha: A arte do trançado dos índios do Brasil; Lux Vital sobre A arte gráfica dos Kaiapó- Xikrin; de Regina Muller sobre A ornamentação corporal dos Xavante e Os Asurini do Xingu: Arte e História.; de Lucia Hussak Van Velthen sobre A iconografia Wayana ; Maria Heloisa Fenelon sobre O mundo dos Mehináku e suas representações visuais; Dolores Newton Cultura Material e História Cultural; Rosza Vel Zoladz sobre os Desenhos espontâneos Karajá e O Impressionismo de Guido, um menino Bororo; Luiz de Castro Faria sobre As bonecas de cerâmica Karajá; Chang Whan sobre RERU as figuras em cordéis dos índios Karajá. No entanto, é importante frisar que existem ainda vários trabalhos valiosos, dedicados à cultura material dos índios brasileiros, trabalhos ainda não publicados e que se encontram arquivados nas bibliotecas das universidades.

Os desenhos tradicionais dos Karajá - Reflexão

Nessa terceira e última parte pretendo apresentar uma reflexão considerando o conteúdo inserido nos desenhos tradicionais dos índios Karajá. Gostaria de comentar que as primeiras informações que abstraí dos desenhos dos Karajá foram guiadas pela minha percepção intuitiva, porém, logo em seguida fui buscar os fundamentos que pudessem explicar alguns elementos encontrados nesses desenhos. Nesta oportunidade quero frisar que as citações que aparecem em itálico foram extraídas principalmente dos seguintes livros: Acasos e Criação Artística; Universos da Arte e Sensibilidade do Intelecto de autoria da Prof ª e Artista Plástica Fayga Ostrower Esses textos me deram subsídios e fundamentos para proceder às interpretações que apresento nesta comunicação.

Antes porém de introduzir esses desenhos, gostaria de iniciar fazendo um comentário sobre Galileu Galilei, astrônomo e físico italiano (1564-1642), que revolucionou as concepções de sua época.

A partir da premissa de que o mundo material observável estabelece correspondências significativas entre princípios da perspectiva que ordenam a configuração espacial nas imagens, e nas noções de espaço/tempo/movimento. Além de sustentar a teoria heliocênctrica formulada por Nicolau Copérnico (1473 -1543) - de que os planetas, e a também a Terra, giravam em torno do Sol - Galileu também sustentava que o conhecimento da realidade deveria basear-se na rigorosa observação dos fenômenos físicos na natureza. Defendendo-se dos ataques da Igreja, mas por outro lado personalidade extrovertida e militante que era, desafiando frontalmente os métodos escolásticos, Galileu proclamou em seu "Diálogo concernente aos Dois Grandes Sistemas do Mundo" que, ao se levantar hipóteses sobre processos na natureza, era preciso recorrer a observações e não simplesmente seguir autoridades estabelecidas. Na matemática ele encontrou a linguagem universal que lhe permitiria compreender as propriedades diretamente mensuráveis dos fenômenos naturais: forma, quantidade e movimento. Ele considerava tais qualidades "primárias e objetivas", ao passo que outras como "cores, sons gosto olfato" seriam secundárias e subjetiva.

Assim também diz Galileu:
A filosofia está escrita nesse grande livro que está para sempre aberto diante de nossos olhos: o Universo. Mas o livro não poderá ser lido a não ser que tenhamos aprendido sua linguagem e nos familiarizado com os caracteres em que está escrito. É a linguagem matemática, e suas letras são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é humanamente impossível entender uma só palavra.

Agora, vamos por um instante só olhar para os desenhos (transparências). Seguindo, vamos fazer o nosso olhar escutar as palavras da profª. Fayga Ostrower.

Ao seguirmos determinadas indicações visuais, podemos observar que elas funcionam como espécie de sinais de trânsito, fazendo-nos parar ou prosseguir… Se eu traço uma reta é como ela fosse uma seta - tempo rápido, dizendo-nos: Olhe para mim, siga daqui para lá - e nós somos obrigados a olhar do modo como que indica, até o ponto em que ela termina. Posso fazer a linha com intervalos: o tempo é mais lento. E continua: As linhas também têm conotações temporais, rítmicas, que estão sendo visualmente articuladas. Por exemplo: uma linha contínua é mais rápida do que uma linha descontínua, composta de tracinhos ou pontilhada, pois cada intervalo espacial representa uma espécie de obstáculo interrompendo o fluxo linear; quanto maiores forem os contrastes formais menos veloz se torna a linha.

