Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

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N° 11 (1991: 3)


 

DA DISCUSSÃO A RESPEITO DA ORIGEM DO CÔCO DE ALAGOAS

Antonio Alexandre Bispo

(Excertos)

 

O já clássico trabalho a respeito do "Côco" de José Aloísio Vilela, apresentado ao Primeiro Congresso Brasileiro de Folclore, realizado em 1951, foi publicado, dez anos mais tarde, sob o título de O Côco de Alagoas: Origem, Evolução, Dança., Modalidades na série "Estudos Alagoanos" (Caderno V) pelo Departamento Estadual de Cultura de Alagoas (Maceió, 1961).

No prefácio, Luís da Câmara Cascudo confessa ter-se baseado parcialmente nesse estudo para escrever o verbete respectivo no Dicionário do Folclore Brasileiro. A edição traz os comentários do relator da memória de A. Vilela no Congresso de 1951, Valdemar Cavalcanti. Após notar que até então quase não havia bibliografia específica sobre o assunto, salienta que o autor procurou reunir o máximo de documentação acerca do Côco, valorizando o vasto material recolhido com uma série de considerações:

"A primeira parte do estudo, o autor a dedicou ao exame da origem do côco, oferecendo, nesse particular, uma contribuição pessoal de valia indiscutível. A seu ver, o côco alagoano é de procedência africana, tendo sofrido entretanto, sensível influência indígena. Nesse ponto vai de encontro à opinião de Teodoro Sampaio e outros, favorável à hipótese de origem autóctone. Mas encontra apoio, em compensação, na de Rodrigues de Carvalho, Flausino Rodrigues, Manoel Diegues Junior e L. Lavenère. O que lhe parece é que o côco alagoano é uma herança do elemento escravo importado do continente negro, marcada por alguns traços da cultura amerindia; portanto, uma expressão folclórica mista - afro-indígena. O autor traz em seu auxílio, para firmar a sua suposição, uma versão colhida na tradição oral, em Viçosa (Alagoas), segundo a qual o côco teria sido criado pelos negros do famoso Quilombo dos Palmares." (s/pág.)

A. Duarte abre a primeira parte do seu livro Folclore Negro das Alagoas, dedicada às "Danças populares negras", com um alentado e "engajado" estudo do "Coco alagoano". Também aqui tem-se a afirmação (não documentada e absolutamente improvável) de que o côco ter-se-ia originado "nos mocambos palmarinos" (pág.35). Como em outras obras do autor, citações de diferentes opiniões que sugerem a objetividade da investigação são intercaladas com afirmações peremptórias:

"Ao ver do sábio de Luis da Câmara Cascudo, as fontes do sapateado brasileiro foram África e Portugal. (...) No caso do Coco, tanto a fonte podia ser a velha Península Ibérica como o continente negro; mas, certamente, o foi a África. Trouxeram-no os afro-negros, com as suas danças de estilos diversos e vamos encontrá-lo ainda, como acontece nas danças-dramáticas, (...) especialmente no Reisado e no Guerreiro, cujos sapateados (tropéis) denotando a remota origem africana, evocam em nossos dias a presença do elemento étnico negro." (pág.73)

De todas as conceituações consideradas pelo autor, a mais fundamentada é a de L. Lavenère:

"Há uma dança de nome castelhano Zamacueca que também se chama, abreviadamente, cueca. (...) Ora, de Cueca para Coco, a mudança é possível (...)" (pág.37).

(...)

No contexto destas curtas notas ressaltem-se apenas dois aspectos fundamentais que necessitam ser considerados no estudo das origens históricas do côco. Em primeiro lugar, saliente-se que o conceito "côco" já era usual em Portugal no século do Descobrimento do Brasil, provindo de antiga tradição. A definição deste conceito é oferecida por João de Barros nos seus Panegíricos de D. João III e da Infanta D. Maria. A explicação é dada em contexto relacionado com o mito de Orfeu e que trata do poder da música sobre animais, árvores, rios e coisas da natureza. De acordo com o pensamento platônico, João de Barros considera os conceitos de Beleza e de Proporção das Partes. Na Beleza se manifestariam as virtudes da Alma. Por isso, Salomão teria cantado as belezas do corpo. Pois as obras de Deus - tanto as espirituais como as materiais - estariam repletas do Belo. Quanto mais essas obras se elevassem da Terra, tanto mais nelas se manifestaria a Beleza divina. Por isso, o Homem, criado à imagem e semelhança de Deus, não gostaria de coisas feias. Essa tendência natural do Homem se manifestaria nos "côcos" citados pelas amas nos seus cânticos de embalar crianças, ou seja, em seres nos quais o uso da razão ainda não estaria plenamente desenvolvido. "Côco" nada mais seria do que toda e qualquer imagem sem ordem e proporção que não teria mêdo daquele que é bem proporcionado e formado.

