Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 20 (1992: 6)


 

DO CANTO GREGORIANO NO ESTUDO DA MUSICOLOGIA

Prof. Dr. Hans Schmidt,
Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia
(Trad. A.A.Bispo)

 

Prof.Dr.Hans Schmidt Universidade de Colonia
É certamente experiência generalizada o fato de que sobretudo em tempos de tensão econômica se levante de novo na opinião pública a questão do sentido, objetivo e da finalidade das ciências da arte. Naquilo que diz respeito à Gregorianística, quer-me parecer que esta não vem sendo presentemente reconhecida no seu significado real e correspondentemente respeitada, mesmo por especialistas. Visões gerais do superabundante quadro de cursos oferecidos pelas universidades de língua alemã permitem reconhecer que esse campo é, em geral, sub-representado.

Pelas evidentes negligências não devem ser culpadas as instituições em sí, pois aqui reina ainda a boa e velha liberdade de pesquisa e de ensino. O patente pouco interesse dos responsáveis científicos é ainda mais lamentável se considerarmos que, - segundo a minha experiência pessoal de anos -, se pode muito bem contar com uma favorável disposição da geração jovem de hoje; através de uma apresentação apropriada, ela parece bem compreender que não se trata aquí apenas de um fundamental terreno da música sacra, porém dos únicos testemunhos transmitidos dos muitos séculos da época mais antiga da História da Música Ocidental.

Lamentando-se falhas, sugere-se ao mesmo tempo outras opiniões próprias; permitam-me dar-lhes uma breve visão do meu campo de ação atual. O Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia, no qual atuo desde 1976, é considerado sobretudo pelos valiosos fundos de sua biblioteca, que já há anos contava com mais de 150.000 títulos, como uma das maiores e mais potentes instituições do gênero de todo o mundo. O instituto desenvolve freqüentemente, sob a direção ágil do atual diretor, também atividades supra-regionais: assim, de princípio, várias conferências internacionais sobre Música Nova: em 1985, Schostakowitsch, em 1987 Bernd-Alois Zimmermann, 1988 Ives e 1991 Prokofjew. Mais de 1000 estudantes de Musicologia registrados distribuem-se pelos três departamentos especiais dos ramos histórico, etnomusicológico e acústico-sistemático da disciplina. Já desde muitos anos o Instituto é constantemente procurado por representantes de diferentes países. Através do Programa europeu "Erasmus" há um estreito vínculo com a universidade espanhola de Salamanca.

O velho ditado: "Diga-me com quem Você anda que eu digo quem Você é", tem por certo uma validade especial tanto no que diz respeito à biblioteca de um estudioso quanto à de um instituto. É mérito inestimável do grande Nestor do instituto de Colonia, o Professor Dr. Dr. Karl Gustav Fellerer, ter coletado para uma subdivisão especialmente reservada à Música Sacra da Biblioteca trabalhos científicos de todo o gênero que lhe foi possível alcançar: para pesquisas gregorianistas um instrumentário do mais alto nível. Condições de trabalho quase que ideais são oferecidas, além do mais, pelos bem volumosos fundos de filmes e de gravações, assim como pelos bem organizados catálogos sistemáticos e de nomes, o que possibilita o uso da literatura segundo os mais diversos pontos de vista.

Não é aqui nem possível, nem talvez absolutamente necessário entrar em maiores detalhes a respeito das contribuições inumeráveis de Fellerer na área científica da Música Sacra e da Gregorianística. Lembro apenas de uma obra que tão grandiosamente resume e atualiza: "A História da Música Sacra Católica", em dois volumes, que é quase que indispensável para muitas questões com as quais se ocupa seguramente também o presente congresso.

Graças à grande herança deixada por Fellerer, que até os seus últimos dias atuou nesse instituto, o estudo da Gregorianística representa uma disciplina constante no quadro dos cursos e investigações oferecidos. Em regular alternância bi-anual ministra-se um curso de Gregoriano com aulas práticas de paleografia sobre neumas latinos e bizantinos. Ocasionalmente, tem-se também o trabalho conjunto das diferentes disciplinas do instituto nessa temática, no sentido lato do termo; eu penso mais exatamente por exemplo num seminário principal que despertou muito interesse a respeito das "Culturas musicais antigas da área mediterrânea", uma realização conjunta das áreas histórico-musical e etnomusicológica. Os trabalhos de exame que se seguiram demonstraram que tais atividades levaram a adequados resultados. (...)

O alto valor que o nosso Instituto de Colonia reconhece à Gregorianística pode ser constatado até mesmo nos exames finais. Assim, eu próprio, após tê-lo combinado com os colegas e seguindo uma sugestão do prezado colega, professor titular Max Lütolf, fiz uma regra constante em todos os meus exames, dividindo-os em partes obrigatórias e em partes de livre escolha. Obrigatória é para todos a realização de uma prova examinadora no âmbito da Gregorianística. É claro que se excetuam os candidatos provenientes de culturas árabes, islâmicas, que de resto não precisam apresentar provas de conhecimentos de latim. Apesar do amplamente diversificado campo de interesses de tantos estudantes ainda se não teve um caso de que algum candidato haja considerado tal componente do exame como inadmissível obstáculo.