Outros elementos visuais assim como: superfície, volume, cores, luz (contrastes de claro e escuro) irão configurar determinadas relações de espaço e de tempo. Cada intervalo espacial representa uma espécie de obstáculo interrompendo o fluxo linear.

Cada elemento pode formular outras dimensões - Ao final do processo resulta uma imagem visual cuja estrutura é inteiramente visível. Do contexto formal dessa imagem se estendem distintas qualificações expressivas para cada traço. Em cada uma das posições do plano (em cima, em baixo, dos lados, no centro em justa posições ou em super posições, através de possíveis semelhanças formais ou contrastes explicita-se uma determinada função espacial. Essas funções se conjugam em uma forma… A noção fundamental é que a forma sempre significa organização, ordenação, estrutura. Essa organização pode estar apenas implícita, mas quando percebemos os limites de uma forma, na realidade já estamos percebendo sua estrutura… E sendo síntese as formas condensam conteúdos de significados múltiplos e complexos: sentimentos de vida, visões de ser.

Depois dessa explanação vamos agora raciocinar a respeito dos elementos espaciais dos desenhos Karajá. O que eles podem nos dizer ? Bem, podemos dizer que os desenhos…

Não apresentam profundidade.

Obs: Na organização da superfície percebemos as duas dimensões altura e largura. Essas são de tal forma integradas que não podem ser vistas sem a outra, cada uma prendendo a outra no espaço … Se uma das dimensões prevalecer visualmente um certo movimento poderá se restabelecer para a área toda, impulsionando na direção dominante. Notamos, portanto, o seguinte efeito característico para as superfícies: reduzindo-se o movimento visual, reduz-se o fluir do tempo.

Não apresentam tensões. Não podem ser interpretados como alegre ou triste. Porém observamos que alguns desenhos são mais densos, do que outros. Esse dado pode estar a indicar diferentes níveis de sensibilidade, assim como alguns indicam uma atmosfera soturna, e outros uma atmosfera mais solta, mais livre, mais clara.

Obs: Os desenhos primitivos da pré-história eram dramáticos.

Apresentam caráter cíclico.

Obs: Para os egípcios, as inundações cíclicas do Nilo significavam o retorno do mundo a um estado de caos primevo, apagando os vestígios da existência humana, de limites e de fronteiras erigidos pelos homens. Ao baixarem as águas, a vida se reiniciava anualmente com o restabelecimento de limites, demarcando e distribuindo os campos cultiváveis e também reintroduzindo uma certa medida de ordem no universo humano. Completava-se, assim, o ciclo eterno de vida-morte-renascimento.

Apresentam ritmo da respiração, ritmo contínuo.

Obs: O ritmo está presente nas semelhanças e tensões.

Não apresentam limites. Caso a área do desenho fosse maior, este se estenderia.

Apresentam uma relação constante simétrica.

Obs: Mesmo que uma forma seja simétrica ou regular (em termos de geometria), ainda assim cada trecho se distinguirá de outros, pelo visual, pela densidade, pela concentração ou expansão espacial.

Apresentam uma sequência com repetições de linhas e espaços. A essência desses desenhos permite que o espaço se movimente. Assim o tempo começa e volta.

Obs: O movimento se funde, indissoluvelmente, às categorias básicas de nosso ser: que são espaço e tempo, induzindo a existência do outro, os espaços expandindo-se ao longo do tempo e o tempo transcorrendo através da percepção da dimensão espacial. Na realidade, qualquer movimento que percebemos estabelece imediatamente a dupla referência espaço/tempo.

Falam de um tempo contínuo. Esse dado pode ser observado na repetição dos motivos

Obs: Se você fala em ritmo, fala em movimento; se você fala em repetição, fala de tempo.

