Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 19 (1992: 5)


 


"Cancioneiro Musical e Poético da Biblioteca Pública de Hortência". Concerto do Conjunto de Música Antiga da Universidade Federal Fluminense para o Congresso
500 anos do Descobrimento da América

II° Congresso Brasileiro de Musicologia

FUNDAMENTOS DA CULTURA MUSICAL NO BRASIL

e
III°Simpósio Internacional
"Música Sacra e Cultura Brasileira"

Rio de Janeiro
22 a 25 de abril de 1992

1492 NO CONTEXTO LUSO-ATLÂNTICO-AFRICANO

"Do Novo Mundo, tantos séculos escondido (...) é melhor porção o Brasil (...). Florescia o Império Lusitano (...) Mantinha com a Tiara Romana a antiga união, forma com a nossa obediência e religião; (...) achava-se dilatado com o descobrimento das ilhas de Porto Santo, da Madeira e dos Açores no Oceano, e por diferentes mares, com muitas praças e províncias em África (...) e começava a mostrar-lhe os seus maiores domínios a Ásia, quando o Novo-Mundo lhe abriu as portas de sua mais vasta região. (...) Jaz o opulento Império do Brasil no hemisfério antárctico (...) para o oriente lhe ficam os reinos de Congo e Angola, e tem por antípodas os habitadores da Áurea Quersoneso, onde está o reino de Malaca."

Sebastião da Rocha Pita (1660-1738)

 

Antonio Alexandre Bispo

 

 

Música portuguesa da época do descobrimento no Congresso

Diretor do Depto. de Difusão Cultural

Prezado Senhor,
Vimos por meio deste confirmar a participação do Departamento de Difusão Cultural da UFF no II Congresso Brasileiro de Musicologia e III Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira", com uma apresentação do Conjunto de Música Antiga da UFF no dia 23/04/92, na Escola de Música da UFRJ às 18 horas.
Gostaríamos de ressaltar que o Conjunto apresentará um programa de Música Portuguesa do Século XVI

João Luiz Vieira, Diretor

A evocação do ano de 1492 dá ensejo a que se recorde que o estudo da Descoberta do Brasil e a própria interpretação musicológica de seus primeiros documentos pressupõem a consideração de um contexto de décadas de contactos culturais (e musicais) atlânticos e luso-africanos. Cumpre até mesmo recordar que foi em Lisboa que o próprio Colombo, já possuidor de alguma experiência de mar, aprofundou a partir de 1476 os seus conhecimentos de ciência marítima. Trata-se, portanto, da época histórica marcada pela personalidade do "príncipe perfeito", D. João II, que durante a ausência de seu pai, D. Afonso V, assumiu a regência do reino (1475) e já nos anos anteriores à sua intronização (1481) exerceu decisiva influência nos desígnios do país.

O estudo do contexto histórico-cultural atlântico inclui obrigatoriamente a consideração dos elos que uniam Portugal à Inglaterra e aos Países Baixos, assim como dos pressupostos da história missionária no âmbito mediterrâneo e norte-africano, na qual Mallorca exerceu papel de relêvo. À Portugal pertenciam, na época em questão, as ilhas Madeira (descoberta em 1419), Porto Santo, Deserta, os Açores (1427), Flores, Cabo Verde (1460), Lanaru (Fernando Pó, Príncipe, São Tomé [1450]) e, à Espanha, as Ilhas Canárias.

Sobretudo notícias concernentes à música sacra e profana da Madeira permitem esboçar um quadro do desenvolvimento histórico-musical insular-atlântico no século XV. A época em que Colombo aprofundava seus estudos marítimos foi alí marcada pela chegada de franciscanos (1476), em cujo convento a Festa de Todos os Santos passou a ser celebrada com solene missa cantada. Três anos mais tarde, o testamento de Gil Eanes deu atenção à celebração de ofícios cantados na Igreja de Santa Cruz de Machico. A importância dada à música sacra manifesta-se também no testamento de Rodrigo Anes de Ponta do Sol (Funchal), de 1486, onde se fala de "ofícios inteiros de ladainhas". Tais notícias indicam que, quando da criação da Diocese de Funchal, como primeiro bispado para as novas regiões descobertas, em 1514, a Madeira já
Quadro na igreja de Machico (Foto A. A. Bispo, acervo ISMPS/IBEM)
contava com décadas de cultivo da música sacra.

