Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 13 (1991: 5)


 

Toeschi no Vale do Paraiba

1991: "Ano Mozart"

Estudos do Século XVIII no Mundo de Língua Portuguesa e Musicologia

Da Conceituação do Classicismo no Brasil I

Sinfonia de J. Toeschi executada no Vale do Paraíba, fins do séc. XVIII (Acervo A.A.Bispo/ISMPS-IBEM)

 

Antonio Alexandre Bispo

 

O ano de 1991, que marca a passagem dos 200 anos da morte de W.A.Mozart, enriquece a Musicologia com uma grande quantidade de biografias do compositor, de monografias a respeito de sua obra, de reedições de partituras, além de numerosas gravações, incontáveis concertos e ciclos de apresentações de interesse musicológico, conferências e simpósios. Em muitas dessas iniciativas apresentam-se resultados de recentes pesquisas, novas interpretações da obra e da época do compositor, assim como salientam-se aspectos até então pouco considerados ou retomam-se com nova intensidade temas já há muito discutidos.

Um dos grandes projetos de 1991, de título Viagem Européia de Mozart, diz respeito às cidades visitadas pelo grande compositor e que agora o festejam com diversos eventos, alguns dos quais de grandes dimensões. Entre estes, salienta-se a série de apresentações levada a efeito na cidade alemã de Mannheim e que emoldura musicalmente a realização do Simpósio Internacional Mozart e Mannheim e o Encontro Anual da Sociedade de Pesquisa Musical, a realizar-se de 8 a 12 de outubro de 1991. Mannheim, visitada quatro vezes por Mozart na esperança de encontrar uma colocação na corte do príncipe eleitor Carl Theodor, gozava da mais alta reputação como centro musical, exercendo um papel de primordial significado na evolução estilística da segunda metade do século XVIII. Os eventos comemorativos de 1991 em Mannheim incluem, assim, obras de "colegas" de Mozart, como Christian Cannabich (1731-1798), Ernst Eichner (1740-1777), Carlo Giuseppe Toeschi (1731-1788), Ignaz Holzbauer (1711-1783), Franz Xaver Richter (1709-1789) e composições do "fundador da Escola de Mannheim", Johann Stamitz (1717-1757).

Também no Brasil o Ano Mozart é comemorado com diversos eventos. Em São Paulo, como notificado pela Sociedade Brasileira de Musicologia em circular dirigida a seus sócios, realiza-se programa dedicado a mostrar vínculos da obra e da concepção do mundo de Mozart com correntes de pensamento de cunho maçônico. Esse intento, também registrado em outras partes do mundo, não deixa de ter um especial significado para o Brasil, cuja história foi no passado influenciada pela maçonaria. Embora a consideração de tal contexto não deva ser particularisticamente valorizada, tem o mérito de dirigir a atenção a aspectos globais da história do pensamento e da espiritualidade de uma época, evitando visões demasiadamente estreitas, limitadas à análise técnico-estilística da obra, a questões técnico-interpretativas de execuções ou a aspectos mais ou menos significativos da vida e do quotidiano do compositor.

Por um coincidência quase que simbólica, no mesmo Ano Mozart comemora-se os 90 anos de um dos maiores vultos da vida musical e do ensino de São Paulo, Martin Braunwieser, nascido na mozartiana Salzburg, formado no renomado Mozarteum em época decisiva para a instituição e um dos divulgadores da obra de Mozart no Brasil. Embora há pouco no país, foi ele um dos que mais contribuíram para que os 140 anos da morte de W.A.Mozart, em 1931, não passassem despercebidos em São Paulo. No dia 5 de dezembro desse ano, M. Braunwieser realizou o grande feito da apresentação de Bastien und Bastienne K.-V. 50 no Círculo Esotérico Comunhão do Pensamento de São Paulo, uma realização de cunho idealístico que contou com a participação de elementos da colonia de língua alemã no Brasil, com a colaboração da Orquestra da Rádio Record e que alcançou considerável repercussão na imprensa.

A história da difusão de obras de Mozart no Brasil mereceria ser particularmente estudada no ano de 1991. Mais do que um necessário levantamento de apresentações, de nomes de artistas e organizadores, de edições de obras, de comentários em jornais e outras publicações, o que poderia ser entendido superficialmente como de significado comparável ao estudo da difusão de obras de qualquer outro grande compositor europeu no Novo Mundo, o ano de 1991 deveria dar ensejo a reflexões mais aprofundadas sobre o Pré-Classicismo e o Classicismo na História da Música no Brasil e sobre o conceito do "Clássico" na música e na cultura musical do país.

