Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova edição by ISMPS e.V.
Todos os direitos reservados


»»» impressum -------------- »»» índice geral -------------- »»» www.brasil-europa.eu

N° 16 (1992: 2)


 

"ENTRE OS ANDES E O AMAZONAS" DE ERNST VON HESSE-WARTEGG
ZWISCHEN ANDEN UND AMAZONAS: REISEN IN BRASILIEN, ARGENTINIEN, PRAGUAY UND URUGUAY
(Stuttgart/Berlin/Leipzig 1915, 3a. ed.)

 

(Excertos)

 

O autor abre a sua obra com palavras que justificam o cunho altamente positivo dos relatos:

"Aos alemães oferece-se na América do Sul um campo de trabalho muito importante, talvez o maior ainda existente no mundo, e o principal objetivo que tive ao escrever este livro foi o de mostrar as possibilidades ilimitadas desse continente, na medida das minhas forças [...]. (op.cit. V) Tendo já visitado em viagens anteriores os países andinos, da Venezuela até o Chile, o autor resolveu dedicar um livro só ao Brasil e aos países do Prata, que lhe pareciam de muito maior significado econômico e os quais visitou por três vezes, entre 1903 e 1913. O seu objetivo era chamar ainda mais atenção dos alemães para essa parte do mundo, pois, se esses perdessem a oportunidade que então se lhes oferecia naqueles anos, então esta estaria para sempre perdida." (op.cit. VI)

A respeito do Rio de Janeiro, Von Hesse-Wartegg cita os "grandes teatros e clubs" que viu na sua viagem pela linha de bondes do Botafogo, assim como o "belo Passeio Público, um jardim tropical público, no qual se realizam concertos várias vezes por semana." (op.cit. 20)

A obra de von Hesse-Wartegg assume particular interesse sobretudo para o estudo histórico de cidades pouco consideradas em outros relatos de viagens. Sobretudo Juiz de Fora e sua colonia alemã recebe uma atenção especial do autor, que ressalta em descrição de cunho musical o progresso da cidade e de outras localidades próximas com população alemã (por ex. Mar d'Espanha):

"O mais belo ponto de Juiz de Fora é a Academia situada acima da cidade, longe do barulho dos bondes e das buzinas dos automóveis que cada vez mais conquistam também o Interior do Brasil. Nos amplos jardins florescem magníficas rosas entre altas palmeiras, mangueiras, laranjeiras e outras árvores do Sul, rosas mandadas vir por um sacerdote de Erfurt. Colibrís voam de flor a flor [...] Das árvores soa o canto dos pássaros, um riacho murmura pacificamente no tanque d'água cercado de altos bambús e atrás dos muros de arrimo levanta-se um emaranhado verde-claro de bananeiras de largas folhas, incandescentes pelos raios do sol. Quando este se põe no crepúsculo, então tem-se do terraço uma vista de rara grandiosidade das montanhas pitorescas de Minas Gerais e o observador não se cansa de contemplar até que o sino vespertino chama para a reza e da bela capela se ouve os sons cheios de sentimento do harmonio. [...]" (op.cit. 45)

Não sem interesse para o estudo da vida sócio-musical da época é a descrição de um casamento teuto-brasileiro em Salvador:

Rio Paraguassú, o "Reno" do Brasil
"Quando entrei à noite na casa festivamente iluminada da noiva, toda a sociedade pertencente às melhores classes da Bahia estava reunida; os homens em trajes sociais pretos, as damas vestidas segundo a mais nova moda européia. As de mais idade traziam ricas jóias com diamantes, pois o Brasil é o país dos diamantes, e justamente no Estado da Bahia acham-se muitas pedras valiosas. [...] Entrementes, a grande sala, o salão, que nas casas brasileiras normalmente é a sala da frente, que dá para a rua, foi preparada para o baile. Não ocorreu porém o alegre contacto entre ambos os sexos, como acontece na nossa terra. As damas sentavam-se timidamente nas poltronas colocadas ao longo da parede, os homens ficavam de pé nas soleiras ou refrescavam-se no andar de baixo com cerveja e champagne. O pianista tocava diligentemente, mas ninguém se dispunha a dançar. [...] Esperava-se ainda a vinda do juiz de paz, que chegou depois de algum tempo, como um barbeiro de Sevilha, em talar longo, preto, colarinho branco e duro, um alto chapéu [...] Assim que o longo talar desapareceu pela porta, começou a dança, mais comedida e calma do que entre nós, mas cheia de graça, como não poderia ser diferente com tantas figuras graciosas de moças. De entremeio serviram-se todo o tipo de bebidas e doces, tortas monumentais e montanhas de bolos de ananás, de coco, de goiaba, especialidades deliciosas da Bahia. A dança não durou muito; pois antes da meia-noite toda a sociedade se levantou para acompanhar o par de noivos à sua nova residência. [...] Houve dança nos dois dias seguintes, passando sempre da meia-noite." (op.cit. 96-7)