Quanto à música profana, cumpre recordar o significado emprestado aos poetas palacianos madeirenses insertos no Cancioneiro de Resende. Na disputa poética acêrca de O Cuydar e o Sospirar a Madeira está representada sobretudo com obras do trovador João Gomes (da Ilha) (+ ca. de 1495), pagem do Infante D. Henrique. Também personalidades da vida pública da ilha, como Tristão Vaz Teixeira, capitão de Machico, João Gonçalves da Camara, segundo capitão-donatario de Funchal e seu filho Manuel de Noronha, assim como Pero Correia, capitão da Ilha Graciosa e Porto Santo dedicaram-se à poesia e seus nomes documentam o aprêço que gozou a arte trovadoresca à época dos grandes Descobrimentos.

"(...)lhe cantassem todollos oficios dos finados e huua missa cantada solene e com ella quamtos sacerdotes se achassem na dita jurdiçam (...)".

João Martins da Silva Marques, Descobrimentos portugueses III. Lisboa, 1971.

Cit. in: A. A. Bispo, Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit: Der Raum des früheren portugiesischen Patronatsrechts II, Roma 1987/88, 530-531

A Madeira assume particular significado histórico-cultural por ter-se transformado em cadinho de diversas influências e centro de irradiação cultural para outras ilhas atlânticas e para a costa africana. Mouros, canários e escravos africanos constituiram importante parcela populacional da Madeira e contribuíram para a caracterização da vida musical local. Nos entalhes do coro da Catedral de Funchal ficou conservado para a posteridade a figura de um africano tocando atabaque e a excelência das vozes das mulatas de Machico foi decantada muito antes do apogeu da "música mulata" no Brasil. Da Madeira difundiram-se tradições medievais e romances para outras regiões, por exemplo para Cabo Verde e São Tomé, sobressaindo-se aquí as obras do poeta cego Balthazar Dias. Tais tradições passaram a fazer parte intrínseca da formação cultural e espiritual de africanos que mais tarde aportariam no Brasil. As notícias a respeito das folias e de outros grupos de danças de festas religiosas nas ilhas atlânticas demonstram que o estudo das correspondentes tradições brasileiras não pode ser efetuado independentemente do amplo contexto histórico-cultural atlântico do século XV.

"E seendo a vista da praya, viram viir contra elle bem CXX Guineus, huuns com dargas e azagayas, outros com arcos; e tanto que forom acerca da augua, começarom de tanger e bailar, come homeens afastados de toda tristeza; e os do batel querendo scusar o convite daquella festa, tornaronse pera seu navyo".

Gomes Eanes de Zurara

Cit. in A. A. Bispo, Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit: Der Raum des früheren portugiesischen Patronatsrechts II, Roma 1987/88, 530-531

O primeiro documento de relevância etnográfica e musicológica para o estudo dos contactos histórico-musicais luso-africanos diz respeito aos feitos de Alvaro Fernandes na Guiné, em 1446, e que registra danças em forma de combate de guinéus. Uma outra menção diz respeito às lamentações cantadas de escravos e tem o caráter de uma reflexão teológica acerca do trágico destino dos resgatados. Não apenas atentou-se desde cedo à catequese dos africanos aportados à Portugal como também cuidou-se da formação de sacerdotes africanos que pudessem atuar nos seus países de origem. Importante centro de contactos culturais foi a cidade de Lagos, no Algarve.

Mesmo porém nas solenidades mais significativas da capital do reino manifestou-se nessa época a situação cultural criada pelo contacto com diversos povos e a sua integração na visão antropológico-teológica do mundo herdada de séculos anteriores. O principal documento a respeito é um pormenorizado relato das festas nupciais de D. Leonor, irmã de D.Afonso V, com o futuro imperador Frederico III, em 1450. Nos cortejos participaram grupos de danças constituídos por africanos, mouros, judeus e também selvagens, aquí subentendendo-se nativos das Ilhas Canárias.

