Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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N° 15 (1992: 1)
DIE DEUTSCHEN IM BRASILISCHEN URWALD
1822-1992: 170 anos da Independência do Brasil: Música nas relações
culturais - Mundo de língua alemã/Mundo de língua portuguesa
Materiais: Fontes gerais pouco consideradas
Relatos alemães da vida sócio- cultural em regiões de colonização
do século XIX
("OS ALEMÃES NA FLORESTA BRASÍLICA" )
Berlin/Stuttgart, 1883
HUGO ZÖLLER
(Excertos)
A obra de Hugo Zöller abre com palavras que esclarecem os critérios
do seu autor e que garantem ao leitor a seriedade descritiva do
livro como relato da situação contemporânea:
"Para que se possa descrever, deve-se sobretudo saber ver, e isso é uma arte que nem todos possuem e que precisa ser aprendida [...].[...] uma segunda forma de arte consiste em escolher o que foi visto, analisá-lo e descrevê-lo. Algumas pessoas imaginam ser fácil reproduzir pictoricamente [...]." (op.cit. I,8) "Por mais inconfortável que seja, deve-se registrar diariamente as notícias, reelaborando-as posteriormente."[...] "Perguntaram-me várias vezes a razão pela qual a maior parte das obras sobre terras estrangeiras são escritas por viajantes, e não por pessoas que passaram longo tempo nas respectivas regiões. Segundo o meu parecer, a resposta deveria ser vista no fato que os primeiros observam melhor, pois as coisas não lhe são demasiadamente familiares." (op.cit. I, 9) [...] "Um escritor, que queira escrever a história do momento, não pode demorar com a reelaboração de suas notícias; ele deve registrar impressões e não escrever tratados eruditos." (op.cit. I,10)
No primeiro capítulo da obra, de título "Portugal, a terra de origem do Brasil", o autor descreve a sua viagem pela Europa Ocidental, fazendo comentários sobre Paris, Madrid - onde descreve as solenidades de Calderón - e Lisboa, que acabara de realizar as comemorações de Camões. A colonia alemã de Lisboa compreendia apenas 40 famílias registradas no Consulado alemão e jovens solteiros que freqüentavam Sociedade Alemã local. De interesse musical são os dados sobre a vida quotidiana e os divertimentos dos portugueses e, em particular, sobre a situação da música sacra em Lisboa:
"Mesmo aos domingos não faltam divertimentos públicos. No inverno há ópera italiana, no verão uma meia dúzia de diferentes apresentações de teatro e de opereta de valor duvidoso; além disso touradas que, ao contrário dos hábitos espanhois, não são em geral sangüinolentas, assim como corridas de cavalo, fogos de artifício, de vez em quando um concerto clássico e - para não esquecer - as numerosas festas de igreja que, de acordo com os costumes do sul, são misturadas com ingenuidades e profanidades de todo o tipo, de modo que às vezes nem se pode perceber o conteúdo religioso. Na famosa igreja de Belém acompanhou-se por exemplo a missa solene do primeiro dia de Pentecostes com um Potpourri, no qual para a minha surprêsa até tinha sido incluída a melodia do Cancan de Madame Angot." (op.cit. I,31)
Die Brasilier schwärmen unzweifelhaft für Musik - und zwar in
erster Linie für Verdi -, wie das schon aus der Allgemeinheit
des Klavierspiels hervorgeht, auch sind sie gewiß nicht schlecht
beanlagt, sonst würden die zahlreichen Mulatten-Kapellen, unter
denen zuweilen kein einziges Mitglied sich aufs Notenlesen versteht,
nicht so Hübsches leisten; bei alledem aber darf man weder auf
tieferes Verständnis, noch auf den in England so häufigen Aufschein
eines tieferen Verständnisses rechnen. Mozarts "Don Juan" ist
in Rio de Janeiro ausgepfiffen worden, Camilla Ursu spielte vor
leeren Bänken, und selbst der kleine Dengremont hatte, trotzdem
er in Brasilien geboren ist (von französischen Eltern), bloß ein
Publikum von 50 Personen vereinigt. Konzerte - es seien denn Konzerte
im Freien, wie z.B. diejenigen einer deutschen Gesellschaft, im