Repetição de elementos vizinhos. Essa topografia pode estar a indicar a aceitação de sua vizinhança e de seu povo.

Obs: Esses desenhos podem criar infinitos relacionamentos; podem ser combinados entre si e ordenados nas várias direções espaciais e ainda combinados entre si e ordenados nas várias direções espaciais criando fusões.

Apresentam uma visão étnica do espaço e do tempo.

Obs: O desenvolvimento da personalidade se dá dentro de um contexto social, a partir dos meios e dos propósitos da sociedade. A criatividade se exerce nessas possibilidades culturais e delas recolhe as formas concretas expressivas.

Como musicóloga, nesta etapa do trabalho faço as seguintes perguntas: Para que serve esse levantamento sobre os desenhos? E a música ?

É… mas para responder a essas perguntas, vamos ter que voltar lá para o momento do ritual da Dança dos Aruanã. Vamos olhar novamente o desenho que expressa a estrutura da coreografia. A Imagem do Princípio, lembram-se ?

Como sabemos, a música e a dança utilizadas em certas circunstâncias ritualísticas surgem instintivamente como auxílio imediato, criando e completando a imagem do contexto. Por esta razão, para estudar música tive que considerar e relacionar este objeto do estudo com a dança, e com outros aspectos da vida dos Karajá, especialmente com os ritos, mitos e símbolos do contexto da Dança dos Aruanã. Este procedimento criou novos caminhos, e, de uma certa maneira, fez com que meu olhar se direcionasse para outros elementos, criando assim a possibilidade de se encontrarem analogias em outros planos de expressão, assim como a visualidade e a dança. Na verdade os elementos formais da coreografia da dança deram-me fundamentos para olhar e entender não só a representação dos três mundos que compõem o universo cosmológico dos índios Karajá, como também dos elementos feminino e masculino que caracterizam a dualidade presente nestas manifestações.

Os cantos apresentam sempre dois temas, que os Karajá chamam de primeira e segunda música. À primeira, denominam "Iumy", (corpo), e à segunda, "Ito ou Iòwòna", (subida). Cantam primeiro três vezes o tema A, depois o tema B uma, duas ou três vezes, isto sem sair do espaço masculino, mas em geral cantam três vezes. Quando começam a dançar pela estrada retornam ao tema A, cantando até alcançar o meio da estrada. Aí então voltam a cantar o tema B, que também podem cantar uma, duas, ou três vezes, conforme a disposição da permanência neste espaço. Ao retornarem à dança prosseguem pela estrada, com o tema A, que vão cantando até atingir o pátio feminino, onde passam a cantar o tema B. E assim sucessivamente, até completarem três voltas, que fazem durante todo o percurso de cada música. Porém, na última volta, ainda no espaço feminino, depois de cantarem o tema B com suas devidas repetições retornam sempre ao tema A para finalizar. Assim sendo, de uma certa maneira o tema A está associado ao gênero masculino, assim como o tema B ao feminino

Como se vê, esta representação estética obedece a uma ordenação, e expõe características que priorizam certos elementos simétricos enfatizados por tríades. Esses elementos configuram a seguinte forma:
A 3 vezes (No espaço masculino)
B 1,2,ou 3 vezes (Ainda no espaço masculino)
A Sucessivamente (Na estrada)
B 1,2,ou 3 vezes (No meio da estrada)
A Sucessivamente (Na estrada)
B 1,2,ou 3 vezes (No espaço feminino)
A 3 vezes (No espaço feminino, cantam para retornar à estrada, ou para finalizar).

Pode-se observar que os cantos iniciam com o tema A, depois cumprem uma ordem de seqüências de A e B, para finalizar novamente com o tema A. Interessante notar que a forma da música dos Aruanã apresenta o mesmo fechamento da "forma ABA da Sonata".

Segundo Platão,
Essas idéias de círculo, triângulos, linha, eram idéias perfeitas, inatas à mente, e é por existirem na mente que somos capazes de as projetar, para o dizer de algum modo, na realidade, embora a realidade nunca nos ofereça um círculo ou um triângulo perfeitos.

