Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 16 (1992: 2)


 

1822-1992: 170 anos da Independência do Brasil: Música nas relações culturais - Mundo de língua alemã/Mundo de língua portuguesa

RECORDAÇÕES DE PEDRO SINZIG O.F.M. (1922/25)

MÖNCH UND WELT: ERINNERUNGEN EINES RHEINISCHEN FRANZISKANERS IN BRASILIEN
(Freiburg i. Breisgau 1925, 2a. ed. de "Lebendig begraben?")

 

(Excertos)

 

No prefácio desta obra, escrito em Olsberg, em 1922, a tradutora, Maria Kahle, apresenta P. P. Sinzig como jornalista, crítico de filmes, organizador de exposições, autor de livros e sobretudo como músico e defensor da cultura alemã:

"um francisco como compositor de numerosos oratórios, canções, missas, obras instrumentais e outras peças musicais;// um franciscano como regente que, na sua batina marrom, no mais luxuoso teatro do mundo, no mundano teatro municipal do Rio de Janeiro, movimenta a sua batuta à frente da renomada orquestra de Concertos Symphonicos; // um franciscano incansável em defender a justa causa alemã na Guerra Mundial no meio de uma atmosfera contrária e que coloca toda a força de sua personalidade na palavra e na pena a favor da Alemanha, que levanta a sua voz num Magnificat à pátria perante uma assembléia de 3000 alemães no estrangeiro e amigos de alemães de todas as confissões [...]." (op.cit. V)

A vida de P. Sinzig, exposta por ele próprio, só pode ser valorizada justamente considerando-se a história da renovação franciscana no Brasil. Os últimos frades do Brasil, ao terminar o período imperial, dirigiram-se ao Papa Leo XIII com o pedido de envio de franciscanos que repovoassem os conventos. Uma das mais florescentes províncias franciscanas da época era a do Noroeste da Alemanha, denominada da Saxônia, então sob a direção do Provincial P. Gregorius Janknecht. Este, seguindo o pedido do Capítulo Geral, enviou ao Brasil, em 1891/92, P. Amandus Bahlmann, P. Xystus Meives e os irmãos leigos Hubert Themanns e Mauritius Schmalohr. Esses religiosos dirigiram-se à Bahia, fixando-se porém em Santa Catarina. Em 1893 veio o grupo de 30 franciscanos ao qual pertencia P. Sinzig.

P. Sinzig, nascido no dia 29 de janeiro de 1876, inicia as suas recordações com referências à sua infância vivida em Linz:

"O ano litúrgico com as suas festas religiosas e suas tradições populares oferecia-nos muitas alegrias, que esperavamos sempre com impaciência. // Quando aproximava-se a Semana Santa, tinha-se de ter pena de todas as pessoas nervosas. Para o mundo infantil não havia acontecimento mais importante do que o calar dos sinos na Quinta-Feira, dizendo-se que esses teriam voado para Roma, de onde retornariam no Sábado de Aleluia. // Nós os substituíamos, de acordo com o uso da igreja, com matracas pequenas e grandes, que tocávamos de manhã à noite nas casas e fora delas, independentemente das reclamações que se repetiam de todos aqueles que não suportavam o barulho.// O que mais ficou gravado na minha memória do culto na Igreja foi o santo sepulcro ou as bolas de vidro colorido ao seu redor, dentro das quais luziam velas, assim como a melodia das famosas Lamentações de Jeremias (Jerusalem, Jerusalem), entoadas em modo eclesiástico pelo coro masculino e que jamais pude esquecer, até que as encontrei muitos anos depois na edição Medicea de Canto Gregoriano." (op.cit. 5)

"Um grande desejo meu nunca pode ser realizado: aprender a tocar piano. Eu olhava estarrecido os pianos que via nas casas! Como desejava poder algum dia tocar nas teclas; e quantas vezes o tentei em certas ocasiões! O meu pai não tinha condições de comprar um piano, e quando entrei mais tarde na escola dos Franciscanos de Harreveld, o reitor não atendeu a meu pedido de aprender a tocar piano com a desculpa que o tempo disponível até o noviciado não daria para aprendê-lo. [...] Eu aprendi a compor, porque estudei a técnica; eu ouço a música na minha fantasia; eu toco harmonio, mas eu não sou pianista.// A música no Ginásio limitou-se ao canto no coro a quatro vozes, no qual a mim cabia a execução dos solos de soprano. Como substituto e para satisfazer o meu grande desejo, tentava sempre estar próximo do órgão na igreja paroquial, quando as mãos mestras do compositor Rudisch tocavam, ou pelo menos em acalcar os foles, para assim auxiliar a produzir os maravilhosos acordes." (op.cit. 45)