Já antes da Descoberta do Novo Mundo, portanto, integraram-se não só negros como também assim-chamados selvagens ou "representantes da nudez" em grupos acompanhados por dança e música e que refletiam conceitos etnográficos de fundamentação bíblica. Foi portanto com base em esquemas pré-estabelecidos de cunho antropológico e baseados na distinção de três raças na simbologia das cores, - do branco, do negro e do vermelho, o que remontava à tradição bíblica dos filhos de Noé -, que se processou a integração de representantes reais de diferentes povos nas tradições medievais. Essas tradições, entre elas aquelas caracterizadas pela luta de espadas e bastões, não deixaram naturalmente de receber a contribuição da música, de instrumentos, de gestos e movimentos provenientes dos representantes de outros povos a elas integrados. Há indícios até mesmo que já em meados do século XV as danças mouriscas de Portugal apresentavam traços que a diferençavam de suas similares cultivadas em outras regiões da Europa.

Representaria portanto um grave êrro considerar tais etnias simbólicas nas tradições medievais, -e que até hoje podem ser observadas no Brasil-, como expressão real de processos sociológicos e do relacionamento de raças do período posterior ao Descobrimento.

Na Idade Média tardia, quando ainda se mantinha a integralidade da visão do mundo, os próprios instrumentos musicais utilizados pelos marinheiros, soldados e missionários possuíam conotações simbólicas. Tais conotações remontavam à Antiguidade nos seus fundamentos conceituais, cristianizados porém no decorrer dos séculos.

É sob este prisma que deve ser compreendida, por exemplo, a extraordinária importância que cabe à gaita de foles no estudo musicológico da época dos Descobrimentos, instrumento este difundido entre os camponeses do Norte de Portugal e da Galícia. O primeiro documento que relata o confronto dos africanos com a música européia diz respeito justamente a este instrumento. Trata-se do relato de Luíz de Cadamosto acerca da admiração dos senegalenses perante uma gaita de foles, em 1456. Índicios a respeito da difusão desse instrumento na segunda metade do século XV e início do XVI referem-se a São Tomé, ao Congo e também ao Brasil, sendo a gaita executada para a alegria dos índios nos dias do Descobrimento. Os próprios missionários manifestaram mais tarde o desejo de ter gaiteiros no seu trabalho junto aos índios. A gaita de foles exemplifica a necessidade absoluta de um estudo mais aprofundado das concepções e dos contextos a que se ligavam os instrumentos musicais na Idade Média para a interpretação apropriada de documentos históricos, até mesmo de notícias da Carta de Pero Vaz de Caminha. Ela dizia respeito à assim-chamada música de couro elucidada por teólogos medievais, uma designação que permanece até hoje viva no contexto de tradições que refletem com surpreendente fidelidade conceituações e práticas medievais. Essa música de couro, portanto, levada a São Tomé e trazida ao Novo Mundo nada tem a ver com superficiais hipóteses de cunho econômico-social relativas a uma "civilização do couro" que explicaria várias tradições do Nordeste brasileiro.

Também no caso de vários outros instrumentos impõe-se uma consideração aprofundada dos fundamentos conceituais que a eles se prendiam e que permitem esclarecer o sentido de diversas tradições. Esse é o caso da viola, por exemplo, nos Açores e no Brasil, e cujo imanente sentido antropológico-musical permaneceu vivo com extraordinária força através dos séculos. Esse é o caso também do atabaque, largamente difundido em Portugal na época dos Descobrimentos e que é constantemente mal-interpretado em tradições brasileiras, embora os conceitos que a ele se prendem já terem sido tratados por pensadores medievais, sobretudo na mística. Vários outros instrumentos poderiam ser aquí citados.

Esses exemplos servem para trazer à consciência não apenas a necessidade de estudos aprofundados das tradições medievais da Europa, como também a da consideração pormenorizada da história de contactos culturais entre povos europeus e a África nos séculos XV e XVI. Cumpre, neste contexto, apenas rememorar alguns fatos de excepcional importância de um desenvolvimento que remonta à época de D. Afonso V, "O Africano".