De significado histórico-cultural para São Paulo é sobretudo a descrição do alto nível social e intelectual reinante nos círculos de língua alemã, sobretudo em Campinas:

"Quando cheguei na bela estação de Campinas, encontrei uma inesperada recepção. Um número de senhores em trajes escuros parecia esperar por alguém de importância, pois ao redor deles se juntara círculos de curiosos. Eu pretendia abrir caminho entre eles, quando um grupo de senhores dirigiu-se a mim. Eis que reconhecí então entre eles um alemão, o Sr. Francisco Krug, a quem tinha mencionado a minha viagem a Campinas durante uma conferência minha no Clube Germania de São Paulo. Os jornais em português e em alemão de São Paulo tinham comentado as minhas palestras em longas colunas, além de trazer relatos sobre os meus livros e minhas viagens. Isso levou a Diretoria da mais nobre associação científica de Campinas, o Centro de Sciencias, Letras e Artes, a considerar-me seu hóspede de honra durante a minha estadia de vários dias na cidade. Daí a inesperada recepção, o almoço solene no restaurante da estação e a viagem conjunta na carruagem elegante até o Hotel d'Europa. Os Senhores fizeram questão de fazer-me companhia nos passeios, convidando-me a clubes e teatros e dando-me todas as informações desejadas. No Hotel recebí a visita de diversas notabilidades da cidade, em geral brasileiros.// Campinas é uma cidade bela, simpática, com ruas bem calçadas, direitas, cruzando-se em forma de xadrez e com grandes praças com jardins. As casas são na sua maior parte construídas no estilo português, algumas delas com fachadas de azulejos. Nas praças e nas ruas principais levantam-se casas senhoriais com fachadas amplas e balcões, sedes de fazendeiros que possuem as suas plantações nas redondezas da cidade. A riqueza que acumularam no passado diminuiu ultimamente dada a queda do preço do café, mas mesmo assim reina na cidade uma vida elegante e com muita atividade intelectual. Em poucas cidades faz-se tanto música como aquí. Piano e canto são cultivados na maior parte das famílias, e na recente exposição de pinturas participaram 200 pintores amadores, na sua maioria senhoras, com obras próprias - o que é certamente muito para uma cidade que não chega a ter 25.000 habitantes." (op.cit. 165-166)

De interesse mais histórico-folclórico do que propriamente musicológico é o relato da importância das festas juninas em São Paulo:

"Eu tive uma vez o duvidoso prazer de estar na cidade no mes de junho, época dos grandes feriados nacionais e religiosos de São João, São Pedro e outros. Para a juventude brasileira, essas festas dão motivo à queima de fogos de artifício, para os quais gasta-se no Brasil cada ano muitos milhões de marcos, um absurdo dos mais perigosos. Os heróis da emancipação brasileira economizam o ano todo os seus tostões, vendem ou hipotecam as suas últimas peças de valor só para poderem queimar muitas bombas, foguetes, rojões e fogos-de-bengala, com o maior barulho e a maior fumaça possíveis, assim como perigo de vida e de incêndio. De pequenas crianças, mal saídas das fraldas até o adulto gentleman, todos dedicam-se com paixão a esse costume horrível, tanto no mais claro dia até na mais profunda noite, e aqueles que dormem são acordados a cada momento com a detonação, com ruídos e estalos como se houvesse luta sanguinolenta nas ruas. O céu noturno fica avermelhado, raios fumegantes cruzam o ar, nas nuvens voam balões incandescentes e fumegantes como estrelas coloridas que estourando originam novas estrelas. Eles, assim como os foguetes e os balões em chamas, caem sobre os telhados, no meio das ruas, e em cada esquina há bombeiros e um hidrante à mão [...]. Os moleques sem-vergonhas soltam os seus fogos no meio das ruas mais movimentadas, sob os pés dos pobres passantes; não só soltam os seus foguetes para o ar, mas os queimam horizontalmente nas ruas, entre as mulheres que passam, sob as rodas dos carros, e muitas vezes atingem-se a sí próprios. Isso ocorre diariamente em junho. São Paulo é então um verdadeiro inferno e os moleques de rua têem assim pelo menos uma idéia do lugar onde irão estar certamente após a sua morte." (op.cit. 151-152)