Sobre essas implícitas regras universais, Lévi-Strauss assim escreve:
Se olharmos para todas as realizações da humanidade, seguindo os registros disponíveis em todo mundo, verificaremos que o denominador comum é sempre a introdução de alguma espécie de ordem. Diz que se isso representa uma ordem na esfera da mente humana, e se a mente humana, no fim de contas, não passa de uma parte do universo, então quiçá a necessidade exista porque há algum tipo de ordem no universo e o universo não é um caos.
Muito embora tenha registrado algumas variantes no procedimento específico desses cantos, principalmente na questão das repetições dos temas, depois de muita escuta e uma cuidadosa revisão com os próprios índios ficou explícita a existência de uma regra. Observei também que a grande maioria das melodias apresentam sons repetidos e características particulares que definem a visão musical dos Karajá.

Considerando que as melodias cantadas pelos Aruanã estão veiculadas com a personificação dos espíritos que habitam o fundo do rio, posso dizer que alguns dos pontos levantados no estudo ensejam associações com a narrativa mítica dos Karajá Como foi visto, a melodia dos cantos apresenta dois temas. O primeiro, os índios denominam de "Iumy", que quer dizer corpo, e o segundo, denominam "Ito ou Iòwona", que quer dizer a subida. Em princípio comparando os dois temas vê-se que, Iòwona se inicia com saltos para a direção mais aguda; isto é: principalmente intervalos 3ª m, 3ª M, de 4ª justa, 5ª justa, 8ª justa. Esses intervalos podem ser traduzidos graficamente como sendo linhas oblíquas e no caso do intervalo de 8ª justas como uma linha vertical prolongada. Este dado levou-me a associar o tema Iòwona com a subida dos Aruanã ao mundo do meio, isto é, ao mundo dos Karajá humanos, marcando sua permanência durante a Dança dos Aruanã. Outro aspecto que levantei refere-se às linhas das melodias. Estas são predominantemente descendentes, como sinalizadoras do mundo das profundezas das águas, para onde os Aruanã deverão retornar.

Durante a análise técnica da música foi possível constatar a presença de vários elementos que se identificam com os que foram observados nos desenhos. Podemos dizer que os cantos…

Não apresentam tensões.

Obs: quanto maiores forem os contrastes formais menos veloz se torna a linha; uma sequência horizontal de traços verticais é bem mais lenta - mais lenta e mais pesada - do que a sequência horizontal composta de tracinhos horizontais. De maneira semelhante às linhas, ou outros elementos visuais que forem introduzidos numa composição e elaborados formalmente: superfície, volumes, cores, luz (contrastes de claro e escuro) irão configurar determinadas relações de espaço e de tempo.

Apresentam caráter cíclico, utilizando sempre 2 (dois) temas. Os temas melódicos podem criar infinitos relacionamentos. Podem ser combinados entre si e ordenados nas várias direções e ainda combinados entre si e ordenados nas várias direções criando fusões.

Obs: - Segundo Pitágoras o conceito do "dois" incorpora o princípio da dualidade, do duplo, do outro, que tem que existir para que haja a noção do um.
Não podem ser interpretados como alegre ou triste. Durante o período de estudo constatei também que cada dupla de Aruanã tem um padrão melódico, rítmico e de andamento. Alguns cantos são mais densos e passam a idéia de uma atmosfera soturna; outros, indicam uma atmosfera mais solta, mais livre, mais clara.

Repetição de temas (melodia).

Obs: Se você fala em repetição fala de tempo.

Apresentam o ritmo da respiração. Seqüência rítmica sempre contínua.

Obs: Se você fala em ritmo, fala em movimento … O ritmo pausado expressa tempos vitais internos de processos de desenvolvimento e crescimento em toda a natureza.

Fala de um tempo contínuo isto é; apresenta uma visão étnica do tempo.

Obs: A noção de tempo não está ligada apenas a nossa vida interior. Ela também varia de acordo com nossa cultura, pois se nutre da memória coletiva e dos pontos de referência objetivos. Esses pontos de referência evoluíram muito desde o início da humanidade. O tempo tem portanto uma história. Os homens da antiguidade provavelmente não tinham a mesma noção de tempo que nós, mas a escala de uma vida humana, os pontos de referência essenciais eram os mesmos que os nossos, ou seja, o dia e o ano. A atividade principal agrícola era ritmada pelo nascer e pelo pôr do sol e pela sucessão das estações que condicionavam os trabalhos. Assim é que o calendário egípcio tinha apenas três estações: a inundação, o verão e o inverno.