Passeio publico - entsprechen überhaupt weniger als das Theater
dem Landesgeschmack. Zöller, op.cit. I, 132
No seu relato detalhado da sociedade do Rio de Janeiro ("Uma metrópole
nos trópicos"), Zoller descreve um baile no Cassino Fluminense
e dá notícias da vida lírica na Capital do Império:
"A Ópera italiana, esperada para chegar em agosto de Buenos Aires, não me foi possível mais ouvir; ela era considerada como o non plus ultra da arte. Os brasílicos gostam muito de música, indiscutivelmente, - e em primeiro lugar de Verdi -, como já se percebe do generalizado culto ao piano; certamente eles também não são pouco talentosos, senão as numerosas bandas de mulatos não tocariam tão bem, nas quais às vezes nenhum elemento sabe ler música. Apesar de tudo, porém, não se pode esperar nenhuma compreensão mais profunda da música, nem contar com a aparência de um entendimento mais profundo, como acontece freqüentemente na Inglaterra. O 'Don Juan' de Mozart foi vaiado no Rio de Janeiro, Camilla Ursu tocou para cadeiras vazias e mesmo o pequeno Dengremont conseguiu reuniur apenas um público de 50 pessoas, apesar de ter nascido no Brasil (de pais franceses). Concertos, - com exceção daqueles ao ar livre, como por ex. daqueles da sociedade alemã no Passeio público - correspondem em geral menos ao gosto da terra do que o teatro. Só que os preços exagerados limitaram a ida ao teatro e o piano tem que suprir todas as necessidades, para o qual serve um Conservatório e inumeráveis professores de musica." (op.cit. I,132)
No capítulo intitulado "Um Império democrático", Zoller trata específicamente dos instrumentos musicais e salienta a supremacia da influência francesa sobre a alemã no Brasil:
"Pianos e outros instrumentos musicais são comprados da França, embora a Alemanha pudesse conquistar uma parte para si. Parece que os alemães não se esforçam suficientemente a este respeito, como em muitas outras coisas. Durante a guerra fraco-prussiana, por exemplo, quando tornou-se impossível a aquisição de pianos franceses, viram-se os brasileiros obrigados a comprar pianos da indústria alemã, estes foram porém ao término da guerra quase sem exceção trocados por pianos franceses." (op.cit. I,179)
O segundo volume da obra de Zoller trata mais particularmente das regiões alemãs do Sul do Brasil: "A colonia Dona Francisca" (Joinville); "A Colonia Blumenau"; "A cidade comercial teuto-brasileira Porto Alegre" e "Na Floresta do Rio Grande do Sul". O seu relato de Joinville é dos mais positivos, cidade que pelas suas ruas, disposição e tipos de construção de casas lembrou ao autor cidades balneárias alemãs, a exemplo de Lippspringe. (op.cit. II,20) A respeito da vida musical:
"De forma muito especial e talvez demasiadamente intensa desenvolveu-se
a vida social em Joinville. Bem cedo, aos domingos, os colonos
dos arredores dirigem-se à cavalo à cidade, sendo que mulheres
e meninas, possivelmente pela falta de selas femininas, cavalgam
como homens, o que é um pouco estranho, até mesmo indecente no
trote e no galope. Depois da Igreja, há bebida de cerveja, tiro
ao alvo, jogo de bilhar e 'Summs' ou música de dança, sendo que
o gastronomo sempre muda, de modo que um domingo é um, no próximo
é outro, etc. Para círculos melhores da cidade há ao mesmo tempo
encontros de café, passeios a cavalo, concertos, bailes e teatro
de amadores, no qual,- sem exagêro ou adulação-, representa-se
muito bem. Para todas essas coisas a geração mais jovem de colonos
mostra um talento excepcional [...] Assim é aos domingos, mas
também nos dias de semana ouve-se todas as noites o barulho das
bolas de boliche, característico das localidades alemãs; os bares
estão cheios até altas horas da noite. E apesar de tudo raramente
se encontra embriaguez ou exageros; o caráter divertido poucas
vezes supera os limites do prazer permitido.
