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N° 20 (1992: 6)


 

OFFICIUM HEBDOMADAE SANCTAE: A PRESENÇA DO PASSIONÁRIO TOLETANO DE 1702 NA LITURGIA DAS "MINAS DOS GUAIAZES", SERTÃO DO BRASIL

Profa. Dra. Maria Augusta Calado Rodrigues
Universidade Federal de Goiás

 

 Com o surgimento das "minas dos guayazes" no primeiro quartel do século XVIII, a penetração dos bandeirantes resultou no povoamento pelos colonizadores portugueses, espanhóis e os paulistas.

Seu governo civil era a Província de São Paulo, eclesiasticamente pertencia ao báculo do Rio de Janeiro, que manteve sua vigilância desde o surgimento da freguesia de Sant'Anna em 1729, através dos visitadores diocesanos e vigários residentes. Geralmente estes eram doutores e profundamente imbuídos do sentimento religioso da pátria Portugal, imprimiram nessas novas minas de um país laico o caráter do culto da religião, através do Ofício da Semana Santa, que tornou-se um acontecimento sócio-cultural da maior importância no calendário litúrgico daqueles tempos. Fez-se necessária a criação dos coros e a organização do canto litúrgico, possibilitando o aparecimento e predomínio do canto gregoriano, fator que irá influenciar futuramente, com a criação do Seminário Santa Cruz em 1860, o surgimento de uma escola de canto gregoriano.

A Catedral de Vila Boa de Goiás estruturou-se nesse canto monódico, baseandos no Passionário Toletano, editado em Madri em 1702, conforme documento pesquisado.

Maria Augusta Callado

Esse "Ofício da Semana Santa" revela a importância da prática desse Passionário na distante Catedral da Vila Boa de Goiás, importância essa que implica em dois fatores de grande interesse histórico.

O primeiro é a prova documental autêntica de uma edição oficial, autorizada, que reuniu cantos contendo o novo rezado do canto chão, publicada em Madri em 1702 com impressão limitada de quinhentos e cincoenta exemplares, sendo que um deles foi destinado às longínquas "minas dos guaiazes".

O segundo atesta a preocupação e obstinação do Clero e da Corte portuguesa em imprimir o Culto da Religião aos gentios desta laica colônia, moldando neles o sentimento cristão que o teve como prumo de suas vidas. Os clérigos foram inflexíveis em conseguir uma unidade de crença através das cerimônias que eram compartilhadas pelos vilaboenses, tornando a religião o elemento ordenador e normatizador da conduta moral e religiosa, fato que também favoreceu o domínio da Coroa.

Em terras goianas, o austero poder religioso manteve-se inalterável por dois séculos e o Ofício da Semana Santa foi o fio condutor do equilíbrio, severidade e autoridade da Igreja. Foi ele a cerimônia mais importante no calendário litúrgico daqueles tempos e por seu caráter profundamente piedoso, manteve coeso, uno, o sentimento cristão em Goiás, impregnando nos fiéis uma profunda devoção aos mistérios da Paixão e Morte, vibrantemente coroada pelas esperanças da Ressurreição.

As novas "minas dos guaiazes", descobertas e povoadas no primeiro quartel do século XVIII pelos bandeirantes paulistas e portugueses, e também alguns espanhóis, foram anexadas a Província de São Paulo, mas eclesiásticamente pertencia ao báculo do Rio de Janeiro. Esse Bispado manteve atenta vigilância desde o surgimento da freguesia de Sant'Anna em 1729 através dos visitadores diocesanos e vigários residentes que geralmente eram doutores. Elevada a dignidade de Prelazia de Sant'Anna de Goiás em 1745 seu primeiro bispo, beneditino Dom Fr. Antônio do Desterro, embora nunca tenha vindo às terras goianas, manteve atento controle sobre seus governados.

Nesse ano de 1745, foi empossado como vigário, Dr. João Perestrello de Vasconcellos, que segundo a tradição, ali introduziu a Semana Santa. Perestrello criou nesse mesmo ano, a Irmandade do Senhor dos Passos, responsável e organizadora das cerimônias desta Semana. Em 1762, é designado vigário da vara o cônego Dr. Manoel de Andrade Varnek, chantre da Sé do Rio de Janeiro, segundo o cônego Luiz Antônio da Silva e Souza,31 primeiro historiador da Província de Goiás.42

Varnek veio para Goiás cumprindo ordem diocesana de D. Fr. Antônio do Destêrro, de quem desfrutava a estima e confiança. Além dos rigorosos encargos de sua missão como vigário, deve ter tido a incumbência, como diretor do côro da Catedral, de conferir a entonação e regulamentação dos Ofícios Divinos, dedicando especial atenção ao canto gregoriano, instruindo e exigindo a fluência do canto interligado ao texto sagrado, canto esse que já se ouvia nas solenidades de ações de graças, como o Te Deum em 1780 que foi celebrado na Igreja Matriz, em ação de graças à chegada do cabo José Luiz Pereira, que trazia um grupo de Caiapó, inclusive o bebê Damiana da Cunha.53

Possivelmente a prática do canto gregoriano nas cerimônias da Catedral tenha futuramente influenciado, com a criação do Seminário Santa Cruz em 1860, o surgimento de uma escola de canto gregoriano, onde destacou-se o mons. Francisco Xavier da Silva, que possuia um conhecimento especializado em cantochão,64 e os padres Laffayette José Godoy e Mariano Inácio de Souza,75 que foram professores de canto gregoriano nesse seminário.

Acreditamos que esse Passionário da Catedral de Vila Boa de Goiás tenha embasado o conhecimento e prática do canto monódico na antiga capital de Goiás, conforme documento pesquisado pela autora da presente comunicação.

 

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