Não apresentam limites. Caso a estrada que leva do pátio feminino ao masculino fosse mais extensa a melodia se estenderia com as repetições temáticas.

A forma da música pode ser traduzida graficamente completando um círculo.

Obs: A forma (desenho) pontuda, ou seja, uma forma visual agressiva, aponta parecendo furar o espaço, ao passo que a curva ou a forma circular, é sentida como um movimento não agressivo, de acompanhamento ou até mesmo de aconchego, mas nunca de oposição

Apresentam uma relação constante simétrica.

Obs: As leis que regulam o movimento exigem a presença de um valor mensurável e constante: a métrica, elemento puramente material, através do qual o ritmo elemento puramente formal, se realiza. A métrica revela em quantas partes iguais será dividida a unidade musical que denominamos compassos, enquanto o ritmo, de como essas partes iguais serão agrupadas dentro de um determinado compasso. Vemos, portanto, que a métrica oferece os elementos de simetria, sendo inevitavelmente composta de quantidades iguais… o ritmo estabelece a ordem no movimento dividindo as quantidades fornecidas pelo compasso.

Mostra a visão do mundo Karajá.

Obs: O desenvolvimento da personalidade se dá dentro de um contexto social, a partir dos meios e dos propósitos da sociedade. A criatividade se exerce nessas possibilidades culturais e delas recolhe as formas concretas expressivas.

Bem, esses foram alguns aspectos que consegui abstrair da leitura dos desenhos, que foram observados também na música cantada pelos índios Karajá.

Obs: Estes dois sentidos, da visão e da audição, são prioritários em nossa apreensão do espaço. Veremos que a orientação espacial que nos proporcionam - conhecimento de distâncias, proximidades e intervalos, de magnitudes, profundidades, superfícies etc. é incorporada como referencial primeiro em nossa auto percepção e concomitantemente, nas formas simbólicas que criamos. Ainda, a visão e a audição não apenas projetam nossa presença física e nossas atuações para regiões muito além de nosso alcance físico direto, como também permitem estabelecer limites e estruturas no espaço tempo do mundo exterior.

Considerando o tema deste estudo temos também algo importante a mencionar com respeito à música. Falaremos rapidamente sobre a visão de Pitágoras, filósofo grego, sec VI antes de Cristo.

"Ao conceber a noção de harmonias, Pitágoras encontrou-as como que cristalizadas na música. Partindo das subdivisões da corda musical, ele estabeleceu uma relação entre frequências sonoras e a razão matemática com a seção áurea regulando os acordes harmônicos de oitavas, quintas e terças (8-5-3, números da série Fibonacci) e também dos intervalos e sobretons correspondentes. Pitágoras também enfocou a música sob um ângulo didático-étnico, ao considerá-la o mais nobre caminho de educação da sensibilidade para se poder alcançar uma compreensão mais plena da vida."

"Tudo é ordenado de acordo com os números", dizia Pitágoras. Nesta noção - transmitida, entre outros, por Platão - fundamenta-se, em parte, o enfoque quantitativo, racionalísta e materialista, que mais tarde haveria de distinguir a mentalidade da cultura ocidental. Pois em sua visão, os números não são apenas elementos de enumeração ou medição. Eles são sempre princípios configuradores atuantes. Por exemplo, o conceito do "um" incorpora a essência da unidade, cósmica e total, do uno assim como no "dois" há princípios da dualidade, do duplo, do outro, que tem que existir para que haja a noção de "um". O "três" leva às tríades, ao triangular; o "quatro" ao quadrado, com sua dupla simetria de dimensões. E assim por diante, dezenas, dúzias, centenas, milhares. As quantidades são sempre vistas como entidades próprias, cada uma com certas características estéticas e éticas."