Durante o noviciado, em Harreveld, P. Sinzig dedicou-se ao teatro e à música:

"Assim como o teatro, cultivava-se em Harreveld também a música vocal e instrumental. Já antes de entrar no Colégio, tinha tido a oportunidade de ouvir bom canto dentro e fora da igreja. Não era porém o canto que mais me interessava em Harreveld, mas sim muito mais a música instrumental, que até então pouco conhecia, tendo até mesmo abandonado o meu estudo de violino aos poucos, por falta de acompanhamento. Em Harreveld encontrei uma Orquestra Escolar, na qual imediatamente entrei. // Um dia, o nosso regente - um antigo aluno de Harreveld, que tinha sido professor e mais tarde morreria no Brasil com febre amarela, P. Cäsarius - escolheu os melhores músicos e distribuiu entre eles as partes da Abertura de 'O Califa de Bagdad' de Boieldieu. Jamais esquecerei esse dia. Nós tocávamos com toda a dedicação. A dedicação transformou-se em entusiasmo. Os violinos vibravam como nunca. Os solos elevaram-se de uma forma que nos surpreendeu a nós próprios. E quando acabou de soar ao fim o último acorde, olhamo-nos uns aos outros, como se viessemos de um outro mundo. A música tinha-nos encantado de uma forma que jamais tínhamos experimentado antes e pela primeira vez tivemos a noção daquilo que pode ser a música instrumental." (op.cit. 22-23)

"Do balcão do órgão assistíamos na Semana Santa as Matinas. Os alunos mais velhos tinham-nos contado que, ao terminá-las, em memória da destruição de Jerusalem, todos deveriam bater com o seu livro sobre o banco (fit strepitus). Para nós, nada poderia ser mais agradável. Deixamos de lado os nossos livros de oração, porque não faziam suficiente barulho, e armamo-nos na classe com os mais pesados e volumosos léxicos que encontramos. Quanto demorou até chegar o grande momento. Quando o canto coral chegou ao fim, caiu profundo silêncio na Igreja; rezamos o 'Padre Nosso'. Alguns momentos depois o superior deu o sinal e todos os irmãos bateram cuidadoso- e modestamente com os livros sobre os bancos, como a liturgia o exige. // Mas eles não contaram conosco. O 'fit strepitus' dos monges já terminara quando nós começamos. E, na verdade, o barulho dos gordos léxicos, batidos com toda a força e entusiasmo, deu um eco totalmente diferente àquele tímido dos padres. Para esses foi isso um verdadeiro escândalo, para nós porém uma grande satisfação." (op.cit. 23-24)

"Os noviços devem aprender o Canto Gregoriano, que é tão belo, quando bem entoado, quanto insuportável, quando executado sem compreensão e dedicação." (op.cit. 31)

A viagem de P. Sinzig e do seu grupo de Franciscanos alemães para o Brasil foi marcada por cerimônias religiosas com canto gregoriano:

"Não havendo outros passageiros de primeira classe, excepto nós, a sala de refeições foi transformada em presbitério, onde rezávamos o Breviário nas horas costumeiras. Na mesma sala celebravam os sacerdotes a santa missa, e aconteceu uma vez que um conterrâneo meu, P. Peregrinus Hillebrand, um filho de Linz, não pode terminar a celebração do sacrifício da missa por enjôo de mar. [...] Na festa de Corpus Christi, para a grande satisfação e alegria dos passageiros da terceira classe, cantamos solenemente a missa no convés, para o que o Capitão mandou enfeitar tudo com bandeiras das mais diversas nações. [...] O comportamento do celebrante, do diácono, do sub-diácono e dos coroinhas foi tão nobre e belo, o canto tão bem entoado, o sermão do P. Irenäus tão emocionante que o Capitão, protestante, não pode esconder as lágrimas que lhe caiam das faces." (op.cit. 39)

P. Sinzig chegou em Salvador no dia 8 de junho de 1893:

"Nós nos dirigimos imediatamente à igreja, uma das mais ricas do país pelas suas esculturas e trabalhos de entalhe. Acordes de harmonio num curto prelúdio, e já o P. Irenäus entoava no altar o Te Deum, canto de gratidão acompanhado por nós com toda a alma." (op.cit. 41)