Quem pela formação esteja um tanto distante dos muitos aspectos dessa área específica da cultura de canto cristão pode, em todo o caso, dedicar-se a esse fundo melódico grandioso na consciência de estar tocando nas raízes da música ocidental; além do mais, tem-se a tarefa científica ainda não totalmente resolvida da investigação melódica em geral.

Com esta menção à investigação melódica tem-se certamente importantíssima tarefa da pesquisa futura, o que vai das culturas de canto monódico-gregorianas até o amplo terreno da canção popular em línguas nacionais. Muitos dos trabalhos até hoje apresentados ocupam-se com o relacionamento entre texto e melodia, o que não tem apenas indubitável justificação sob o ponto de vista da interpretação das leituras; na riqueza dos cantos solistas da missa há características retóricas impossíveis de não serem reconhecidas e que permaneceram vivas na consciência até mesmo em conceitos como "melismas de interpontuação". Deve-se porém indagar como é que de uma possível dependência originária mais forte entre palavra e tom solidificaram-se por fim formas puramente relevantes do ponto de vista musical, embora condicionadas liturgicamente. Está ainda completamente em aberto a questão de como foi possível que se criassem a partir da fala solene ou da simples declamação dos salmos e leituras formas altamente desenvolvidas, como aquelas que se encontram já nas mais antigas fontes dos séculos IX e X.

Um universo em sí e um patrimônio cultural próprio do mais alto valor podem ser entrevistos já nos salmos, que constituem parte decisiva nos textos dos cantos gregorianos mas que ainda não puderam ser até agora justamente compreendidos na sua forma mais propriamente poética. É claro que pelo menos os dados até agora reconhecidos devem ser integrados nas considerações analíticas dos cantos, o que já foi de fato praticado, até um certo ponto. Isso diz respeito por exemplo a fatos como o famoso parallelismus membrorum, o paralelismo dos membros, ou a estruturação segundo cadências e trechos parciais, o que traz em conseqüência a formação de fórmulas melódicas típicas como elementos construtivos fundamentais do contexto musical.

Detendo-se já em tais reflexões e indagando-se a utilidade da pesquisa da cultura musical ocidental mais antiga, então as melhores condições são oferecidas pela própria limitação a um corpo textual passível de ser abrangido no seu todo, como incarnado nos salmos. O freqüente emprêgo múltiplo de textos cria respectivamente o apropriado tertium comparationis para que se desvende comparativamente as práticas individuais das antigas melodias.

Naturalmente sabe-se bem que a função litúrgica - seja no canto acompanhador coral do Introitus ou no canto solístico de próprio valor em sí no Gradual ou Alleluja - desempenhou papel decisivo no fato musical. E já foi possível demonstrar há muito um contigente correspondente de elementos construtivo-melódicos de cunho típico. Pouco se entrou até hoje nas práticas e técnicas exclusivamente musicais que aí participam, seja a transformação de núcleos substanciais melódicos, seja um tipo especial de desenvoltura melódica. Exatamente nesse campo é que as investigações meritórias que Paolo Ferretti já em 1934 apresentou no seu livro "Estetica Gregoriana" permaneceram mais ou menos episódio isolado.

É de grande importância nessas reflexões que se fique consciente de que se tem aqui uma grande quantidade de questões fundamentais que podem ser tratadas no futuro mesmo em regiões que disponham de fundos bibliotecários muito restritos, pois aquí são necessários sobretudo as edições atualmente válidas das melodias propriamente gregorianas, assim como das mais importantes fontes facsimiladas.

A pesquisa moderna tem procurado integrar de forma crescente, também em campos da ciência humana, o computador nas suas investigações, a fim de poder dominar a quantidade estatística considerável dos casos que devem ser examinados. Naturalmente a destreza do computador depende da forma inteligente com que foi realizada a computarização de dados.

Justamente nas análises melódicas tão complexas pode ser de significado decisivo a escolha de critérios de ordenação e a dimencionamento da quantidade adequada dos componentes a serem considerados. No passado, usava-se partir do Incipit, na consideração de fatos melódicos no todo ou em partes. Tal procedimento é certamente razoável e útil no registro de completas bibliotecas ou arquivos musicais. Em investigações analíticas não se trata em absoluto de salientar-se tal pars pro toto; aqui se trata muito mais da procura não só do idêntico mas também do similar, do aparentado, ou seja, do passível de comparação segundo as respectivas características estruturais.

Nesse sentido, tudo indica que o trabalho computarizado de finais e semi-finais seja urgentemente recomendado. Isto coincidiria também com o significado especial da Finalis na ordenação dos modos eclesiásticos. Poder-se-ia ao menos fazer uma coisa sem descuidar da outra, ou seja, computarizar tanto os inícios quanto os finais.

