Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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N° 15 (1992: 1)
1822-1992: 170 anos da Independência do Brasil: Música nas relações
culturais - Mundo de língua alemã/Mundo de língua portuguesa O Brasil e a Alemanha 1822-1922: Um livro dedicado às boas relações
entre os dous paizes, com collaborações brasileiras e allemães
mandado edictar pelo Dr. Alfred Funke. Berlim: Editora Internacional,
1923 "A Editora Internacional, uma empreza de Berlim que procura construir
as pontes de ligação e de Paz entre a Allemanha e a America latina,
não poupando para tal, toda sorte de sacrificios, tenciona levar
a além mar a cultura e o espirito allemão, afim fazel-o conhecido
pela literatura e ajudar a grande obra da Paz no mundo e me incumbio,
apezar (...)da grande deficiencia em material (...) de organizar
o presente livro merecendo pois louvor o emprehendimento que levou
a cabo o seu director Dr. Germano Kirchhoff (...).
Materiais: Fontes gerais pouco consideradas
1822-1922-1992: Memória de um empreendimento teuto-brasileiro
pelo Centenário da Independência do Brasil
Habent sua fata libelli disse Horacio, e assim queira que este
livro seja recebido no Brasil como uma prova para o glorioso Paiz
e Povo brasileiro, que festeja seu centenario de independencia
festejado por todos os paízes do mundo e como um mensageiro da
fortuna para os proximos cem annos, e ainda mais, para união pacifica
e amistosa dos dois paízes. Ha vinte annos ou mais que trabalho
pelo engrandecimento do nome do Brasil na Allemanha ou pelo valor
do trabalho allemão no Brasil e isso, tanto verbalmente como por
escripto e dahi não me poder ninguem tomar a mal se digo que 'Não
pode haver melhor futuro para os dois paízes do que um ajudar
ao outro, com a sua fortuna (...)."
Porta monumental da Fábrica de Ferro Ipanema (Sorocaba) Homenagem a D.Pedro II
A colonização alemã foi de fundamental importância na formação
populacional e cultural dos Estados do Sul do Brasil. Colonos
vindos de diversas regiões da Alemanha trouxeram consigo práticas
musicais religiosas e profanas, repertório musical distinto daquele
desenvolvido históricamente no contexto luso-brasileiro, instrumentos
e tipos próprios de organização da vida musical. Nas regiões de
colonização alemã desenvolveu-se intensa atividade musical. Uma
verdadeira rêde de contactos entre associações, grupos corais
e instrumentais, músicos e cantores possibilitou uma organização
supra-regional de entidades e pessoas com interesses afins. Vínculos
com o meio musical da Alemanha permitiram aquí um singular relacionamento
internacional no âmbito da cultura. Duas nações que se orgulham
de sua cultura musical, o Brasil e a Alemanha, estão assim ligadas
entre si por estreitos elos histórico-musicais.
Viagem de estudos do ISMPS: Alemães no interior de São Paulo.
Sessão Centro Cultural de Ipanema (Foto: H.Hülskath, Acervo ISMPS)
Embora podendo-se encontrar em livros e artigos referências a entidades, músicos e compositores que atuaram nos meios alemães dos Estados do Sul, o desenvolvimento musical dessas regiões ainda não foi integrado na História da Música do Brasil. Tem-se aqui importante tarefa para os estudos musicológicos.
O estudo histórico-musical das relações teuto-luso-brasileiras
não pode, naturalmente, restringir-se à imigração alemã ocorrida
desde o século XIX no Rio Grande do Sul (Col. São Lourenço, Col.
São Feliciano- Lagoas dos Patos, Kroff, Silveira Martins, Santa
Maria, Santo Angelo, Germânia, Santa Cruz, Montalverna, Teutonia,
Taguary, Haburgerberg, São Leopoldo, Col. São Leopoldo, Nova Petrópolis,
Mundo Novo, Col. Três Forquilhas, Colona São Pedro e outras),
em Santa Catarina (São Bento, Annaburg, Dona Francisca - Joinville,
Badenfurt, Blumenau, Brusque, São João, Desterro-Florianópolis,
Santa Isabel, Theresopolis, Angelina, Santa Teresaa e outras)
e no Paraná (Assugny, Curitiba e outras), embora esses estados
exemplifiquem da forma mais evidente a grave lacuna existente
no panorama musicológico do mundo de língua portuguesa.