 Der Gottesdienst brachte uns eine nicht geringe Überraschung. Wir waren an äußerste Ehrfurcht und völliges Schweigen in der Kirche gewohnt, und nun sahen wir zu unsrem Entsetzen arm und reich in lebhafter Unterhaltung eintreten, die bis zum Beginn der Messe andauerte und nach Schluß derselben sofort wieder aufgenommen wurde. Man umarmte sich - ebenfalls eine neue Sitte für uns - mit einer Unbekümmertheit, als ob auch dies zum römischen Ritual gehöre. Noch schlimmer war es in den Totenmessen. Man sagte uns, daß hier nicht nur die Verwandten weinten, was ja gar nicht verwunderlich ist, sondern daß eigens Frauen bezahlt würden, um recht laut zu weinen und whzuklagen. Was wir gesehen haben, bestätigte diese Behauptung. Ein Weinen und Schluchzen setzte ein, das nicht mehr enden wollte, wenn nicht gar ein Ohnmachtsanfall dazwischen kam.

op.cit. 45

De particular interesse é o registro de P. Sinzig de suas primeiras impressões dos hábitos tradicionais dos fiéis em Salvador, sobretudo a respeito da veneração de S. Benedito e da existência de carpideiras:

"O culto divino causou-nos não pequena surprêsa. Nós estávamos acostumados a guardar extremo respeito e completo silêncio na igreja, e aquí víamos para o nosso horror que pobres e ricos entravam conversando vivamente, o que durava até o início da missa e que reiniciava imediatamente após a mesma. A gente abraçava-se - também um costume novo para nós - com uma despreocupação como se tal fato pertencesse ao ritual romano. Ainda pior era o que acontecia nas missas de defunto. Disseram-nos que aquí não só choram os parentes, o que não é de se estranhar, mas que há mulheres pagas para chorarem alto e lamentarem. O que nós vimos constatou tal afirmação. Era um chorar e um soluçar que não mais queria terminar, sem falar nos desmaios que podiam ocorrer." (op.cit. 45)

Não sem interesse histórico-musical é também o relato da solenidade dos votos dos noviços alemães na Igreja de S. Francisco:

"Os sinos bimbalhavam solenemente. A multidão encheu as três naves da bela igreja. Sons cheios e marulhantes do harmonio rumorejaram. Soou a campainha da sacristia, e de lá se aproximaram os noviços, trazendo a cruz nas mãos cruzadas sobre o peito, os olhos dirigidos ao chão, uma alegria imensa nas faces. [...]"

Foi durante os seus estudos em Olinda que P. Sinzig resolveu dedicar-se especialmente à música:

"Eu tinha lutado durante muito tempo para decidir qual das artes à que queria dedicar-me: a música ou a pintura. Segundo o desejo de um Visitador escolhí a pintura, que pratiquei durante anos, tão bem e tão mal quanto mo permitiam os meios e os meus muitos afazeres. Não pude porém sufocar o amor pela música. De novo dirigí-me ao Superior, e este escutou-me com atenção e permitiu-me, com prazer, que aprendesse a tocar harmonio. Como havia muito poucas partituras em casa, levava todas as músicas que encontrava para estudar a construção e a técnica de composição. [...] Foi em novembro desses anos que dei início ao meu primeiro trabalho literário-musical, a preparação de um manual de cantos religiosos: Benedicite."


Das Fest des hl. Benedikt (des schwarzen Heiligen) brachte uns eine neue Überraschung. Schon hatte das feierliche Hochamt begonnen. (...) Doch plötzlich sehe ich zu meinem Schrecken an meiner Seite einen Mann auftauchen, dessen Gegenwart mir auffallen mußte, so eingezogen ich mich auch verhalten mochte. Die Farben eines Umhangs, der bis zu seinen Knieen reichte, waren so schreiend - ich glaube Hellblau, Rot und noch eine grelle Farbe standen nebeneinander - daß sie unwiderstehlich die Blicke anzogen. (...)
Nachher erzählte man mir, daß das vielfarbige Gewand kein Travesti oder Domino war, sondern daß es Opa heiße und daß seine Träger die Bruderschaft des hl. Benedikt bildeten...

op.cit. 46

As memórias de P. Sinzig oferecem também detalhes quanto ao reinício do culto - e do canto litúrgico - no convento de Paraguassú, para o qual os franciscanos tiveram de retirar-se por ocasião de uma epidemia em Salvador:

