Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 15 (1992: 1)


 

1822-1992: 170 anos da Independência do Brasil: Música nas relações culturais - Mundo de língua alemã/Mundo de língua portuguesa
Materiais: Fontes gerais pouco consideradas

Obras romanceadas - informações transmitidas em forma literária

Franz Donat Paradies und HoellePARADIES UND HÖLLE:
ABENTEUERLICHE SCHICKSALE EINES DEUTSCHEN IN BRASILIEN UNTER HINTERWÄLDERN, DIAMANTSUCHERN, INDIANERN, EINSIEDLERN UND VERBRECHERN
("FATALIDADES AVENTUREIRAS DE UM ALEMÃO NO BRASIL ENTRE CAIPIRAS, GARIMPEIROS, ÍNDIOS, ERMITÕES E CRIMINOSOS")

STUTTGART 1926 - Deutsche Hausbücherei, Hamburg

 

 

O autor, estabelecido no Brasil, conhecido também pelo seu livro "No Acampamento de Andarilhos Alemães na América do Sul" (An Lagerfeuern deutscher Vagabunden in Südamerika), publicou essa obra para o círculo dos associados do "livro doméstico" alemão, de Hamburg.

Trata-se de um conto escrito inicialmente para seus filhos, para que os mesmos tivessem uma idéia de suas aventuras. A conselho de Dr. Rudolf Peschke, de São Paulo, o autor mudou locais e épocas de episódios, o que prejudica a obra como fonte de informações. No prefácio, o autor justifica o seu entusiasmo pelo Brasil, salientando que, apesar disso, a sua obra não teria caráter propagandístico. Ele até mesmo não aconselharia a emigração de alemães.

Nascido na Turíngia, em 1891, F. Donat saiu de casa com 16 anos, talvez influenciado por leituras de Karl May (1842-1912). Segundo Rudolf Peschke, na apresentação da obra, o autor foi um "Don Quijote" que correu as florestas de regiões centrais do Brasil, que "talvez em futuro não muito distante" já pertenceriam ao passado.46 Ao contrário de Karl May, a obra de Franz Donat seria porém verídica. Para todos aqueles interessados em emigrar, na Alemanha, seria esta uma obra valiosa, pois escrita por um emigrante.

O autor descreve a sua viagem, por terra,de São Paulo ao Paraná e Santa Catarina. Na cidade de Faxina, teve o seu primeiro contacto com a música do país:
"Aquí conhecí também os tropeiros, gauchos audaciosos do Sul, que conduzem rebanhos de gado e de cavalos para São Paulo. São homens morenos com grandes chapéus e calças largas metidas em botas altas de grandes esporas, laço e bola na sela, pistola na cinta e facão do lado. Eles possuiem uma aparência selvagem-fantástica, mas são gente boa, e a sua lealdade, a sua valentia e a sua grandeza tornou-se a lírica da Campanha, de modo que é uma grande honra ser chamado de gaúcho. Eu passei freqüentemente horas nos seus acampamentos e ouví os sons da viola, com a qual acompanham os seus cantos cheios de nostalgia [...]". (op.cit. 17)

Após passar por Curitiba, Paranaguá, São Francisco e Itajaí, o jovem viajante chegou em Blumenau, onde, - pela primeira vez -, entrou numa igreja, ouviu a pregação de um pastor evangélico em alemão e "corais alemães, que enchiam o espaço sagrado". (op.cit. 22)

Donat dedica várias páginas de seu livro à menção de pregadores místicos e proféticos que corriam o interior de Santa Catarina. Nas proximidades do Rio Canoas, travou ele conhecimento com um alemão de Berlim que, montado em burro, levava uma égua consigo carregada de imagens de santos assim como um realejo velho e desafinado:

"Nesse realejo ele tocava aos seus clientes uma valsa ou uma outra peça. Se as pessoas não tinham dinheiro ou não queriam pagar à vista, ele aceitava também peles de carneiro, que vendia com lucro em Blumenau." (op.cit. 77)