Enquanto o centro de Santos desapontou von Hesse-Wartegg, as ruas da cidade nova o impressionaram. Do seu relato depreende-se a existência de vida musical própria nas comunidades de estrangeiros de Santos:

"As praças com os seus jardins são bem tratados, vê-se por todo o lado esbeltas palmeiras reais e as copas frondosas de mangueiras. Num desses jardins encontra-se o Club Germania, um encantador edifício com elegantes salas de biblioteca e de recepção, o centro de encontro da colonia alemã, que no todo conta com cerca de 500 cabeças. [...] Os estrangeiros que aquí trabalham precisam gastar uma grande parte de seus salários com as necessidades quotidianas, precisam agüentar o calor insuportável do verão e, no inverno, quando o clima é mais agradável, há poucas diversões, teatros, concertos, excepto as pequenas ceias em círculos reservados e algumas noites sociais no clube. Não é de se admirar que sob tais condições todos procurem adquirir algo para retornar à Europa." (op.cit. 183)

Com relação a Curitiba, von Hesse-Wartegg dá detalhadas notícias a respeito das sociedades alemãs:

"J. Hauer veio como jovem seleiro em 1863 da Alemanha para Curitiba [...] fundou uma casa comercial, sendo a sua firma então a mais importante do Estado. Ao lado, num edifício de um andar, localizava-se o mais elegante clube alemão, a Sociedade Thalia, onde os alemães mais renomados tomavam pelo meio-dia a sua segunda refeição [...]. Aquí realizavam-se também bailes alemães na época do carnaval, que é comemorado em Curitiba com festividades barulhentas e cortejos, assim como conferências, récitas e encontros [...]. Naturalmente havia também uma sociedade de tiro, duas de ginástica, uma das quais possuia uma casa própria com grande salão de ginástica, uma associação de canto com sede própria e por fim uma sociedade de apoio aos artesãos, que significa muito mais do que diz o seu nome. Era na época, com os seus 1800 membros, a maior sociedade alemã da América do Sul. Sob o seu ativo presidente, o Sr. Rehbein, construiu-se, há pouco, com a grande despesa de duzentos e cinqüenta mil marcos, uma grande sede social com jardim, biblioteca, pista de boliche e um grande salão de teatro. [...] O sistema de ensino é melhor em Curitiba do que em qualquer outra cidade grande do Brasil. Ao lado da recém-fundada Universidade e de um Ginásio, Franciscanos alemães construiram uma escola e uma grande igreja numa praça no coração da cidade, que precisaria porém ser calçada. Aquí, assim como com as irmãs católicas e na escola alemã, estudam cerca de 1000 crianças alemãs. [...] Além do mais há vários teatros, entre eles um construido pela Firma Hauer, e clubes sociais, dos quais o mais importante é o Club Curitybano. Nas salas elegantes realizam-se todos os meses encontros sociais, dos quais participam os melhores círculos de Curitiba. [...]" (op.cit. 197)

O autor cita a existência de um Teatro de madeira em Paranaguá, onde "às vezes se apresentam grupos italianos de opereta que se encontram de passagem pela cidade". (op.cit. 202)

Quanto a Joinville, o autor lamenta que o vigário ainda não tenha conseguido construir um edifício escolar para os alemães, tendo que alugar seis casas para as suas aulas:

"O palácio escolar portentoso português, com o seu campo de jogo, é vizinho a uma dessas casas, e de tanto aborrecimento pela grande assistência de alunos de língua portuguesa à escola alemã não é raro que crianças brasileiras interrompam o ensino com batucadas e toques de trompete, de modo que são necessárias sérias reclamações." (op.cit. 217)

Itajaí, desfile de escolares
O autor menciona sociedades de canto em Indayal, povoação nas redondezas de Blumenau:

"O melhor exemplo do trabalho maravilhoso dos alemães no Brasil é a região entre Joinville e Blumenau. Lá toda a cultura foi realizada só por eles. Blumenau foi o ponto de partida de milhares de colonos alemães, que primeiramente seguiram a correnteza do caudaloso rio Itajahy.[...] cerca de 12 quilometros mais à frente situa-se Indayal que, apesar de seu nome brasileiro, é uma cidadezinha alemã, onde se cultiva a sociabilidade e a alegria. Há lá até mesmo uma Sociedade Feminina de Canto, que não só cultiva o canto artístico e o teatro, como também realiza todo o tipo de festas de trajes típicos e bailes, festeja o carnaval e a passagem de ano, contribuindo assim muito para a vida social dos colonos que vivem longe de todo e qualquer centro cultural." (op.cit. 232)