"Acostumados com um culto divino realmente solene, a pobreza da nossa sacristia representou um problema de difícil solução. Nós resolvemos portanto substituir no primeiro domingo a recitacão da Completa pelo canto solene. [...| Sempre quando queríamos preparar uma missa ou véspera surgiam novas dificuldades: não havia um único Graduale ou Antiphonarium. Assim cantávamos algumas partes de cór e escrevíamos as outras antes em papel no qual havíamos traçado as linhas e, pouco a pouco, o nosso Officium divinum foi-se tornando cada vez mais bonito e solene." (op.cit. 55)

A pobreza dos Franciscanos em Paraguassú era tão grande que tornou-se necessário a coleta de esmolas na cidade de Maragogipe. Aquí, P. Sinzig encontrou um excelente nível sacro-musical sob a direção do Mons. Oliveira Lopes, posteriormente Bispo de Alagoas:

"O Monsenhor Oliveira Lopes leu a santa Missa e distribuiu a comunhão a muito povo, pois era a primeira Sexta-Feira do mês. Na igreja cantava-se muito bem, como poucas vezes tinha escutado anteriormente." [...] O mesmo Monsenhor Oliveira Lopes teve a gentileza de visitar-nos um dia em Paraguassú, juntamente com o seu coadjutor, Padre Adolpho Cerqueira. Como ele se interessava por boa música, escolhemos os melhores números do nosso repertório, para fazer jus à sua atenciosidade." (op.cit.72)

De volta a Salvador, P. Sinzig deu continuidade a seus estudos musicais:

"Teoria e Harmonio, além do mais tocava violino e flauta. Como não tinha um professor, encontrava-me desorientado nos meus exercícios de composição. Tomei então a decisão de enviá-los ao festejado compositor Peter Piel (1835-1904), em Boppard, que atendeu cortesmente ao meu pedido e passou a corrigir as minhas composições, reenviando-as com anotações muito instrutivas. // Para não sobrecarregar demais o compositor renano, enviei um dia várias composições ao beneditino Michael Horn, que é reconhecido como uma autoridade, principalmente no terreno do Canto Gregoriano. Também ele atendeu bondosamente ao meu pedido. Era o dia 18 de janeiro de 1897; eu estava sentado na igreja perante o harmonio, quando ví entrar um beneditino. Eu o saudei e tomei conhecimento que tinha o P. Michael Horn à minha frente, recém chegado da Europa. Alí não era local adequado para longa conversa, mas seguindo o seu convite visitei-o no próximo dia na Abadia Beneditina.// Foram três horas inesquecíveis. P. Michael, entusiasmado pelo canto litúrgico, revelou-me as belezas surpreendentes do Graduale de Solesmes, e dois beneditinos cantaram os trechos que ele acompanhava ao harmonio. Eu não encontro palavras para descrever a maravilha dessas melodias flutuantes, assim como o modo de cantar, que vai do pianissimo através de toda a escala dinâmica até ao fortíssimo, do murmúrio à trovoada, das vozes soluçantes ao grito de júbilo. Insuperável! Dias e dias guardei o que ouví na memória e sonhei com as altitudes da arte que até então me eram desconhecidas. // Nunca mais ouví desde então o canto litúrgico tão bem executado, entoado com tal vibração artística, exceto mais tarde, pelas meninas brasileiras do Pensionato Sion de Petrópolis. Quem tiver preconceito contra o Canto Gregoriano queira ir ao Sion, lá ouví-lo e depois julgá-lo." (op.cit. 77-78)

De Blumenau, onde P. Sinzig chegou em 1898, o primeiro relato de interesse musical diz respeito ao Natal festejado na casa do austríaco Hoeschl, em Gaspar:

"Nós pertencíamos à família. [...] Como cantamos todos juntos! Como toquei bem o violino, acompanhado ao piano pelos mesmos dedos jeitosos e seguros que haviam colocado os presentes sob a árvore de Natal!" (op.cit. 132)

Em Lajes, P. Sinzig escreveu a música para a peça Schneewittchen ("Branca de Neve"), levada na escola de religiosas Santa Rosa, assim como o Oratorium Maria Santissima, executado em várias cidades do Brasil. (op.cit. 158)

De indireto interesse para o estudo da vida musical tradicional é o relato de P. Sinzig referente à sua atuação como coadjutor em Lajes:

"O povo reunia-se em grande número, e ele [P. Candidus] via-se obrigado a rezar com ele até altas horas da noite as costumeiras novenas: rosário, ladainha, depois algumas rezas e por fim uma pequena lição, doutrina cristã. // Agora tudo terminara. Deram-lhe algo para comer e ele partira cansado com o sacristão para o quarto que lhe fora reservado. No salão - a grande sala da casa tinha sempre esse nome pomposo, mesmo se tivesse chão de terra - sentavam-se as pessoas a conversar, que antes tinham rezado tão piedosamente. // De repente ouviu-se o som de um violino que se improvisava de orquestra; as pernas se movimentavam, os pares eram como que eletrizados, e o chão reboava sob os passos dos dançadores." (op.cit. 165)