De resto, deve-se levar muito em consideração que de tais reflexões metodológicas podem ser construídas pontes para o tratamento de questões altamente atuais da pesquisa da canção folclórica de hoje. E isso diz respeito não menos ao amplo terreno da assimilação da área gregoriana no campo das canções religiosas e profanas em vernáculo.

Até mesmo sem a consideração de relatos contemporâneos, - que são de qualquer forma de natureza muito genérica nos primeiros séculos cristãos -, pode-se tirar conclusões diretas dos cantos a respeito de camadas de idade, pelo menos quanto à anterioridade ou à posterioridade de peças. Como indício podem servir as traduções respectivas da bíblia. Sempre aparecem diferenças que podem ser claramente atribuídas à mais antiga tradução, Itala, ou à mais nova, Vulgata. Comparações entre a tradução Itala com o texto grego da Septuaginta levam a resultados surpreendentes e sugerem que os cantos correspondentes tenham sido inicialmente concebidos para texto grego; a versão latina posterior teria sido mantida tão próxima quanto possível à grega para que as melodias pudessem ser exatamente conservadas. Cumpre ainda mencionar que de fato há no âmbito latino antífonas que apresentam de início a tradução Vulgata, passando depois à Itala.

Importantes conhecimentos podem ser deduzidos do tipo da notação. De princípio deve-se certamente distingüir entre "a capacidade" e "a não capacidade" e o "considerar necessário". A notação certamente corresponde em geral às exigências necessárias. Seria então necessário descobrir o consenso geral dos escribas e daqueles potenciais usuários. Em todo o caso encontram-se nesse sistema de neumas - na maior parte das vezes feito à medida - indicadores que não devem ser desprezados mesmo para pontos de vista apropriados à análise das melodias.

Não é muito fácil responder à questão do que oferece mais informação para a execução de cantos gregorianos, se as notações neumáticas mais antigas ou se as edições mais modernas de Canto Gregoriano. Já o famoso Codex St. Gallen 359 do século IX inclue de fato uma grande quantidade de dados concernentes à rítmica, agógica, dinâmica e outras possíveis nuances da forma de interpretação que não se encontram nas edições atuais de Canto Gregoriano. Só que os diferentes sinais e letras ainda não puderam ser decifrados completamente, de modo que se decidiu por enquanto pela solução intermediária de agregar os neumas e sinais extras de fontes consideradas como autênticas à notação coral. Uma edição de tal tipo é o assim-chamado Graduale triplex. Na reprodução rítmica de cantos gregorianos nada se mudou na forma de execução já usada há várias décadas e que representa o melhor compromisso, de acordo com a situação das fontes.

Os neumas podem ser projetados de resto em todo o tipo da construção melódica. Eles lembram justamente, no citado Codex 359 de St. Gall, de algo tão fundamental como o constatado a seu tempo pela moderna Gestaltpsychologie, ou seja, que a melodia é mais do que a soma de seus sons. Justamente esse venerável Codex demonstra claramente formações das mais diversas dimensões. Em melodia como uma soma de tons particulares poder-se-ia muito mais pensar no outro sistema do Codex Laon 239. Aquí trata-se de Neumas assim-chamados de Metz, nos quais se manifesta bem a agregação de sinais individuais. O psicólogo poderia lembrar-se em tais diferentes expressões do constituído e do agregado de dois tipos definidos de ouvintes, um voltado à audição mais totalizante, de formas, outro mais voltado à percepção atomizada de detalhes.

Considerando-se hoje os resultados alcançados pela investigação científica da música, deve-se constatar que há ainda questões fundamentais e decisivas em aberto no terreno melódico. Dados a respeito do simples ascender e descender, assim como o número de tons ou a grandeza e a colocação de intervalos não emprestam à melodia seguramente o seu cunho específico e não dizem muito a respeito da real concepção melódica.

Não é ao acaso que mesmo ainda um Beethoven dava a maior importância à inspiração melódica de acordo com a suas possibilidades posteriores de emprêgo e de sua capacidade de metamorfose. Os seus esboços, que abrangem várias milhares de páginas, mostram-no sobretudo na constante procura da adequada concepção melódica; a afirmação do Credo na Missa sollemnis foi refletida não menos de 36 vezes.

Justamente em Beethoven não se deve só salientar o alto significado do fator melódico em geral, como também a importância do Gregoriano no sentido estrito do têrmo. Só há uma obra que Beethoven considerou várias vezes em cartas como sendo a sua maior: a Missa sollemnis. Embora possuisse ele um conhecimento respeitável do latim, como o demonstram os seus muitos testemunhos escritos, não deixou ele de, a fim de tratá-los apropriadamente, de estudar os correspondentes textos dos corais dos monges, dos salmos cristãos-católicos, etc.

Por fim, e em conclusão, deve-se dizer que sobre o fundamento imperecível do Gregoriano baseia-se aquele gênero de música que, como fato único, permaneceu desde os tempos mais remotos da música ocidental até o presente e que oferece como nenhum outro possibilidades de comparação de todas as épocas e estilos: o Ordinarium Missae.

 

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