De particular relevância musicológica é o relato do estabelecimento dos portugueses na Costa do Ouro para a edificação do Castelo de São Jorge da Mina, cujos habitantes já estavam pelo menos desde meados do século em contacto com comerciantes europeus e cujo comércio desenfreado sob a ação de arrendatários particulares clamava pelo contrôle legal. O relato do encontro musical entre os africanos e portugueses oferece valiosos dados a respeito do instrumentário africano e do significado emprestado à música pelos portugueses nos seus feitos no Exterior. Em São Jorge da Mina atentou-se no século XVI ao decoro musical do culto e ao ensino do canto. A Mina merece atenção no estudo da história do processo cultural e religioso que liga a África e a América, uma vez que se transformaria em importante centro de trocas e porto de exportação. Sobretudo os escravos feitos por Benin nas suas guerras contra os povos vizinhos passariam a ser alí resgatados. Trata-se, portanto, de um contexto geográfico e histórico-cultural de grande relevância para o Brasil, sobretudo na consideração apropriada dos pressupostos históricos dos cultos sincretísticos de interesse musicológico e que não devem ser estudados a partir de desenvolvimentos mais recentes, por exemplo a partir do século XVIII.

A costa do Benin no Golfo da Guinea, entre os rios Volta e Niger, foi atingida já em 1484 por João Afonso do Aveiro. Entrou assim oficialmente na história luso-africana um reino que alcançaria nessa época uma fase de apogeu no seu desenvolvimento. A esperança de intensivos contactos comerciais por parte de portugueses baseava-se na pimenta da Guiné que alí crescia e que era vendida nos mercados dos Países Baixos, dominados sobretudo por judeus portugueses. Vale notar que no relato de Ruy de Pina o "descobrimento" do Benin é descrito do ponto de vista dos africanos: esses teriam recebido a notícia da existência de novas terras como grande novidade e, desejosos dela mais conhecerem, teriam enviado uma embaixada a Portugal. Esse embaixador causou ótima impressão aos portugueses, sendo a sua embaixada recebida com festas, nas quais foram "mostradas muitas cousas das boas" do reino. Embora Portugal tenha enviado missionários a Benin, o processo religioso-cultural sincretístico que se desencadeou no Golfo da Guiné não pode ser considerado independentemente da trágica história dos judeus e dos cristãos-novos da Península Ibérica na época de sua expulsão e que foi o período de expansão da Cabala ibérica.Deve-se sobretudo recordar, neste contexto, a formação populacional e a ação desenvolvida por comerciantes em São Tomé.

Encontro de culturas no Congo, 1491

"E pera isso se ajunto logo muita gente com arcos, e frechas, e com atabaques, e trombetas de marfim, e com violas; tudo segundo seu custume, muy acordado, parecia bem: vynham todos nuus da cinta pera cima, e tintos na carne de branco, e d'outras cores, em sinal de gram prazer , e alegria, vestidos de panos de palma ricos da cinta pera fundo, e com penachos na cabeça fectos de penas de papagayos, e d'outras aves diversas, que fazem, e lhes dam por empresas as gentiis molheres. E o Senhor trazia na cabeça hua carapuça, em que andava hua serpe mui bem lavrada d'agulha, e muy natural. Eram presentes a molheres dos Fidalgos, que festejavam, favorecendo com grandes vozes, e praseer seus maridos, dizendo cada hua, que o seu o fazia melhor por serviço d'El Rey de Portugal, a que elles chamam Zambem-apongo, que entr'elles quer dizer Senhor do Mundo".

Ruy de Pina

Cit. in A. A. Bispo, Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit: Der Raum des früheren portugiesischen Patronatsrechts II, Roma 1987/88, 530-531

Essa ilha, sob D. João II, continuou a ter a sua população formada por degregadados e exilados. Milhares de crianças de pais judeus que tinham vindo de Castela para Portugal, em 1492, foram transportadas para São Tomé, onde deveriam vir a receber o melhor tratamento possível. Também aquí os franciscanos exerceram importante ação religioso-cultural, tendo D. João enviado a São Tomé sacerdotes africanos que haviam sido educados em Lisboa. Existem várias provas documentais a respeito da ação comercial e religioso-cultural de cristãos-novos de São Tomé, sobretudo junto a chefes nativos não oficialmente cristãos, por exemplo em Angola.