Missa em casa de colono
P. Sinzig afirma que a falta de pontualidade foi algo que mais o aborrecia no seu trabalho no Interior do Brasil. Também os músicos falhavam nesse sentido, sendo que as corporações eram muitas vezes ligadas à maçonaria:

"Quando o festeiro não faltava, então faltava ao menos a música, formada por coro e orquestra. Nesse caso as dificuldades eram ainda maiores, pois o regente era maçom, que me dedicava pouca simpatia. // Não levei-o a mal, por isso. // Em todo o caso, decidi impor a pontualidade a todo e qualquer custo. // Comuniquei portanto ao festeiro, à orquestra e ao povo que a missa iria começar à hora marcada. Tudo dependia da orquestra, cujos membros dedicavam-se ao prazer de uma certamente bem merecida merenda. Estavam todos bem ocupados a comer galinhas e tomar vinho tinto, quando as portas se abriram e um menino anunciou: 'O Padre manda dizer que a missa iniciará dentro de meia-hora.'// Eles se entreolharam e continuaram a comer.// Ainda não tinham acabado o lanche, quando um novo mensageiro apareceu: 'O Padre manda dizer que a missa começará dentro de 15 minutos.' // Eles se entreolharam de novo e pensaram que poderia ser sério, de modo que não seria nada mal se se apressassem um pouco.// Dez minutos antes da hora marcada apareceu um terceiro e último emissário, e cinco minutos mais tarde, ou seja, antes da hora determinada, ví para a minha surpresa que a orquestra estava completa e preparada para tocar." (op.cit. 180-181)

Em Petrópolis, P. Sinzig deu continuidade ao trabalho de reforma sacro-musical de P. Basilius Röwer, que havia sido removido para Curitiba:

"Com a ajuda de um coral feminino que já se dedicava há muito à música procurei tornar as cerimônias mais solenes. Aos poucos, o coro conseguiu executar belas composições, entre elas muitas do incomparável e admirável artista Peter Griesbacher, um dos grandes no reino da música sacra. // O mesmo coro teve logo oportunidade de também cultivar um outro terreno musical, graças às fundação do 'Centro Católico' de Petrópolis por P. Aloysius Reinke, um ponto de reunião para todos os católicos das classes intelectuais e que mais tarde teve modificados os seus fins e a sua constituição. // Quando, pouco tempo após a abertura do 'Centro Católico', S.S. o Papa Pio X. festejou o seu jubileu sacerdotal, publicou-se um belo número extra da'Vozes de Petrópolis'; após a solenidade, todas as notabilidades da sociedade de Petrópolis concorreram ao centro social para assistirem à primeira execução do Oratorio Maria Santissima. // Esta obra a tinha composto alguns anos antes para a festa do jubileu da Imaculada Conceição para o Colégio das Franciscanas S. José em São Leopoldo. Também em Lajes foi ele executado com bastante sucesso. // Agora o Oratorio foi ensaiado em Petrópolis para o Jubileu papal, após ter sido impresso nas oficinas da 'Vozes de Petrópolis'. Formou-se um coro das filhas das melhores famílias de Petrópolis e Rio. A música é fácil. Foi o primeiro oratorio que compus, e faltava-me na época conhecimentos técnicos que mais tarde facilitariam a composição de obras mais sérias. Em todo o caso, a execução de 24 de março de 1908 superou as mais ousadas expectativas e constituiu um verdadeiro triunfo.// A justiça exige que se diga que os aplausos foram devidos em grande parte aos intérpretes, que puderam contar com o apoio das próprias famílias e da sociedade e a quem se deveu a formação dos quadros vivos de encantadora poesia e beleza, assim como canto e declamações da vida da santíssima Virgem. // A intérprete da Mãe de Deus, a Senhorita Carmen Dupeyrat, viveu tanto o seu papel, que ela no dia da audição comunhou pela manhã, para poder executá-lo dignamente. O quadro 'Mater Dolorosa' foi de quase inecedível beleza e exerceu forte impressão no público.// O oratório teve de ser repetido duas vezes em Petrópolis e recebeu sempre entusiástico aplauso. // Em julho de 1908 precisei ir por alguns dias à Capital Federal. Alguns anos antes tinha sido realizado em Salvador o primeiro Dia dos Católicos do Brasil, e já então tinha-se levantado a questão de escolher-se o Rio de Janeiro para o segundo Dia dos Católicos. Os organizadores nomearam-me como membro de uma comissão e deram-me a seção de Música Sacra, o que publiquei mais tarde em 'Vozes de Petrópolis'. [...] Sua Eminência o Cardeal Arcoverde mostrou tanto interesse pela verdadeira música litúrgica que enviou um de seus sacerdotes a Roma e apoiou a Schola Cantorum formada pelo Cônego Alpheu com vozes de meninos e homens. // Este coro foi o que executou a 'Missa Eucarística', acompanhada por pequena orquestra sob a regência de seu fundador na missa pontifical, obra de autoria do compositor italiano L.Perosi, que se tornou famoso pelos seus oratórios." (op.cit.199-202)

