Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

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N° 14 (1991: 6)


 

DA CONCEITUAÇÃO DO CLASSICISMO NO BRASIL (2)

O Clássico e a espiritualidade

Antonio Alexandre Bispo

Se até mesmo no caso de Mozart já foi lamentado o fato que, apesar da imensa literatura específica, apenas considerou-se superficialmente "o ambiente religioso no qual nasceu e do qual foi influenciado", (Adolf Köberle, "Mozarts religiöse Heimat", in Musik und Kirche 44/2, 1974, 53-61, 53) então tal afirmação vale ainda mais para os numerosos compositores que "viveram no aconchego do seu tempo" (Ernst Tittel, Österreichische Kirchenmusik: Werden, Wachsen, Wirken, Viena 1961,227) e que dedicaram ainda em mais alto grau a sua obra à música de igreja. Assim a importância de Michael Haydn passa a ser cada vez mais reconhecida e a pesquisa dos "mestres menores" revela constantemente surprêsas. Para a música sacra de Salzburg, por exemplo, deve-se reconhecer em Johann Ernst Eberlin (1702-1762) um papel muito mais significativo do que aquele que se procurou aceitar até o momento. (Erich Valentin, "Salzburger Kirchenmusik zur Zeit Michael Haydns und Mozarts", in Musica Sacra 101/2, 1981, 84-88, 85) O mesmo acontece com Sigismund Ritter von Neukomm (1778-1858).

O historiador da música parece encontrar, na pesquisa de "mestres menores" da Europa Central condições similares àquelas existentes na Península Ibérica e na América Latina: encontra-se uma quantidade dispersa de obras de nomes pouco conhecidos, cuja avaliação pressupõe um esforço ingente de localização e levantamento. Mesmo na Europa Central, os musicólogos são obrigados a reconhecer inesperada e surpreendente difusão de obras de compositores até agora pouco considerados. Assim, entre as composições de Ignaz Holzbauer (1711-1783), as suas missas "como obras independentes da Côrte, foram as mais divulgadas (....); cópias podem ser encontradas hoje na Alemanha do Sul, na Áustria, na Bohemia e na Morávia (que na época eram austríacas), assim como na França e na Itália".(Nikolaus Altmann, Die Messen von Ignaz Holzbauer, 1711-1783, Bonn 1983, 10) Se desperta surprêsa esse raio de difusão de obras de um compositor pouco conhecido, o que dizer da área transatlântica, na qual deve-se locomover a pesquisa histórico-musical de Portugal e do Brasil? O estudo da aceitação e do reconhecimento de um compositor no seu tempo é, na Europa Central, facilitado pela existência de arquivos mais bem organizados e em maior número do que aqueles do Sul da Europa e da América Latina. Assim, os especialistas europeus podem apoiar-se mais facilmente em julgamentos da época, como no caso de autores vienenses, dos qual o Diário de Viena (Wienerisches Diarium) de 1766, por exemplo, dizia: "O Sr. Georg von Reuttern, mestre-capela real e imperial, que é certamente o mais competente compositor a cantar o louvor de Deus, é o modêlo de todos aqueles que trabalham aquí nessa esfera (....) O Sr. Leopold Hoffmann procura sempre o mais elevado, à seriedade unida com o belo, e a sua obra salienta-se sobre todas as outras pelo Canto unido à Correção. Ele é também o único que se aproxima do Sr. von Reuttern, sob o ponto de vista do estilo eclesiástico (...)". (Robert Haas, "Von dem Wienerischen Geschmack in der Musik", in Festschrift Johannes-Biehle zum 60. Geburtstag, ed. E.H. Müller, Leipzig 1930, 59-65, 62 e 63; Hermine Proháska, "Leopold Hofmann uind seine Messen", in Studien zur Musikwissenschaft 26,1964,79-139; H. Unverricht, "Die orchesterbegleitete Kirchenmusik von den Neapolitanern bis Schubert", in Geschichte der katholischen Kirchenmusik, 2, ed. K. G. Fellerer, Kassel 1976, 157-172)

Apesar de todas as dificuldades, também para os países do Sul deve-se atentar mais às vozes da época no julgamento histórico-estético das obras.