O conceito "côco" aparece aqui como designação de uma categoria de cantos e conceitos relacionados com a imagem feia e negativa da "cuca", ainda comum em acalantos do Brasil. O conceito de "cuca" relaciona-se com a "coca" ou a "Santa Coca", imagem do mal na forma do dragão (por exemplo, de São Jorge), usual nas procissões medievais de Portugal e dos países formados culturalmente pelos portugueses. Essa imagem do mal relaciona-se naturalmente com o demônio e, portanto, com a antiga tradição religiosa heterodoxa ligada a São Bartolomeu, cujo centro de culto medieval foi São Bartolomeu do Mar, no Minho. Esse vínculo com as concepções ligadas com São Bartolomeu estão até hoje presentes no Brasil, como o próprio A. Duarte indica, sem porém atentar ao verdadeiro significado do seu documento, no qual um cantador diz encontrar-se com o diabo transformado numa mulher feia e escura ("Peleja cum cantador de Coco com o Diabo", do cantador José Pacheco, op.cit., 92):

"A vinte e quatro/Do oitavo mês do ano/ Todo pessoal romano/tema a São Bartolomeu/ (...) Eu fui cantar/ na feira de repelegra/apareceu uma negra/ dos olhos da cor de breu/ (...) A negra disse: vamos cantá seu sujeito/ mas se não cantar direito/diga que a carga pendue/ (...) Quando a negra me disse que era o cão/ caiu-me o ganzá da mão/ todo o corpo me tremeu/ (...)."

(...)

Ao lado da origem do conceito "côco" deve-se considerar também o argumento ligado à atividade do tirar e quebrar cocos de coqueiros, sempre citado por pesquisadores. Quanto a essa atividade, cumpre lembrar que os portugueses tomaram contacto com a utilização econômica ampla dos coqueiros sobretudo na Costa do Malabar, na Índia. De lá também vem a primeira citação do confronto dos portugueses com a prática alegre de quebrar côcos dos hindús por ocasião de festas. Frei Paulo da Trindade cita como os portugueses tentaram, em 1615, impedir a festiva e musical "quebra de côco" aos pés de uma mangueira ("com tangeres e muitas bandeiras, armas e sombreiros"); embora no contrato de compra do terreno os portugueses houvessem concordado com a cláusula que previa a conservação da árvore, pareceu-lhes insuportável a festividade da quebra de côco dos hindús (Conquista Espiritual do Oriente, em que se dá relação de algmas cousas mais notáveis que fizeram os Frades Menores da Santa Província de S. Tomé da India Oriental (...) Lisboa, nova edição, 1967, 512).

Com a problemática das festas "pagãs" da India nos templos e nas casas particulares, combatidas pelas autoridades eclesiásticas e governamentias portuguesas mas assimiladas pela população portuguesa como festividades profanas ligadas a festas religiosas relaciona-se o conceito de "pagode". Significativamente, essa palavra dravídico-portuguesa é usada ainda hoje no Brasil no contexto do "côco": vínculos funamentais para toda e qualquer consideração dos "pagodes" e "forrós" brasileiros. Também aqui encontra-se antigo relacionamento com a lenda de São Bartolomeu.

Cumpre agora cuidadosa análise textual e musical do Côco nordestino no seu desenvolvimento histórico específico; material a respeito oferece, entre outras obras, o livro recentemente publicado em edição comemorativa do 90° aniversário de nascimento de Mário de Andrade (Os Cocos; preparação, ilustração e notas de Oneyda Alvarenga, São Paulo/Brasília, 1984).

(...)

 

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