P. Sinzig O.F.M. e o canto brasileiro. Trabalho com o auxílio de Charles Lachmund.

"É incrível a riqueza da música brasileira. (....) Assim, não foi grande coisa reunir, aos poucos, os 300 e tantos numeros desta collecção, embora eu me limitasse a cantares que correspondam ao fim visado: seu uso no lar e na escola, em festas e passeios. Excluindo, salva raríssima excepção, cantos estrangeiros, não fiz outro tanto com relação a Portugal que, de há muito, mantém com o 'Brasil, irmão, um vivo intercambio musical."

Prefácio de O Brasil Cantando, Rio de Janeiro, 1937

Pouco depois do segundo Dia dos Católicos realizou-se no Rio de Janeiro a Exposição Nacional por ocasião do Centenário da Abertura dos Portos. No contexto dessa Exposição, P. Sinzig compôs um outro oratório relacionado com o movimento reformador sacro-musical alemão:

"O sucesso extraordinário do Oratório Maria santissima motivou diferentes amigos a levarem-me a compor uma obra semelhante ou ainda de maiores proporções. Esse convite não me desagradou, e imediatamente pensei no trabalho que tinha criado nos últimos meses de minha estadia em Lajes. // O poeta Franz Dahlmann da Sociedade de Jesus tinha escrito, a pedido de Peter Piel, um festejado compositor sobretudo de Música Sacra da Alemanha, o texto de uma cantata sobre a vida e a morte de Sta. Cecília, a padroeira da música. //Antes porém de poder enviar o libretto ao compositor alemão, faleceu este, e o P. Dahlmann ficou só com o seu texto. Um dia visitei-o na sua cidade, Porto Alegre, e ele ofereceu-me o libretto, para que escrevesse a música. // Assustei-me de início em ser o herdeiro do libretto que havia sido destinado a Piel. Entretanto, sentia a vontade de tentar a minha sorte. Estudei algumas das composições recém-chegadas de Griesbach, que me entusiasmaram, e lancei-me à obra com ardor. Pela primeira vez na minha vida não me cansou o trabalho, tão grande era a vontade. Terminei a obra, e quando a Cantata Santa Cecilia estava impressa, tive o prazer de receber críticas muito lisongeiras de partes importantes na Alemanha, de potentados musicais não fáceis de serem satisfeitos. Traduzí o texto para o português e mostrei essa tradução ao deputado Hosannah de Oliveira, então presidente do 'Centro Católico de Petrópolis', que como tal tinha interesse que a sociedade desse na próxima estação uma festa nova e espetacular.// Dei início aos preparativos. Quantas dificuldades de todo o tipo! A composição exigia dois coros, um mixto e um masculino a quatro vozes, além do mais um coro de crianças e soli não muito fáceis. Não foi difícil de encontrar vozes femininas, pois o coro da execução de Maria Santissima ainda existia. Em Petrópolis havia ainda o Coro da Igreja Coração de Jesus, formado por alemães [...]; era constituído exclusivamente por trabalhadores, pessoas boas e diligentes, sem porém conhecimentos musicais. Eles aprendiam a sua música de ouvido, o que demonstrava sem dúvida boa vontade, mas que custava, ao mesmo tempo, grande perda de tempo e exigia grande paciência. Mas o que fazer, se não havia outros elementos! [...] // Não pude lamentar da boa vontate dos participantes; pelo contrário, esta era acima de todo e qualquer louvor. Havia, apesar de tudo, dificuldades. O que mais me preocupava não dizia a ninguém. A Cantata Santa Cecilia era uma espécie de Ópera, nem uma palavra era nela falada, porém tudo era cantado, de modo que os jornais do Rio falavam simplesmente de uma ópera. Daí vinha a minha preocupação. Nunca na minha vida tinha eu assistido até então a uma ópera, nem mesmo uma opereta. E agora devia reger uma ópera e ser responsável por todos os detalhes perante um público que ia regularmente ao Teatro Municipal e ao Teatro Lyrico do Rio, no qual muitos havia que conheciam a Grande Opera de Paris e outros Teatros estrangeiros! Se isso não era uma grande ousadia, não poderia ser chamado de outra coisa! // Eu tomei porém as minhas precauções. Mandei vir da Europa obras sobre Sta. Cecília, assim como sobre os costumes e os trajes de seu tempo; conseguí gravuras adequadas, que me deixavam ver os detalhes; eu determinei os trajes, assim como os cenários, que ditei em todas as particularidades ao pintor Angelo Correa da Costa, supervisionando a sua montagem. // Uma das minhas preocupações desapareceu ao ver que as companheiras da Cecília souberam imitar a moda de penteado das romanas. // Não fica bem para mim descrever longamente a festa; limito-me a reproduzir o que escreveu o maior jornal do Rio de Janeiro, o Jornal do Commercio, de 12 de janeiro de 1909: "Se no ano passado coube ao Centro Católico a fama de nos presentear uma belíssima festa com a execução do Oratorio Maria Santissima, a mesma sociedade conquistou neste ano ainda maiores louros. Graças aos esforços de sua direção foi levado em cena no Teatro Floresta, no dia 9 deste mes, o Drama lírico Santa Cecilia para soli, coros mixtos e acompanhamento de orquestra de P. Petrus Sinzig (opus 22).Na execução tomaram parte no total 110 pessoas, entre elas um grande número de senhoras e jovens dos melhores círculos sociais de Petrópolis. [...]" (op.cit. 203-206)