A razão da importância dessa tarefa reside no fato de que a música sacra do século XVIII e do início do século XIX não pode ser estudada sem a consideração adequada de sua razão de ser, pois "o motor do seu cultivo foi o homem na sua vivência religiosa". (Karl Gustav Fellerer, "Liturgie und Tonkunst", Musica Sacra und Liturgiereform nach dem II. Vatikanischen Kozil, V. Internationaler Kongress für Kirchenmusik, 1966, in Chicago-Milwaukee; Ratisbona 1968, 46-65, 48). Sobretudo, porém, para o amplo e diversificado espaço constituído pela Espanha, Portugal e pelas regiões que receberam o cunho de sua influência, cumpre considerar que "a constatação das diferenças de religiosidade de tempos passados (quando se entende aquí o território íntimo, dificilmente atingível da vida religiosa respectiva e não a superfície histórica e cultural da imagem que se tem da época!) é um empreendimento muito difícil e sutil." (Johann Baptist Hilber, "Wolfgang Amadeus Mozart", Musica Sacra als Lebensinhalt: eine Auswahl aus Aufsätzen und Vorträgen von Johann Baptist Hilbert, ed. J. Overath, Bonn 1971, 93-110,104).

Para a consideração dessa tarefa torna-se necessário unir a pesquisa histórica com o estudo das tradições religioso-musicais ainda hoje observáveis, estudo a ser feito, naturalmente, sob rigorosos critérios científicos. Cumpre, sobretudo, guardar uma cuidadosa distância com relação ao julgamento de valor de personalidades que estiveram demasiadamente ligadas aos ideais da reforma litúrgico-musical do fim do século XIX e início do XX, sem absolutamente desmerecê-las como expressões de um determinado desenvolvimento histórico. O mesmo acontece até na Europa Central, onde Karl Gustav Fellerer foi obrigado a salientar que "a obra de um Lambert Kraus, de um Marianus Königsperger e outros (....) levaram a um julgamento da música sacra que, embora justificável na maior parte dos casos para tais composições como obras litúrgicas, não faz jus à totalidade da música sacra de seu tempo".("Historischer Überblick", Die liturgische Musik in den Kathedralen, Abteikirchen und Ecclesiae Maiores nach dem Vaticanum II, ed. J. Overath, Roma 1972, 136-141, 139) No ardor dos impulsos reformistas da música sacra não foram poupados nem mesmo os grandes representantes da criação musical. Assim, já salientou-se que "a música sacra de Haydn, em especial, apesar do muito que sobre ela se escreveu", "ainda não pode ser considerada exaustivamente estudada quanto ao seu julgamento", pois "a sua apropriação litúrgica esteve tanto no centro dos interesses que a própria música ficou, por longo tempo, relegada a um plano secundário." (Leopold Kantner, "Tradition, Gegenwart und Zukunft in Haydns Mess-Kompositionen", in Musica Sacra 102/2(1982),68-81,68)

Se até mesmo na Europa Central, na consideração de compositores máximos do Classicismo, como Mozart, "desclassificou-se toda a música do século XVIII tardio por identificar-se o estilo da época com o estílo operístico", (Erich Ade, "Mozarts Kirchenmusik", in Gottesdienst und Kirchenmusik 2, 1956, 40-42,41)então é particularmente questionável, nos países do Sul e nas regiões extra-européias de cunho cultural ocidental, assimilar-se opiniões que condenam praticamente todo um passado histórico-musical.

Não apenas na Historiografia Geral da Música, portanto, mas também e principalmente na consideração particular de uma determinada região ou localidade cumpre salientar a necessidade de uma avaliação da criação musical do passado a partir de seus próprios pressupostos.

 

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