Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

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N° 14 (1991: 6)


 

CULTIVO DE MOZART EM SÃO PAULO
- MARTIN BRAUNWIESER E O "ESPÍRITO DE MOZART" NO BRASIL-

Antonio Alexandre Bispo

(Excerto)

 

O primeiro concerto do casal Braunwieser no Brasil, realizado na Sociedade Democrática Italiana de Bragança Paulista, no dia 22 de setembro de 1928, foi aberto com o Concerto para Flauta em sol maior de W.A.Mozart. Este mesmo concerto foi repetido no recital realizado no Theatro Republica, de Atibaia, no dia 7 de dezembro desse ano. Os esforços de divulgação da obra de Mozart na região bragantina prosseguiram nos anos seguintes, muitas vezes sob condições improvisadas. Assim, no dia 1 de outubro de 1931, no terceiro Concerto Popular da Sociedade dos Amadores da Arte Musical de Bragança Paulista, Tatiana Braunwieser executou o Concerto em ré menor para piano e orquestra, de Mozart. A orquestra foi formada com elementos locais e apresentava singular composição. A imprensa local não deixou de fazer altos elogios à executante e à obra do grande músico austríaco. Mesmo assim, não havia ainda, na época, plena compreensão pela arte mozartiana e pelos valores musicais preconizados pelo casal Braunwieser: "[...] as paginas que Mozart escreveu, para instrumentos com orchestra, não apresentam essas difficuldades que consagram os artistas. Pelo que pude observar, a sra. Tatiana seria magnifica e esplendida em um concerto de piano, interpretando os grandes mestres da música." (Bragança Jornal, 6 de outubro de 1931)

Acompanhando os anúncios dos primeiros concertos realizados pelo casal Braunwieser em São Paulo, os jornais publicaram referências às elogiosas críticas de jornais austríacos a Martin Braunwieser como flautista e especialista em Mozart. No dia 25 de janeiro de 1929, no Salão Nobre do Circolo Italiano, em concerto patrocinado pela Associação Quarteto Brasil, Martin Braunwieser tomou parte da execução de um Quarteto para flauta, violino, viola e violoncelo de W.A.Mozart. No mesmo programa, Genny Petersen (canto), acompanhada por Amelie Petersen, interpretou obras mozartianas. No dia 27 de setembro do mesmo ano, a mesma Associação promoveu um concerto que, ao lado de obra de J. Gomes Junior (1868/71-1963), incluiu também um quarteto (XII) de W. A. Mozart. O jornal alemão comentou a obra: "O melhor número da noite foi, sem dúvida, o Quarteto n° 12 de Mozart. Pois essa musica magnifica com a sua estrutura clara, a sua riqueza em motivos, a sua movimentação leve, a sua sonoridade, é tão bela, que as obras modernas não a alcançam." (Deutsche Zeitung, 28 de setembro de 1929)A imprensa da colonia italiana ressaltou o italianismo de Mozart: "Le semplici melodie di questa opera sublime, dettate dalla geniale ispirazione del grande tedesco, hanno destato le più dolci sensazioni. In questa bellissima composizione - che di tedesco non ha che il nome dell'autore perchè a tutti è nota la sua spiccata tendenza per la scuola italiana - i temi melodici si svolgono con sorprendente facilità e naturalezza. Le astruse elucubrazioni scientifiche come le nebulosità armoniche che intralciano sempre il corso naturalissimo di una bella frase, sono addirittura fuori d'uso per il Mozart". (Fanfulla, 28 de setembro de 1929)

No âmbito da Sociedade Donau, em concerto promovido pelo Consulado Geral da Austria, no dia 19 de novembro de 1929, Tatiana Braunwieser executou a Fantasia em do menor de Mozart e acompanhou Lilly Kietz na ária da Susana do Figaro. No dia 9 de setembro de 1930, no Salão Nobre do Círculo Italiano, Martin Braunwieser tomou parte da execução do Quinteto K.V. 407 de W. A. Mozart.