Subestimada parece ter sido até o momento a importância de instituições musicais dos alemães de São Paulo, sobretudo em Campinas e na Capital, ignorando-se uma particular história musical que apresenta diversificadas fases no seu relacionamento com a vida musical paulista e paulistana desde meados do século XIX.
Também a contribuição alemã ao Rio de Janeiro (Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, Cantagalo e outras) mereceria um cuidadoso estudo, dos esforços destinados ao desenvolvimento da música de câmara e sinfônica no Império, - recorde-se também a origem alemã do último mestre da Capela-Imperial, Hugo Bussmeyer (1842-1912) -, aos concorridos cursos de férias de Teresópolis das últimas décadas.
O Espírito Santo, praticamente desconhecido do ponto de vista histórico-musical, não poderá prescindir da consideração da vida musical de suas colonias de língua alemã. (Col. do Rio Novo, Col. Santa Isabel, Col. Santa Leopoldina e outros).
Práticamente não lembrada foi até agora a prática musical dos meios alemães em Minas Gerais (Filadelfia e outras localidades) e na Bahia (Caravelas, Colonia Leopoldina, Santa Clara e outras localidades), sobretudo em Cachoeira de São Félix, com repercussão em todo o Recôncavo.
Outras regiões e localidades do Brasil poderiam ser citadas. A história da vida musical mais recente e da criação contemporânea em várias cidades do Brasil foi além do mais influenciada por atividades desenvolvidas por entidades culturais alemãs, entre elas o Instituto Goethe.
O estudo histórico-musical das relações teuto-luso-brasileiras
não diz respeito somente às regiões onde houve fixação de alemães.
Ele inclui a consideração de personalidades individuais de músicos,
regentes, professores e compositores que atuaram no Brasil e exerceram
influência no seu meio e época. Deve-se lembrar também dos muitos
nomes de brasileiros que realizaram estudos na Alemanha ou que
lá atuaram artísticamente. Muito pouco foi até agora considerado
das relações assim desenvolvidas e dos elos que podem ser esclarecidos
através das mesmas no âmbito das conceituações musicais. Vários
vultos da música brasileira seriam assim melhor compreendidos
nas suas idéias e ações. Ao lado de personalidades de excepcional
renome que exerceram subida influência no ensino musical do Brasil,
como Alberto Nepomuceno (1864-1920) e Leopoldo Miguez (1859-1902),-
este particularmente entusiasmado pela Neudeutsche Schule -, deve
ser aqui lembrado, entre outros, Pedro Irineu Jatobá (1895-1948),
fundador da Escola Normal de Música da Bahia, e cuja formação
não pode ser entendida sem a consideração das concepções do Abade
Basilius Ebel de Maria Laach, famoso gregorianista. (A "Enciclopédia
da Música Brasileira: Erudita, Folclórica, Popular, São Paulo
1977, 374 fala errôneamente de Basílio Ettel da Universidade Marl
Laach!)
Entre vários outros nomes da história da música do Brasil particularmente ligados ao mundo musical alemão podem ser aquí citados, em arbitrária e incompleta série, Paulo Florence (1864-1949) que, assim como Félix de Otero (1868-1946), foi professor do Instituto Musical de São Paulo, Antônio Sá Pereira (1888-1966), personalidade-chave da Pedagogia Musical no Brasil e Frutuoso de Lima Viana (1896-1976), colaborador musical ativo dos alemães de São Paulo.
A música sacra católica de grande parte do século XX no Brasil não pode ser estudada sem a consideração da tradição ceciliana de Ratisbona. Os principais agentes desse movimento reformador sacro-musical foram os franciscanos de Petrópolis, em primeiro lugar Frei Pedro Sinzig (1876-1952). Também a prática do canto gregoriano nos mosteiros beneditinos brasileiros vincula-se históricamente com determinadas abadias alemãs, sobretudo de Beuron.