P.Sinzig O.F.M. e a Música Sacra em Portugal: Trabalhos de Musicologia

"Quando máquinas possantes trabalharam, dia por dia, no desmoronamento do Morro do Castelo, no centro do Rio de Janeiro, inúmeras pessoas da Capital Federal e de outras partes do Brasil aguardaram, impacientes, o aparecimento do fabuloso tesouro que se dizia ter sido enterrado nele pelos Jesuítas. (...)
Há, entrentato, um tesouro fantàsticamente rico que espera por ser explorado. Não está escondido, senão em parte. (...) Os leitores verão por si que a arte sacra de Portugal é o que há de estupendamente rico; admirar-se-ão conosco de que as grandes Histórias da Música - com raríssimas exceções - nada ou quase nada saibam ou queiram dizer desses tesouros. (...) No Brasil, abstraindo da Biblioteca Nacional, do Gabinete Português de Leitura, etc., há uma biblioteca particular, a qual, mais rica do que a da Escola Nacional de Música, é o fruto de metódico trabalho, durante 25 anos, dum cearense, Abraão Carvalho (...)Sem acesso franco a essa maravilha de biblioteca, gentilmente franqueada ao autor pelo colecionador e proprietário, não teria sido possível dar ao presente estudo a base sólida que lhe pretendíamos dar (...)."

"A Música Sacra em Portugal", Música Sacra XI/2-3(1951), 21 ss.

Digno de nota são também as referências de P. Sinzig a respeito do Encontro Preparativo do Primeiro Dia dos Católicos da Diocese de Niterói. Em três dias, de 27 a 29 de junho de 1909, realizaram-se em Petrópolis conferências e encontros divididos entre os temas 1) obras sociais e caritativas; 2) escolas, imprensa e arte; 3) associações religiosas. Até mesmo os emblemas dos participantes foram importados da Alemanha. Centenas de Vicentinas vieram do Rio de Janeiro, transformando o evento numa das maiores reuniões religioso-musicais de Petrópolis do início do século:

"O Relatório do primeiro dia dos Católicos da Diocese de Niteroi traz às páginas 27-33 interessantes fotografias dessa missa campal; a mais original é a última. Nas colunas da entrada da Catedral, ainda não terminada, tinha-se colocado tábuas. Sobre esse palco localizou-se o coro masculino, formado só de religiosos. P. Basilius Röwer, autor de vários cantos religiosos, regeu a execução. A mim coube o papel de organista. // Ao meu lado vê-se o famoso compositor P. Johann Baptist Lehmann S.V.D., diretor do Colégio de Batataes; à direta o Conego Godofredo Evers, diretor do Colégio São Vicente. Entre os cantores estão alguns padres redentoristas e vários franciscanos. [...] Dia de São Pedro. De manhã, Missa Solene na Igreja do Coração de Jesus, onde um coro mixto, formado por cantores da Cantata Santa Cecilia, entoou uma missa a quatro vozes de Singenberger, simples mas bela." (op.cit. 212)