Acompanhando esse profeta com o seu realejo, o autor correu o interior do município de Blumenau. Numa pequena povoação formada por pomeranos tornou-se professor, também de canto:

"Entre as poucas canções que por assim dizer eram exigidas, achavam-se para a minha alegria "Heil dir im Siegerkranz" e "Deutschland, Deutschland über alles", pois, mesmo que os habitantes já fossem há várias gerações naturalizados brasileiros, ainda o imperador da Alemanha era 'o nosso imperador' e a Alemanha a outra pátria." (op.cit. 80)

Das viagens de Donat pelo interior do Brasil, cumpre salientar o seu relato sobre Goiás (velho), cidade que dele mereceu os mais positivos comentários:

"Os goianos são muito hospitaleiros e urbanos, e eu encontrei lá muitos amigos. Nas noites de luar acompanhei freqüentemente os jovens quando iam cantar sob as janelas de suas amadas canções de amor acompanhadas de viola [violão], (as Serenatas, famosas em todo o Brasil), e cantava também, apesar de pensar tristemente e com todo o coração em Maria, pois há bem poucos jovens que, chegados em Goiás e vendo a graciosidade das Goianas, não fiquem com o coração ardendo. Moças mais bonitas e mais castas do que em Goiás não existe provavelmente no mundo, e alguns nunca mais deixaram a cidade." (op.cit. 114)

 

Nach dem Gottesdienste wurde getanzt, und Tambu und Gitarre tönten durch die sternklaren Mondnächte, bis die Hähne den kommenden Tag verkündeten. Es war eine Freude, die anmutigen rhythmischen Bewegungen der geschmeidigen Körper bei den Tänzen zu beobachten, die Werbund und Hingebung ausdrückten. Selbst der Pater nahm an den Festfreuden teil und wagte bisweilen ein Tänzchen oder begleitete das Tambu mit der Gitarre.

op.cit. 139

De particular interesse é o longo relato de Donat a respeito de uma festa na povoação de Rio Claro:

"Chegara uma tropa de cavaleiros, filhos de famílias da região. Cerca de 20 homens limparam a praça em frente à igreja do mato crescido desde o ano passado, e construíram grandes cabanas, pois a festa deveria começar dentro de dois dias. Nós decidimos aguardá-la e ajudamos no trabalho. Este decorria bem alegre, e as pessoas estavam felizes que íamos participar. [...] O número de participantes da festa, que traziam a suas famílias em carros de boi, aumentava sem cessar. Logo havia por todo o lado montanhas de carros, e tocavam-se rebanhos de gado para a carne que se fazia necessária; todos que podiam contribuíram com uma parte de seu rebanho. Barrís de geléia e outros doces foram doados por famílias ricas, assim como cestos cheios de bolos que as mulheres dos sertanejos faziam de fermento de mandioca. Outros doaram vasilhas com vinho doce-amargo, feito da fruta da palmeira Butia. [...]Todos tinham que largar as armas e os chefes das famílias se responsabilizaram pela ordem e tranqüilidade. Durante a festa e mais por 48 horas deveriam esquecer inimizade e vingança. Formou-se uma guarda de honra de 10 homens. [...]
A cabana maior, na qual cabiam várias centenas de pessoas, era destinada às danças. O principal instrumento musical era um tronco de árvore ôco, coberto com uma pele de tapir e tocado com as palmas das mãos; o acompanhamento era feito com vários instrumentos de corda. A igreja estava ornada festivamente com folhas de palmeira, e na praça penduraram-se centenas de lanternas feitas de barro. [...]
Após a missa dançou-se, e tambu e viola soaram na noite estrelada e enluarada até que o galo anunciou o novo dia. Era um contentamento observar os movimentos graciosos e rítmicos dos corpos maleáveis no dançar e que manifestavam o namôro e o entregar-se. Até mesmo o padre tomou parte na festa e ousou às vezes fazer uma dancinha ou acompanhar o tambu com a viola.
[...] Era meia noite. Um toque de sino! O povo correu em agitação selvagem à praça defronte da igreja, cada um queria ver o espetáculo em primeiro lugar que lá se repetia todas as noites. Acendeu-se uma grande fogueira e atirou-se nela um boneco feito de trapos do tamanho de uma pessoa e que significava o Judas. Ao seu redor formou o alegre povo uma roda, enquanto cantavam canções de escárnio ao traidor do Salvador."
(op.cit. 137-146)