No Brasil observa-se a difusão de princípios de um estilo internacional, em parte com emprêgo livre do vocabulário estilístico, em parte também com elementos de tradições locais de escrita musical. Na situação atual da pesquisa, pode-se dizer que, do ponto de vista da história da recepção musical, o Pré-Classicismo assume, no Brasil, um significado maior do que as formas do alto Classicismo e do Pós-Classicismo. Assim, foi possível descobrir obras instrumentais de Carl Stamitz (1745-1801) e Joseph Toeschi (?-1788) no repertório de orquestras até mesmo em regiões interioranas do país.

In Brasilien breiteten sich die Prinzipien eines internationalen Stils weit aus, teils mit freierer Verwendung des Stilvokabulars, aber auch verbunden mit lokaler satztechnischer Tradition. Nach dem heutigen Stand der Forschung zeigt sich, dass die Vorklassik in Brasilien rezeptionsgeschichtlich grössere Bedeutung erlangte als die Erscheinungsformen der Hoch-und Nachklassik. So fanden sich Instrumentalwerke von Carl Stamitz (1745-1801) und Joseph Toeschi (?-1788) im Repertoire von Kirchenorchestern in abgelegenen Regionen Brasiliens.

A.A. Bispo, "Zur Rezeptionsgeschichte der Kirchenmusik in Brasilien",Collectanea Musicae Sacrae Brasiliensis, Musices Aptatio 1981, 11 ff. 

Tais reflexões conceituais parecem assumir particular importância na atualidade, quando, em anos "pós-modernos", o "Modernismo" passa a ser colocado em questão em muitos centros do mundo e, com ele, necessáriamente todo um complexo de idéias que tanto influenciou e tanto influencia a literatura de cunho musicológico no Brasil. Mesmo compêndios com fins didáticos ou de divulgação pouco consideram o Classicismo e, ao contrário de livros similares que tratam da História Geral da Música, não estabelecem em geral uma fase clássica na periodização musical do país. Tal fato pode ser, sem dúvida, explicado pelo estado da investigação específica e talvez até mesmo pelas peculiaridades históricas de uma nação que se encontrava, na respectiva época, como Colonia ou parte do Reino Unido Brasil, Portugal e Algarves, uma situação histórica geral que a partir da perspectiva do país independente dificilmente seria relacionada com uma fase clássica das artes.

Estranha parece hoje, em todo o caso, uma atitude crítica de natureza extra-musical perante o conceito. Mário de Andrade (1893-1945), na sua Pequena História da Música, usa o pouco espaço do capítulo dedicado ao Classicismo para incluir uma "Crítica do espírito musical classico": "(...) o séc. XVIII nos aparece como o mais refinado dos períodos musicais. E de-fato o que caracteriza mais totalmente a música clássica é o espírito de elite, de nobreza tanto íntima como exterior que ela possue. É a música nobre por excelência. Pouco importa descenda em parte de manifestações populares. Também as famílias de sangue-azul se envaidecem de antepassados salteadores... Da mesma forma com que uma família destas pela cultura, pela seleção, pela riqueza, pela educação, pelo protocolo, se afasta do povo: a música setecentista não tem caráter popular." (M. de Andrade, Pequena História da Música. São Paulo 1967, 6a. ed., 127-128)

Tais subjetivas afirmações em compêndio amplamente divulgado em cursos de História da Música, por mais justificáveis que sejam sob determinada perspectiva, trazem em sí o perigo de contribuir para a difusão e a solidificação de pré-julgamentos não corroborados musicologicamente e para uma conseqüente visão distorcida do desenvolvimento histórico-musical.

Cumpre recordar, ao contrário, que os elos entre o Brasil e o Classicismo são extraordinariamente estreitos e salientar que questões relacionadas com o conceito "Clássico" são de fundamental importância para o estudo do passado musical do país, úteis para a análise historicamente fundamentada de várias expressões da cultura musical tradicional e até mesmo necessárias para uma orientação com bases musicológicas da ação criadora no presente.

Que o Brasil conheceu o assim chamado "Pré-Classicismo" na sua plenitude, os documentos já levantados não deixam dúvidas. Assim, obras de compositores da "Escola de Mannheim", tais como Stamitz e Toeschi, pertenceram ao repertório de cidades do Vale do Paraíba de fins do século XVIII e início do XIX.(Cf. do editor, Die katholische Kirchenmusik in der Provinz São Paulo zur Zeit des brasilianischen Kaiserreiches , 1822-1889, Regensburg: Bosse 1980, 107).

Composições de autores conhecidos ou desconhecidos de várias cidades do Brasil, que denotam afinidades estilísticas com o "Pré-Classicismo" europeu, foram constantemente recopiadas e adaptadas às possibilidades locais de execução, permanecendo por décadas vivas na prática musical e associando-se tradicionalmente a determinadas circunstâncias e solenidades.