"Nesta visão, quantidades correspondem a qualidades. Toda matéria agora é estruturada em termos significativos e harmônicos. Até hoje essa visão da integração harmônica das forças da natureza não desapareceu; ela continua impulsionando as buscas de conhecimento diante do grande mistério da existência."

Os milhares de objetos encontrados desde os tempos mais remotos até os dias de hoje, testemunham que o homem sempre teve uma necessidade de dar forma e um significado às coisas no exercício de sua existência Os novos conhecimentos se baseiam em novos relacionamentos e nas novas ordenações que se tornaram possíveis, adquirindo novos significados. É o caminho humano e não há outro - para tentar entender e explicar o sentido dos fenômenos no universo e o modo como a própria existência se insere na grande ordem das coisas.

"Há portanto que se entender as ordenações inseparáveis de uma visão de mundo, e não apenas como uma técnica isenta de quaisquer conotações significativas."

Concluímos que o homem ao longo de sua existência, sempre incorporou formas sejam elas visuais, sonoras, gestuais e outras, de acordo com a sua cultura, sua maneira de viver e de perceber a vida. A "forma" pode pois, ser observada como um caminho de comunicação que foi construída pelo homem ao longo de sua existência, que é capaz de nos fornecer conhecimentos, história, assim como também de nos falar a respeito da natureza e sentimentos da humanidade.

Deixo aqui registrado que realizei este estudo com a intenção de pesquisar outros caminhos de olhar alguns fenômenos espaciais e temporais, isto é visuais e musicais. A propósito o pesquisador Ilya Prigogine, físico e matemático, assim escreve em seu livro "O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza":

"Neste fim de século, assistimos à emergência de uma ciência que não está mais limitada a situações simplificadoras, idealizadas, mas que nos coloca diante da complexidade do mundo real, de uma ciência que permite à criatividade humana viver como expressão singular de um traço fundamental de todos os níveis da natureza."

Considero ainda que vale comentar que o interesse pela pesquisa se ampliou a partir do momento em que são recusados os princípios organizadores do discurco musical do Ocidente, fundamentado, desde época do Renascimento. Na verdade, estudiosos de várias áreas de conhecimento têm se dedicado à pesquisa aberta. Com relação aos estudos musicais podemos dizer que, especificamente a área de composição tornou-se um campo de pesquisas e experimentações. Esse novo comportamento musical passa a explorar elementos indeterminados, a criatividade do não controle, e a recusa da organização tonal, rítmica e formal, criando novas possibilidades estruturais e leituras dos espaços sonoros. Assim sendo, de uma certa maneira, passamos a compartilhar com os propósitos da ciência e da filosofia neste século. No entanto, reconhecemos que são raros os estudos musicológicos empreendidos no Brasil, que apresentam um enfoque científico. Porém, acredito que é sempre tempo de se pensar em algo, que possa fazer com que nossos esforços não se percam no vazio. Neste instante, considero que será valioso refletirmos sobre as palavras de Sófocles na Antígona.

"Olhem as árvores acompanhando o movimento da tempestade, elas preservam seus ramos tenros. Se quiserem erguer-se contra o vento, são carregadas, com raiz e tudo."

Finalizando, confesso que quando iniciei a observar os desenhos tradicionais dos Karajá sentia-me como se estivesse num caminho escuro onde só conseguia perceber uma luz bem longe. Mas pouco a pouco, o caminho foi-se iluminando. E agora, neste momento, acredito mais do que nunca nas palavras de KANDINSKY.

A pintura não se recebe exclusivamente pelos olhos, nem a música exclusivamente pelos ouvidos. Diz que ambas se dirigem aos cinco sentidos. Isso ocorre porque, os elementos da forma são seres vivos que agem sobre o espírito do espectador.

Agradeço a todos os organizadores deste encontro, em especial do Dr. Antonio Alexandre Bispo, pelo convite que me enviou para participar deste importante evento. Muito Obrigada.

 

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Artigos completos nos Anais do Congresso "Brasil-Europa 500 Anos: Música e Visões".

Text ohne Anmerkungen, Bibliographie, Notenbeispiele und Illustrationen.
Vollständige Beiträge im Kongressbericht "Brasil-Europa 500 Jahre: Musik und Visionen".

 

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