H.A.Aschenborn TambuO livro de Donat inclui um desenho a carvão dessa dança ao som do Tambu, de autoria de H. A. Aschenborn. Infelizmente, esse relato de Donat, que teria, em princípio grande interesse musicológico e cultural, por referir-se a dança e tradições do Brasil Central, citando expressamente o termo Tambu, antes dos principais estudos feitos por folcloristas nessa região, (A. Americano do Brasil publicou, em São Paulo, em 1925, o seu Canceioneiro de trovas do Brasil Central, reed. 1973) parece refletir uma mistura não-científica de impressões de fatos tradicionais. A descrição parece basear-se fundamentalmente na dança do Tambor, entendida como dança mariana e cultivada em Goiás por ocasião da vigília de grandes festas religiosas (Rosário, Divino). A menção dos movimentos dos participantes sugere a prática da umbigada. A dança poderia ser entendida no complexo tradicional relacionado com o batuque ou o jongo. A distribuição de carne sugere sobretudo festas do Espírito Santo, enquanto a queima do Judas se relaciona diretamente com a vigília de Páscoa. Aceitando-se a veracidade do relato, tem-se de supor a execução dessa dança do Tambor no período pascal.

Curioso é o relato da noite de Natal passada entre garimpeiros de diamantes do Rio das Garças, onde o autor entoou canções alemãs:

"Na noite do Senhor vieram todos os vizinhos para a nossa cabana, pois era a maior do acampamento. O mineiro leu um trecho da bíblia e eu cantei a canção alemã: 'Vom Himmel hoch, da komm ich her...' Apesar de ninguém ter entendido uma palavra, todos aqueles homens morenos, de aparência perigosa, ficaram enternecidos; pediram-me para repetir a canção, mas também eu estava profundamente emocionado e não pude segurar as lágrimas. Eu tinha de pensar que a mesma canção fora por mim cantada antigamente sob a árvore de Natal na casa de meus pais, com o coração puro de criança, na presença de pai, mãe e irmãos. Agora cantava eu como aventureiro para mais de 200 aventureiros [...]" (op.cit. 162)

O autor registra no seu livro detalhado relato da atuação de missionários junto aos Bororo no "convento" de Sangradouro. Do ponto de vista musical, cumpre salientar o uso da língua indígena nos cantos religiosos durante a missa:

"Um segundo padre tocava com um bandolim uma melodia religiosa, e canções religiosas na língua indígena enchiam o espaço que cheirava a urucu". (op.cit. 237)

 Eines Tages besuchte mich der Medizinmann und lud mich ein, mit ihm nach der Beratungshütte zu kommen. In dem halbdunklen Raum hockten etwa zwanzig Männer schweigend im Kreis auf der Erde, während der Häuptling im Federschmuck und bemalt in der Mitte stand. Er sprach zu seinen Kriegern, die bisweilen in ein beifälliges aber abfälliges Gemurmel ausbrachen. (...) Nun redete er mich an, färbte mir das Gesicht, die Brust und die Arme rot und blau und befestigte mir einige Geier- und Ararafedern im Haar; zuletzt lief er mit einem Instrument, das unseren Waldteufeln ähnelte und auch so surrte, um mich herum und murmelte geheimnisvolle Worte dazu. (...)
Womit sollte ich aber den Wilden meinen Dank ausdrücken? Zum Glück erinnerte ich mich an einen Schuhplatter, den ich einmal in der Hansa gesehen hatte; der würde ihnen sicher gefallen! Nun grölte ich die "lustigen Holzhackerbuam", sprang wie verrückt umher und klatsche mir dabei mit den flachen Händen auf die nackten Schenkel und Schinken. Hui! Das war etwas für die Kerle.

op.cit. 218

 

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