Em Itajaí, o viajante cita "um gracioso teatrinho, Teatro Guarany". (op.cit. 243)

Para o autor, Porto Alegre caracterizava-se por um "esplêndido espírito alemão" criado sobretudo pelas sociedades e pela imprensa:

"Compreende-se que as diversas classes sociais organizaram-se em diferentes sociedades. O Club Germania, cujo edifício é um dos mais belos prédios de clubes da América do Sul destinados a similar objetivo, é o centro da vida intelectual e social. Eu tive o prazer de assistir lá a uma apresentação dramática para fins beneficientes. Os artistas, em geral amadores, representaram brilhantemente, e a platéia se compunha de um círculo encantador de jovens moças e graciosas senhoras em trajes elegantes e senhores de aparência irrepreensível. Eu poderia imaginar-me numa pequena corte principesca, e a dança que se seguiu foi um verdadeiro baile de corte. Sob amplas bases fundamenta-se a associação de ginástica alemã, que foi fundada já em 1867 e que tinha então quase 1000 membros. Através da cooperação de todos e de trabalho contínuo desenvolveu-se ela de tal forma que a sua sede própria, do tipo de clube, na Rua S. Rafael, tornou-se pequena demais e os atletas alemães passaram a construir, com meios próprios, uma nova e grande sede para o clube. Alguns anos após a fundação da associação de ginástica surgiu do seu seio a sociedade de tiro, em cujo jardim se levanta a primeira e única estátua de Bismarck na América do Sul. Em ambas as sociedades cultiva-se a canção folclórica alemã, mas há, naturalmente, especiais sociedades de canto. A partir de Porto Alegre, a ginástica, o tiro e o canto difundiram-se por todo o Estado; em todas as colonias maiores já existem há décadas sociedades próprias que se relacionam intimamente com as da capital, e as freqüentes festas de ginástica, campeonatos e outras realizações fazem aproximar os alemães dispersos por tão vastas regiões." (op.cit. 262)

O livro de von Hesse-Wartegg menciona cantos de pedintes cegos na região de fronteira entre o Brasil e o Uruguai, observado na estação de Cacequy:

 Dort stand ein Blinder und sang zur eigenhändigen Harmonikabegleitung mit heiserem Gekrächze ein banales Volkslied. Die gelangweilten Fahrgäste hörten gerne zu, und die hundert-Reis-Stücke (je dreizehn Pfennig) regneten in seinen speckigen Hut. Vor ihm saß ein Hund und sah ihn unverwandt an. (...) Der erste am Platze war aber wieder der Hamonikablinde, der dasselbe Volkslied krächzte wie vorhin. Wieder füllte sich sein Hut mit Nickelmünzen, wieder kam der Bahnhofhund, setzte sich vor den Künstler und lauschte. Zehn Minuten später war der Bahnhof wieder in tiefem Schlaf, Künstler und Hund verschwanden. Das wiederholte sich noch ein drittes und viertes Mal, ehe mein Zug mich nach Uruguay entführte. Ich atmete auf, denn das Gekrächze des Blinden, immer das gleiche, war entsetzlich. Das einzige Wesen, das daran augenscheinlich einen großen Genuß fand, war der musikalische Hund. Kaum hörte er die ersten Töne, so galoppierte er herbei und lauschte bis zu Ende. (...) Dergleichen Bettler fand ich auf jedem Halt, die ganze Strekce bis nach Montevideo; jeder hatte irgend ein Gebrechen, und waren es auch nur solche des Alters.