Missa solemnis Sigismund NeukommD. João VI, que assumira já em 1792 a regência (...), foi aclamado rei em 1816. Neukomm veio em companhia do Duque de Luxembourg (...). Formou-se no Rio de Janeiro um círculo de personalidades que estavam perfeitamente informadas a respeito dos desenvolvimentos artísticos na Europa. Também Neukomm desenvolveu uma atividade musical especial, quase que missionária: êle cuidou da difusão da música de Joseph Haydns e W. A. Mozarts. No contexto de sua ação musical por assim dizer diplomática, também contribuiu para que a música do Brasil fosse conhecida na Europa. Em dezembro de 1819, por ocasião de uma solenidade da Irmandade de Santa Cecília, executou-se o Requiem de Mozart sob a direção do P. José Maurício Nunes Garcia. Neukomm escreveu a respeito um relato elogioso na Allgemeine Musikalische Zeitung. Deve-se salientar sobretudo o fato de ter Neukomm composto, no dia 24 de janeiro de 1821, um "Libera me Domine à grand Orch.tre p.r faire suite au Réquiem" de Mozart.

Johannes VI., der bereits 1792 (...) die Regentschaft übernommen hatte, wurde 1816 zum König erhoben. Neukomm kam in Begleitung des Herzogs von Luxembourg (...). Es bildete sich in Rio de Janeiro ein Kreis von Persönlichkeiten, die bestens mit den Entwicklungen der Kunst und der Kultur Europas vertraut waren. Auch Neukomm kannte die zeitgenössische Musikentwicklung genauestens und entfaltete in Brasilien eine musikalische Missionstätigkeit ganz besonderer Art: er sorgte für die Verbreitung der Musik Joseph Haydns und W. A. Mozarts. Im Rahmen seiner geradezu diplomatischen Musikarbeit trug er auch dazu bei, die Musik Brasiliens in Europa bekannt zu machen. Im Dezember 1819 wurde in Rio de Janeiro anlaeßlich einer Feier der Bruderschaft der hl. Caecilia das Requiem von Mozart unter Leitung von P. José Maurício Nunes Garcia aufgeführt. Neukomm schrieb dazu einen lobenden Bericht in der Allgemeinen Musikalischen Zeitung. Besonders hervorzuheben ist die Tatsache, daß Neukomm am 24. Januar 1821 ein "Libera me Domine à grand Orch.tre p.r faire suite au Réquiem" de Mozart schrieb.

O "Pós-Classicismo" no Brasil abre-se simbolicamente com Sigismund v. Neukomm (1778-1858), o grande aluno de J. Haydn (1732-1809), profundo admirador de Mozart e mentor musical de altas personalidades no Brasil . Não só relatou ele ao público europeu através da Allgemeine Musikalische Zeitung a primeira execução do Requiem de Mozart no Rio de Janeiro, em 1819, sob José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), como compôs ele próprio, em 24 de janeiro de 1821, um Libera me Domine à grand Orch.tre p.r faire suite au Réquiem de Mozart.(Cf. do editor, "Die Missa solemnis sub titulo S. Francisci von Sigismund Ritter von Neukomm", Leichlinger Musikforum 1984, 22ss.).

Se no Brasil ao "Pré-Classicismo" segue-se um "Pós-Classicismo" sem que se ouse ainda indicar "Clássicos" à altura dos grandes representantes do "Classicismo Vienense", tal situação, conhecida também na historiografia de alguns países europeus, explica-se em parte pelas características histórico-sociais da prática musical, ainda predominantemente de igreja, o que implicou em limitações ao florescimento maior da música puramente instrumental. Por outro lado, na denominação de "Pré-Classicismo", "Classicismo" e "Pós-Classicismo" misturam-se conceitos diversos, estilísticos e normativos, que necessitam ser esclarecidos para que se justifique ou não o seu emprêgo.

Pré-condição para uma reflexão mais aprofundada a respeito da propriedade do uso do conceito "Clássico" no Brasil, a ser tentada no próximo número deste caderno, parece ser, porém, o esclarecimento de certas idéias generalizadas e conotativas de ressentimentos e preconceitos. O grande problema que exemplarmente se depreende do citado texto de M. de Andrade diz respeito aos conceitos aparentemente antípodas de "nacionalismo" e "universalismo". De fato, o termo "universalismo" pode ser freqüentemente encontrado na literatura dedicada ao Classicismo. Em geral, a "universalidade" do Clássico é tratada na bibliografia específica no sentido 1) da difusão ampla de um estilo; 2) de uma "linguagem musical universal" e 3) do "universalismo" de um ideal a ele imanente.

 

 

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