Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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N° 15 (1992: 1)
1822-1992: 170 anos da Independência do Brasil: Música nas relações
culturais - Mundo de língua alemã/Mundo de língua portuguesa Obras de pastores e de cunho evangélico LEBENSERINNERUNGEN :
Materiais: Fontes gerais pouco consideradas
IN DEUTSCHLAND UND IN BRASILIEN
("LEMBRANÇAS DE VIDA:
NA ALEMANHA E NO BRASIL")
GUSTAV STUTZER
Braunschweig, 1913
(Excertos)
As memórias de Gustav Stutzer, escritas sem a intenção de serem publicadas, foram editadas pela primeira vez em 1913. A popularidade da obra se expressa no número elevado de reedições (1919, 8a. ed.). O autor esteve no Brasil de 1885 a 1887,sobretudo em Blumenau, e de 1891 até 1909 em São Paulo, onde possuiu um sítio em Ribeirão Pires.
G. Stutzer publicou também outras obras, entre elas Lembranças de viagens de um homem velho (1918), que também traz referências ao Brasil. (Reiseerinnerungen eines alten Mannes: Von 1909 bis 1914, Braunschweig 1918)
Stutzer incluiu nas suas memórias uma carta de sua mulher, escrita em Blumenau, no dia 6 de outubro de 1886, e que representa um documento a respeito do poder emocional exercido pelo canto religioso em alemão sobre os colonos e o seu papel mantenedor da consciência cultural alemã.
"... Os meus queridos ainda estão todos sentados lá fora ,na alta
e branca escadaria da igreja. Nós tivemos hoje um dia tão maravilhoso,
e está ainda agora tão bonito! Mas eu me sinto pobre em palavras.
E se hoje aquí estivesse um pintor hábil e tivesse visto o que
eu ví, então ele teria procurado em vão nas suas tintas meios
para fixar na tela a grandiosidade da natureza, das cores, da
luz e do brilho. Da saß ich einsam unter einer hohen Palme, zwischen Gräbern der
alten Kolonisten aus allen Gauen Deutschlands. Die Krone der Palme
säuselte leise; die Lilien, die hohen weißen Lilien, umdufteten
mich; leise wehte ein weicher Wind und trug die Töne des Harmoniums,
das meine Kinder in der Kirche spielten, in dem Liede "Harre meine
Seele" an mein Ohr. Die Tränen tropften mir aus den Augen - ich
weiß nicht, ob vor Heimweh? Und es tauchten zwei andere Kirchhöfe
vor meinen Augen auf. Der Kirchhof auf der Düne in Helgoland!
Stutzer, op.cit. 313
Nós tínhamos sido convidados para passar a tarde com o pároco
daquí. A igreja evangélica situa-se sobre uma colina. De lá pode-se
ver a montanha e o vale, o rio e a praça da cidade. - Nós fomos
recebidos com toda a amabilidade; também o pastor de Badenfurt,
com a sua mulher, estava entre nós. Nós achamos a mesa posta sob
as palmeiras reais. Lá nos sentamos; os jovens brincavam e nós,
velhos, falamos sobre isto e aquilo, bebemos café e chocolate,
comemos bolo e andamos daquí para alí. Eu separei-me e fui sozinha
ao pátio da igreja, situado num plano mais elevado. Eu jamais
esquecerei esse momento! Lá sentei-me só sob uma alta palmeira,
entre túmulos de antigos colonisadores de todas as regiões da
Alemanha. As folhas da palmeira sussurravam baixinho; as lílias,
as altas lílias brancas envolviam-me com o seu perfume; uma brisa
suave trazia aos meus ouvidos os sons do harmonio, que os meus
filhos tocavam na igreja, com a canção "Harre meine Seele". As
lágrimas caíram-me dos olhos -não sei, será de saudades? E dois
outros pátios de igreja surgiram nos meus olhos. O átrio nas dunas
em Helgoland! Lá está ele, solitário, no meio do mar selvagem,
cercado de ondas; tão solitário! - e eu lembrei-me do solitário
pátio em Hahnenklee, na longínqua localidade do Harz - no meio
de um bosque de pinheiros, entre largas campinas, tão silencioso,
tão sozinho!...
Nós estivemos juntos ainda por longo tempo. As sombras da noite
desceram. Em grandiosidade indescritível pôs-se o sol atrás das
colinas. A lua irradiava a sua luz, que é aquí tão branca, vagalumes
cercavam-nos, as estrelas brilhavam no firmamento em cores magníficas,
as palmeiras murmuravam, o rio sussurrava ao longe - eu não posso
descrever.
Quando voltamos para casa, soou da igreja católica o canto do
Ora pro nobis. Ele soou para adormecer as minhas criancinhas.
E agora os meus maiores e o meu marido, sentados no alto da escada
da igreja, cantam também: Ora pro nobis."Todos cantam as nossas
antigas canções alemãs - eles cantam da saudade do coração..." (Lebenserinnerungen, op.cit. 313-314)
(Aus einem Briefe, Blumenau, den 6. Oktober 1886)
Duas referências sobre a música na obra de Gustav Stutzer merecem particular menção. A primeira, diz respeito às danças de rua realizadas espontaneamente em Florianópolis no dia da libertação dos escravos.
"Quando o vapor, na viagem de retorno, entrou na baía de Desterro,
estremeceu toda a região da ilha e do continente com as bombas
de dinamite e os tiros de espingarda. Todos os passageiros juntaram-se.
'Hoje não é nenhum dia feriado,' exclamou-se, 'o que significa
isso, Revolução?'
O espoucar foi ficando cada vez mais louco, um verdadeiro escândalo
infernal. Além disso, os sinos bimbalhavam em febril agitação.
Logo vimos, na praça do mercado à frente do porto, pessoas que,
concentradas em grandes grupos, levantavam os braços para o alto.
Chapéus eram abanados, lenços balançados, vultos que giravam em
círculos. Ou seja, não era uma revolução. Mas do que se tratava,
então? Ainda se não tinha lançado âncora, quando barcos cheios
de pessoas gritando vieram ao navio. Finalmente pudemos entender,
do barulho: 'Liberdade dos escravos! Viva Isabel! Viva o Brazil!'
Em terra, forcei-me através da massa de pretos já roucos de gritar,
sem encontrar um homem que quisesse carregar as minhas malas;
arrastei-as eu mesmo até a sede do clube." (op.cit. 342-343)
A segunda notícia, de particular interesse musical, diz respeito à situação da música sacra nas igrejas de Santos, em 1889. Essas impressões foram difundidas pelo autor, pastor evangélico e ferino crítico do Catolicismo, em conferências realizadas em Berlim:
"Domingo de manhã. O vapor de Hamburgo, com o qual iria viajar, já estava no porto. Mudei-me imediatamente do meu vapor costeiro para ele e fui dar um passeio pela cidade. Da igreja principal ouví música. Entrei, mas logo dela saí o mais rápido possível, pois os instrumentos de metal tocavam para o término de alguma santa solenidade a melodia da valsa de Strauss: Danúbio Azul." (op.cit. 347)