Não é possível, sobretudo, estudar a história da música religiosa evangélica n Brasil sem a consideração de seus elos com a Alemanha. A própria tolerância do culto evangélico no Brasil do século XIX deu-se no contexto do incentivo imperial à imigração. Para a história da música religiosa evangélica no Brasil tem-se significativos documentos até mesmo dos séculos XVI e XVII, como já salientou Henriqueta Rosa Fernandes Braga. (Música Sacra evangélica no Brasil: Contribuição à sua história, Rio de Janeiro, 1961) A própria difusão do Protestantismo no Brasil da atualidade, embora mais caracterizado pela influência norte-americana, exige que se dedique uma maior atenção ao relacionamento histórico-musical do Brasil com o país da Reformação. Amplos círculos da população brasileira não podem ficar, - também sob o ponto de vista musical -, sem a possibilidade de um aprofundamento histórico de sua cultura.
O outro lado do estudo dos relacionamentos histórico-musicais teuto-luso-brasileiros diz respeito à visão do Brasil e sua música na Alemanha. Sob este aspecto, impõe-se um levantamento de fontes (artigos de jornais e revistas, cartas, documentos de arquivos de instituições oficiais e particulares, etc.), assim como uma consideração das menções feitas à música em obras dedicadas ao Brasil.
Dr. M. de Oliveira Lima Die deutschen Bücher über Brasilien sind unter uns viel weniger
bekannt als die französischen und englischen, weil de Zahl derjenigen
Brasilianer, welche das germanische Idiom sprechen, eine beschränkte
ist; jedoch gerade unter ihnen finden sich die interessantesten.
Kein Reisender des sechzehnten Jahrhunderts erreicht Hans Staden
in realistischer und gleichzeitig malerischer Schilderung, kein
Gelehrter des neunzehnten Jahrhunderts übertrifft Spix und Martius
in Fülle, Gründlichkeit und Originalität der Beobachtungen, kein
Historiker kann Handelmann an die Seite gestellt werden (...) Ein Geleitwort Seiner Exzellenz des brasilianischen Gesandten
und bevollmächtigten Ministers (...) in Brüssel, Heinrich Schüler,
Brasilien: Ein Land der Zukunft, Stuttgart u. Leipzig (3. Aufl.
1912), V
O significado dessa literatura foi salientado por M. de Oliveira
Lima, em 1911:10
"Os livros alemães sobre o Brasil são muito menos conhecidos entre
nós do que os franceses e os ingleses, pois o número daqueles
brasileiros que falam o idioma germânico é limitado; entretanto,
é justamente entre eles que se encontram os de maior interesse.
Nenhum viajante do século XVI chega à altura de Hans Staden na
descrição realística e ao mesmo tempo pictórica; nenhum erudito
do século XIX supera Spix e Martius na quantidade, exatidão e
originalidade das observações; nenhum historiador pode ser colocado
ao lado de Handelmann [...].
Eu cito esses nomes, ao azar, da rica literatura teuto-brasileira,
que levou Canstatt a relacionar criticamente os mais interessantes
estudos. [...] alguns viajaram oficialmente, vários publicaram
livros e brochuras com ataques que culminaram em ofensas, o que
demonstrou superficialidade [...] Outros foram, como se sabe,
escritos com grande consciência, como os do Freiherrn von Eschwege
e muitos outros [...]. A essa espécie pertence o livro do Sr.
Heinrich Schüler [...].
O Brasil tem um vivo interesse de ser conhecido pelos estrangeiros,
mas exige, de forma justa, que tal ocorra nos limites da verdade
e da justiça. Os louvores exagerados são logo desmascarados.[...]".
(Prefácio de Heinrich Schüler, Brasilien: Ein Land der Zukunft,
Stuttgart e Leipzig, 1912.)
Esta obra, de um autor que viveu várias décadas no Brasil e que procurou entender a "alma do povo luso-brasileiro" e do "Deutschtum" no Brasil, não inclui, infelizmente notícias musicais. Apresenta porém, ilustrações de interesse, como do carnaval no Rio de Janeiro, dos teatros municipais da antiga capital e de São Paulo).
(...)