Ao lado do estudo desse complexo processo histórico-cultural estreitamente vinculado à expulsão dos judeus da Península Ibérica deve-se atentar à história do Cristianismo na Costa Ocidental da Africa e que se desenvolveu da forma mais promissora nos anos imediatamente anteriores ao Descobrimento do Brasil e nas primeiras décadas que o seguiram.

Estudar historicamente o Brasil sem levar em consideração o Reino do Congo, presente conceitualmente em tantas tradições ainda vigentes, representaria indesculpável omissão. Essa região foi atingida durante a primeira viagem de Diogo Cão à Africa, de 1482 a 1484, e o primeiro encontro entre portugueses e nativos decorreu sob bons preságios. Na viagem de retorno foram trazidos os primeiros congoleses à Portugal, não como escravos, mas para que aprendessem a língua e os costumes e servissem posteriormente de intermediários junto ao seu povo. A viagem que levou-os de volta ao Congo foi acompanhada por vários franciscanos. Impressionado e agradecido, o soberano local enviou uma embaixada a Portugal. Essa embaixada, comandada por um dos nobres africanos que já haviam estado em Portugal, alí chegou em 1489, trazendo outros jovens que deveriam crescer dominando duas línguas e conhecendo costumes nativos e europeus. Os portugueses já possuiam a essa altura experiência no relacionamento com nobres africanos e os contactos anteriores tinham sido marcados por cerimônias religiosas emolduradas por solene música sacra e por festas profanas que incluiram corridas de touros, jogos de canas, apresentações de momos e danças.

1491: Batismo do Mani Sonho. Duarte Lopes e Filippo Pigafetta, Relatione del Reame di Congo (...) Amsterdam, 1598
Em fins de 1490, D. João II enviou vários franciscanos, teólogos e homens especialmente escolhidos para o Congo. Este empreendimento de D. João II, bem preparado teológicamente, foi também cuidadosamente organizado do ponto de vista musical. Dada à convicção da ação da Graça através da música litúrgica, as primeiras missas no Congo foram celebradas à altura de solenidades catedralícias. Para isso foram transportados livros litúrgicos, sinos, campainhas e órgãos. Do recebimento dos portugueses pelo soberano de Soio deixou Ruy de Pina relato de valioso interesse musicológico. O batizado do soberano e de um de seus filhos, no dia 2 de abril de 1491, realizou-se com solene música sacra. A primeira missa, celebrada não no dia do batismo, mas apenas após a chegada da pedra d'ara, entrou na história da música do Cristianismo extra-europeu como aquela cuja música mereceu pela primeira vez particular consideração.

No dia da primeira missa no Congo, os oficiais dos navios ofereceram um banquete ao soberano que, de acordo com o cerimonial da Corte, foi acompanhado por "concertos d'Espanha" e trombetas. De particular interesse musicológico é também o relato da viagem acompanhada por cantos e danças à capital do rei, Mbaza Congo, a Cidade do Sino, futuramente São Salvador. Acompanhados por pedreiros, carpinteiros, agricultores e mulheres, os portugueses trouxeram presentes ao rei do Congo, entre outros, "cascaveis" e "chocalhos muito grandes" (!). O seu batismo foi celebrado na véspera da festa da Santa Cruz de 1491 e no dia seguinte, 3 de maio, celebrou-se uma missa solene segundo o cerimonial da Capela Real portuguesa. Tendo-se entregue ao rei do Congo um estandarte enviado pelo Papa Inocêncio VIII ao rei de Portugal para a luta contra os muçulmanos, pode ele logo lutar contra os seus inimigos como defensor da Cristandade. Juntamente com os portugueses - no Congo ficaram quatro franciscanos, alguns outros religiosos e todo o necessário para a celebração de missas cantadas -, vieram a Portugal congoleses de alta estirpe e que deveriam ali realizar estudos.

Há 500 anos, o que prova um documento de 5 de abril de 1492, D. João II fêz reembolsar à Congregação de Santo Eloy ("Loios"), Conegos de São João Evangelista, - religiosos que exerceram considerável influência na formação cristã do Congo -, os gastos feitos com a educação dos meninos africanos.

Estes são alguns dos fatos que marcaram o ano de 1492.

 

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