Sarau Mozartiano 1930Grande acontecimento desse ano foi o sarau de sonatas realizado por Tatiana Braunwieser no dia 3 de dezembro de 1930, no salão nobre da Sociedade Germania. O programa, que incluiu a primeira audição da Sonata (1924) de I. Stravinsky, foi aberto com a Sonata em fá maior, de Mozart. Mário de Andrade, que se referiu à essa sonata como "uma sonata clássica no seu sentido mais puro de forma e espírito", revelou na sua crítica o sentido musicológico do empreendimento, dedicado a dar perspectiva histórica à discussão excessivamente acadêmica da forma sonata entre os professores de S. Paulo: "um sentido novo em que se abandone o mais possível as noções especiais que sempre andaram meio que transplantando a musica da sua realidade exclusivamente temporal, pra um compromisso com o espaço. Esse compromisso impediu bastante e sentimentalisou por demais a evolução musical cristã". (Diário Nacional, 5 de dezembro de 1930) No dia 18 de agosto de 1931, Tatiana Braunwieser, juntamente com a sua aluna Else Rösler, realizou um concerto a dois pianos, no qual incluiu a Sonata em ré maior de W. A. Mozart. Essas duas pianistas apresentaram, na Sociedade Germania, no dia 17 de junho de 1932, a Fantasia para um rolo de órgão de Mozart, assim como o Duettino concertante segundo Mozart, de F. Busoni. Desse ano de 1932 cumpre salientar a apresentação do Quarteto n° 1 de Mozart pela Associação Quarteto Brasil, no dia 5 de novembro.

No âmbito da atividade de Martin Braunwieser como regente de coros e organizador de concertos da colonia alemã de São Paulo deve ser mencionado, como primeiro evento de particular significado, o concerto religioso realizado na Igreja Evangélica Alemã, no dia 1 de setembro de 1931.O programa incluiu o Quarteto de Cordas em ré menor de W. A. Mozart e o Ave verum, com acompanhamento de órgão (Angelo Camin), obra que passou a ser executada em numerosos concertos do Schubert-Chor, sob a direção de M. Braunwieser. No dia 5 de dezembro de 1931, à frente do Quarteto Vocal Braunwieser, realizou ele um Concerto Comemorativo de Mozart pela passagem dos 140 anos de sua morte, no salão do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento. O programa, que contou com a participação de Tatiana Braunwieser, Lilly Kietz, Else Rösler e Ferry Preuss, apresentou o Ave verum, o Concerto para piano em ré menor e Bastien e Bastienne.O objetivo dessa iniciativa de Martin Braunwieser foi: 1) fazer jus ao seu dever de filho de Salzburg, comemorando condignamente Mozart , e 2) realizar, em lugar simbólico, um concerto inicial de amplo trabalho de difusão musical popular.

Para Martin Braunwieser, que desde os seus primeiros anos no Brasil sempre procurou valorizar a música brasileira e os compositores locais, tal empenho cultural nada tinha a ver com um aberrante nacionalismo que se alastrava tanto na colonia alemã, quanto no meio brasileiro. Como filho de Salzburg, sentiu-se no dever de chamar a atenção aos valores clássicos representados nas grandes obras de Haydn e Mozart. Por ocasião da execução de Die Schöpfung, de J. Haydn, no dia 16 de março de 1933, declarou: "A arte tinha tambem naquele tempo um caráter extra-terrestre e acima de qualquer nacionalismo. A musica podia ter certos motivos nacionaes, mas isso nunca era o principal. O importante era o assumpto interior duma obra e as qualidades da arte não eram julgadas do ponto de vista nacional." (Programa do concerto)

O ponto culminante na tregetória do Orpheon do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, sob a regência de Martin Braunwieser, foi alcançado em 1935, com a apresentação de uma Missa de W. A. Mozart.

Martin Braunwieser voltou a dedicar-se especialmente ao grande compositor de sua cidade natal por ocasião do ano comemorativo de 1936, realizando um Sarau Mozart, no dia 17 de abril, no Salão Gomes Cardim do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. O programa constou de peças vocais para solo, da Sonata em lá maior para piano e violino, da Sonata em ré maior para dois pianos, do Ave, verum e do Benedictus do Requiem. O texto que acompanhou o programa trouxe as razões da iniciativa de Martin Braunwieser: "W.A.Mozart e sua obra são injustamente quasi esquecidos em nossos dias. Poucos regentes e solistas contemporaneos procuram interessar o publico pela obra immortal deste grande mestre. Será que para elles não tenha o mesmo interesse?- Actualmente podem se distinguir 3 opiniões differentes sobre Mozart. Uma totalmente favoravel, de seus admiradores, sendo estes em numero reduzido. Outra dos que o não apreciam por antiquado e aborrecido e, finalmente, a opinião daquelles que, julgando-o superficial e por demais virtuose, o acham contudo interessante e...agradavel... Esta é a da maioria. A nossa ver as duas ultimas só podem ser justificadas pela falta de preparo e de interesse com que geralmente são executadas as obras do mestre".