Unterstützt wird der Brasilier außerdem bei allen seinen Unternehmungen
einerseits durch eine gewisse ruhige Schlauheit, anderseits durch
jenes Selbstgefühl, welches allen romanischen Nationen eigentümlich
ist. Um das zu verstehen, braucht man an einem Orte, wo jedermann
musiziert, bloß das Klavierspiel einer jungen Deutschen mit dem
einer jungen Brasilianerin zu vergleichen. So ein neugebackenes
Ding spielt ausnahmslos wie das Donnerweitter (toca perfeitamente
lautet die technische Bezeichnung) aber ganz ohne Ausdruck. Zöller, op.cit. II, 34-35
Que a vida alemã é muito mais original do que a brasílica, não
se pode duvidar; aos poucos porém, também os brasílicos aprendem
um pouco de conforto com os alemães e os poucos que tiveram suficientemente
espírito empreendedor para mudarem-se para Joinville, parece sentirem-se
lá muito bem." (op.cit. II, 30-31)
Para Zoller, a diferença no toque do piano demonstraria melhor do que qualquer outra coisa a diversidade cultural entre os alemães e os brasileiros e a superioridade dos primeiros:
"Também não se pode considerar muito grande o talento dos brasílicos; eles tem em geral boas disposições, só que não profundas, nem criadoras ou constantes. E finalmente há, ao lado do brasílico preguiçoso, que apesar de seus escravos passa fome, também o diligente e inteligente [...]. Um belo traço tanto entre os brasílicos, como entre os portugueses é o fato de ajudarem-se mutuamente em trabalhos agrícolas, muito mais do que os alemães estão acostumados a fazer. Além do mais, os brasílicos são auxiliados em todos os empreendimentos por uma certa esperteza calma, e por outro lado por uma consciência de si que é característica das nações românicas. Para compreender isso, só se precisa comparar, num lugar onde todos fazem música, o toque de piano de uma jovem alemã com a de uma jovem brasileira. Uma coisinha dessas saída do forno toca, sem exceção, como uma trovoada ('toca perfeitamente' é o termo técnico), mas completamente sem expressão." (op.cit. II,35)
Sobre Blumenau, Zoller dá as seguintes informações de interesse
cultural:
"Antigamente, Blumenau tinha o apelido de 'a alegre' e caracterizava-se por inumeráveis associações, às quais sempre pertenciam as mesmas pessoas; desde a inundação, porém, reina uma atmosfera um pouco abafada, o que se manifesta no fato de que desde então o teatro de amadores não se apresentou nem mais uma vez. O papel principal entre as sociedades de Blumenau é exercido pelo sério 'Kulturverein', que possui cerca de 200 membros [...]" (op.cit. II, 77)
De interesse histórico-musical são as impressões de Zoller a respeito das festividades do 7 de Setembro em Porto Alegre:
"Do ponto de vista social, Porto Alegre, com os seus 30.000 habitantes
- dentre eles 3500 alemães - oferece mais ou menos os mesmos prazeres
que uma cidade alemã do tamanho de Aachen ou Düsseldorf, tendo-se
porém que observar que o elemento alemão aquí não só representa
todo o grande comércio, mas praticamente todo o capital e todo
o espírito empreendedor, sendo que também do ponto de vista social
exerce um papel mais importante do que em qualquer outra cidade
do Brasil. O melhor quadro da situação social de Porto Alegre
pode oferecer uma descrição das festas que tiveram lugar no dia
comemorativo da Independência (7 de setembro). As casas de comércio
alemãs estavam em geral fechadas pelo feriado, das brasílicas
talvez a metade. Cerca das 10 horas da manhã, todos aqueles da
população masculina, que se consideravam aptos, dirigiram-se em
completa toilette aopalácio do govêrno, um prédio por demais simples.
Em primeiro lugar, os senhores em civil apresentaram-se ao presidente;
seguiram-se a estes o general de comando e os oficiais de linha
(na sua maioria de cor), no fim os oficiais da Guarda Nacional
- líderes sem tropa - , que neste ano pela primeira vez, de acordo
com ordem superior, tiveram de aparecer em uniforme. O porte desses
senhores, entre eles alguns alemães, não era mau; eles envergavam
os uniformes recém comprados, com dignidade e nobreza. Quis-se
ir conjuntamente, em desfile, ao solene Te-Deum; a igreja , porém,
como aquí é fato comum, fez-se esperar. Finalmente estava tudo
preparado; algumas companhias da guarnição (uma parte delas está
sempre na prisão) formou uma espala confusa - preto e amarelo,
magro e gordo, grande e pequeno - perante a bandeira brasílica
- verde e amarelo, espinafre com ovos - todos tiraram o chapéu,
e quando o bispo de Porto Alegre (um jesuíta), começou a celebrar
a missa, ao som de infindos foguetes, podia-se ver tudo o que
Porto Alegre possui de notabilidades [...]. A cerimônia não deixava
de ter uma certa solenidade, e a impressão de dignidade quase
não foi prejudicada pelo fato de alguns meninos da rua, semi-nús,
colocarem-se atrás da poltrona do Presidente.
À noite houve baile, organizado pelos oficiais da Guarda Nacional.
Desta vez quem formou espala foi a juventude da rua, de quem aquí
ninguém tira os seus direitos; a seu favor preciso dizer que sempre
atendeu-se a um 'faz favor' e se abriu lugar. A Sra. Blume (antiga
Cantora da Ópera da Corte em Berlim) cantou o Hino Nacional, seguiram-se
então os três vivas de costume, o primeiro à nação, o segundo
à Constituição, o terceiro ao Imperador. Não faltavam toilettes
caras, mas dançou-se pouco, para isso estava muito quente e demasiadamente
cheio - e até a 1 hora da manhã só se tinha dançado duas Contradanças
e duas Rodas. Pude aquí perceber o mau porte da maioria das brasileiras
[...]." (op.cit. II, 120)