P. Sinzig dá nesta sua obra referências detalhadas a respeito do oratório que escreveu a respeito da vida de S. Francisco de Assis por ocasião das festividades dos 700 anos de fundação da Ordem Franciscana:

"Meses antes tinham-me convidado para escrever um oratório ou uma cantata sobre a vida do Santo; o texto foi escrito pela famosa escritora Irmã Paula, Franciscana da Ilha Nonnenwerth no Reno. O texto agradou-me, alguns versos eram particularmente belos. Em pouco tempo a música estava pronta e a composição foi impressa com texto em alemão e em português na editôra Schwann de Düsseldorf. //Após a execução de Maria Santissima e de Santa Cecilia, também a obra São Francisco de Assis não podia oferecer dificuldades insuperáveis. O coro, que já estava experimentado da primeira obra citada, executou agora os solos, os duetos e os coros de São Francisco. // A Sala do Grêmio Juvenil, uma antiga Cervejaria que havia sido completamente reformada por P. Ambrosius e que lhe servia para as reuniões e festas de sua associação juvenil, orgulhou-se de seus importantes visitantes. Nos camarotes estavam presentes a S.E. o Cardeal Arcoverde, o Núncio Apostólico Mons. Vabona, Diplomatas e Famílias da mais alta Sociedade, enquanto que na platéia estavam reunidos membros de todas as classes." (op.cit. 217-218)

 

P. Sinzig e a Lexicografia musical brasileira

"Sendo praticamente inacessível o valioso Dicionário Musical de Ernesto Vieira (2a. ed. 1899) e incompletos os que se acham no mercado, passaram os nossos músicos a consultar o insuperável Musik-Lexikon de H. Riemann, quer na lingua original, quer em alguma de suas traduções, ou então o esplêndido Diccionario Técnico de la Música ou ainda outra obra estrangeira.
Por admiráveis que sejam todos esses trabalhos, não satisfazem, claro está, ao justo desejo de se verem termos e explicações em língua portuguesa. DEe envolta com isso ressentem-se da grave falha de não averbarem número de termos e explicações de coisas nossas, de instrumentos, de cantos, danças, costumes, etc. do Brasil. Da mesma forma faltam nestas obras informações mais ou menos completas sobre música sacra que, com o renascimento da liturgia, não deixa de ter cultores e amigos em número sempre crescente e que, para muitos, continua sendo livro fechado a sete chaves."

Frei Pedro Sinzig, O.F.M., 1945

Após 17 anos no Brasil, P. Sinzig visitou a Alemanha. As suas memórias oferecem valiosas referências sobre a situação sacro-musical nas cidades de Linz, Colonia e Düren. Se na sua cidade natal emocionou-se com o canto litúrgico em vernáculo, (op.cit.238)o seu mais valioso relato diz respeito ao 40° Encontro das Associações de Sta. Cecília da Arquidiocese de Colonia, realizado no dia 19 de maio de 1910:

"A muitos surpreenderá a importância dada na Alemanha à música sacra renascida há meio século graças ao trabalho do genial compositor e organisador Franz Witt. Witt encontrou na sua época a mesma música que é tão criticada por muitos bispos brasileiros e que ainda não desapareceu totalmente. Franz Witt não fechou os braços. Ele possuía a alma de um reformador, além do mais uma energia férrea. Através das revistas musicais por ele fundadas criticava e ridicularizava os abusos dos compositores e cantores. Como temível polêmico de sólida formação e agudo senso crítico, assim como excelente compositor, não lhe foi difícil encontrar amigos que ele organizou na associação de Sta. Cecília. // Witt morreu, mas a sua obra o sobreviveu. Ela difundiu-se por toda a Alemanha e alastrou-se de lá à América do Norte a a outros países. Só na Arquidioceses de Colonia faz parte da Associação o número fantástico de 20000 cantores, todos homens; ou seja, 20000 homens de uma única arquidiocese que cantam em igrejas. // Era a 40° vez que essas associações se reuniam. O Cardeal Fischer veio especialmente de Colonia para dirigir o encontro. Que assembléia! Ao lado de simples cantores via-se homens que eram admirados como compositores em todo o país: Aug. Wiltberger, Cohen, Mons. Nekes e inúmeros outros.[...]" (op.cit. 246-247)

 

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