A maior iniciativa de Martin Braunwieser em pról da divulgação da obra de Mozart deu-se em 1938, quando, no dia 26 de novembro, o 56° Concerto Grátis do Departamento Municipal de Cultura foi dedicado a um Festival Mozart. Martin Braunwieser atuou aqui como regente de um concerto sinfonico, cujo programa foi constituído pela Abertura de "O Rapto no Serralho"; da Sinfonia n° 40 em sol menor, do Concerto n° 5 em lá maior para violino e orquestra, tendo como solista Anselmo Zlatopolsky, por "Uma pequena música noturna" e pela Abertura de "O Casamento de Figaro". O Diário de São Paulo comentou a iniciativa e a regência de Martin Braunwieser: "Ao maestro Martim Braunwieser deve-se, em primeiro lugar, o successo do concerto, que teve o valor de uma revelação. Com o seu sentido do estylo e a autoridade que lhe dão os seus meritos de regente, o menor dos quaes não é, sem duvida, uma grande capacidade de apprehensão do valor poetico da obra, sem quebrar a força de uma preciosa tradição. O regente pôde tirar da sua orchestra, convincentemente, a deslumbrante riqueza de desenho rythmico e a variedade de timbres [...] O concerto foi uma prova de que com o maestro Braunwieser já São Paulo pôde integrar-se conscientemente na glorificação universal de Mozart."608 Segundo O Estado de São Paulo, "... foi o melhor Mozart que se ouviu até agora em São Paulo. Todas as paginas, phrase por phrase, foram traduzidas de maneira verdadeiramente espiritual, dentro da maior simplicidade apparente. A amabilidade insinuante, a graça melodica, a sensibilidade e subileza, tudo emfim que caracterisa o genio de Salzburgo [...] através de uma orchestra leve, transparente, finamente trabalhada." (O Estado de São Paulo, 27 de novembro de 1938)

Os esforços de Martin Braunwieser em difundir a obra de Mozart no Brasil e superar os preconceitos que impediam a sua valorização adequada no meio musical do país tiveram repercussão em Salzburg, como o indica uma notícia publicada pelo Salzburger Volksblatt:: "Braunwieser dirigiu há pouco em São Paulo um concerto orquestral que foi exclusivamente dedicado a Mozart. [...] A crítica ressaltou a sua regência econômica e intensa, a sua forma leve de fazer música e a beleza perfeita do som e que 'a interpretação das obras denotaram o espírito de Mozart'. O regente e os executantes foram muito festejados."

Com a formação do Quarteto Haydn e do Trio São Paulo, obras de Mozart passaram a ser incluídas em concertos do Departamento de Cultura, também em programas conjuntos com o Coral Popular, dirigido por Martin Braunwieser.Digna de ser rememorada, neste contexto, foi a inclusão da ária de Pamina (da Flauta Mágica) como peça de abertura - e única de autor estrangeiro - no concerto oferecido ao Congresso da Lingua Nacional Cantada por Vera Janacopulos com seus alunos de canto, no dia 12 de julho de 1937.

Uma consideração do trabalho de difusão da obra de Mozart realizado posteriormente por Martin Braunwieser junto aos seus alunos de Canto Orfeônico e, sobretudo, em concertos da Sociedade Bach de São Paulo extrapolaria o âmbito desta publicação.

Também Tatiana Braunwieser não esmoreceu no cultivo da obra mozartiana. Aqui deve ser relembrada apenas a inclusão da Sonata em ré maior no programa do Sarau de dois pianos realizado, juntamente com E. Hahmann, no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, no dia 13 de junho de 1940. Da fase mais recente da Sociedade Bach de São Paulo, já sob a responsabilidade de Renata Braunwieser, cita-se apenas o Concerto n° 251 em homenagem a W. A. Mozart, realizado no Auditório da Liga das Senhoras Católicas , no dia 22 de abril de 1968, e que incluiu os quartetos K.V. 465 e 370, assim como o Quinteto K.V. 407.

 

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