Hesse-Wartegg, op.cit. 282

"Alí havia um cego que cantava acompanhando-se a sí próprio, com a harmonica, uma canção popular banal, em arranhos roucos. Os passageiros, aborrecidos, ouviam-no com prazer, e as peças de 100 reis (respectivamente 13 Pfnnig) choviam no seu chapéu ensebado. A sua frente jazia um cão que o fitava continuamente. Quando o trem que se dirigia ao norte partiu, o cego desapareceu, e o cão passou a procurar guloseimas no chão do bar.// Eu tinha seis horas de espera para o meu trem para o Uruguai e fiz a minha sesta lá fora, no único banco da arejada plataforma. Profundo silêncio ao redor, na localidade parecia tudo dormir, assim como também no prédio da estação. De repente fui acordado por um apito longo e logo entrou na estação o trem que se dirigia a Porto Alegre. Imediatamente tudo agitou-se de novo. O primeiro a surgir foi novamente o cego da harmonica, que arranhava a mesma canção popular de antes. De novo encheu-se o seu chapéu com tostões, de novo veio o cão da estação, que sentou-se à frente do artista a escutá-lo. Dez minutos mais tarde caiu a estação de novo em profundo sono, artista e cachorro desapareceram. Isso repetiu-se uma terceira e uma quarta vez, antes de o meu trem levar-me ao Uruguai. Eu respirei fundo, pois o ruído do cego, sempre o mesmo, era horroroso. O único ser que parecia apreciá-lo era o musical cachorro. Só ouvia os primeiros sons e já vinha galopando para escutá-lo até o fim. Depois afastava-se de novo. Pobre chefe-da-estação! Quatro vezes por dia, ano por ano, tem ele de escutar essa música horrenda, e quando da próxima vez permitir um mendigo de estação, preferirá certamente um que veja e que seja mudo a um cantor cego. // Os mesmos mendigos encontrei em cada parada, em todo o trajeto até Montevideo; cada um tinha um outro defeito, nem se fosse só o da idade. Em todo o Uruguai não há abaixo do Presidente ninguém que tenha um ganho tão regular como os mendigos de estação; funcionários são despedidos, milionários podem perder a sua fortuna, comerciantes experimentam tempos bons e ruins. Na próxima estação Saygan era um negro de barba branca, ainda do tempo da escravidão no Brasil. [...]" (op.cit. 282)

Das notícias de interesse musical dos países do Prata citam-se apenas duas, uma relativa à música tradicional gaúcha, outra relativa à vida musical dos alemães na Argentina:

"Independentemente dessas importantes colonias estrangeiras e do intenso relacionamento dos orientais com os seus poderosos vizinhos brasileiros e argentinos, o pequeno povinho do Uruguai conservou as suas características, que se manifestam especialmente nas festividades e nos divertimentos de domingo. Sempre é então preparado mate pelas mulheres e oferecido com muita graça aos homens, sempre soa a guitarra, tocada por gaúchos, e logo giram os pares na dança, seja na cidade, seja em convescotes no campo. Os habitantes de estâncias, distantes às vezes muitas milhas umas das outras, vestem aos domingos o seu traje de gaúcho, jogam os seus xales sobre os ombros, ajudam as mulheres e as meninas a subir nos cavalos e dirigem-se em galope a este ou àquele vizinho para uma 'Relación' ou um 'Pericón'. Homens e mulheres colocam-se em roda, um dançador entra no meio da roda e dirige-se com um verso de 4 linhas rapidamente improvisadas a um dos participantes que, por sua vez, deve responder em versos feitos de repente. Não saindo vencedor dessa competição poética, então deve ele entrar no meio dos dançadores e continuar a fazer versos até que um deles seja derrotado. Assim se prossegue entre poesia, música, mate e dança até que as trevas da noite sugiram a partida. Esta é a tão popular Relación. Se houver porém muitos jovens que gostem de dançar na sociedade, então deixa-se de lado a Relación como muito demorada e dança-se simplesmente o gracioso Pericón." (op.cit. 316)

"O centro do puro e verdadeiro Germanismo no melhor sentido da palavra é o clube alemão. Desde algum tempo, esse 'Club aleman', que é ao mesmo tempo um dos centros sociais mais nobres de Buenos Aires, possui no lugar da antiga sociedade alemã de ginástica na Calle Córdoba uma sede elegante [...]. Um segundo clube alemão, a Sociedade de Canto Germania, já se estabeleceu há alguns anos em valiosa propriedade na Calle Alsina. [...] Naturalmente não faltam aos alemães sociedades de ginástica, de canto, de música e de ciência; ao lado dessas existe uma quantidade de potentes sociedades beneficientes, uma casa alemã de mulheres, um orfanato e uma casa de marujos excelentemente dirigida, certamente a melhor da Argentina.[...] Quanto à diversão, a colonia alemã de Buenos Aires está mais do que bem servida. Há certamente as realizações próprias das mais diversas sociedades; há uma sociedade teatral que todos os invernos faz representar pelos seus sócios peças alemãs, uma sociedade de música, uma sociedade de encontros sociais, etc. A sociedade alemã de canto Germania dispõe de uma aconchegante sede própria com boliche, sala de concertos e outras disponibilidades." (op.cit. 350-352)

 

zum Index dieser Ausgabe (Nr. 16)/ao indice deste volume (n° 16)
zur Startseite / à página inicial