Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 08 (1990: 6)


 

NOVO INTERCÂMBIO CULTURAL ENTRE AS DUAS ANTIGAS PARTES DA ALEMANHA E A PESQUISA DA MÚSICA DE ANGOLA

(Debates do ISMPS motivados pela queda do muro de Berlim)

(Excertos)

Realizou-se, nos dias 11 e 12 de maio de 1990, na cidade de Colonia, em colaboração com o Instituto Português-Brasileiro e o Instituto de Africanística da Universidade de Colonia, o terceiro simpósio da "Deutsche Gesellschaft für die Afrikanischen Staaten Portugiesischer Sprache". O programa, aberto pelo presidente dessa sociedade, Prof.Dr.Dr.h.c. Manfred Kuder, constou principalmente de conferências de especialistas vindos da Alemanha Oriental. No contexto desse simpósio fundou-se o "Círculo de trabalho de língua e literatura nos cinco estados de língua portuguesa". A grande novidade desse evento foi a vinda pela primeira vez, após a abertura de fronteiras, de professores especializados em assuntos angolanos do Leste.

Esse intercâmbio tem aspectos positivos e negativos. É positivo, pois nos países da Europa Ocidental quase não se investigou a cultura dos países africanos de língua portuguesa nos últimos anos. A Alemanha Oriental, ao contrário, esteve em estreito contacto com esses países, dada a afinidade política até agora existente e aos programas de ajuda responsáveis pela vinda de muitos angolanos para a Europa. É negativo, pois com esse intercâmbio prestigia-se e reconhece-se a autoridade de intelectuais vinculados com o sistema totalitário e que muitas vezes em nome dessa política realizaram estudos de campo na África.

Ficou claro, nesse simpósio, que a literatura angolana - que também é de alguma relevância para estudos musicais - é extremamente de cunho político. O proprio Estado apoia a associação de escritores (Ca. 60 membros), responsável pela indicação de outras obras a serem impressas. Muitos dos livros publicados foram divulgados anteriormente em forma de panfletos. Existe porém intenso intercâmbio de livros entre os países de língua portuguesa da África. Se a influência dos livros brasileiros é grande, a de Portugal parece ser diminuta. Luanda e outras cidades dispõem de grandes bibliotecas, mas não de pessoal necessário para mantê-las. Em 1987, organizou-se um concurso para peças teatrais em língua africana com elementos de contos populares. O objetivo primordial das publicações é crítico-educativo, não científico. Salientou-se a importância de canções na moderna literatura angolana, em particular na obra de Domingos Vieira, que apresenta cunho musical pelas relações entre palavra e tons. A natureza exerce um importante papel nos textos.

Folclore Musical de Angola Museu dop DundoDo ponto de vista musicológico, cumpre sempre recordar, em primeiro lugar, no que diz respeito a Angola, um dos maiores projetos de investigação já encetados no mundo de língua portuguesa e que agora já faz parte da história desse ramo específico dos estudos. Trata-se da iniciativa dos Serviços Culturais da Companhia de Diamantes de Angola (Diamang, Dundo, Luna, Angola) e do Museu do Dundo que procurou dar a conhecer em gravações e em publicações a música dos Quiocos e dos outros povos das regiões da Lunda, Alto Zambeze e Alto e Baixo Cuando.

Prova da alta qualidade desse projeto foram as magníficas publicações "Folclore Musical de Angola/Angola Folk-Music (Colecção de fitas magnéticas e discos) I, Lisboa, 1961 e II, Lisboa, 1967). Nesse trabalho colaborou principalmente o chefe da Missão de Recolha do Folclore Musical do Museu do Dundo, Manuel Pinho da Silva. Só a partir de 1953 pôde o Museu do Dundo realizar registros com aparelhagem de gravação. Anteriormente, a recolha era feita por meio de discos virgens de acetato. O fundo documental foi enviado também à sede dos Serviços Culturais da Companhia de Diamantes, em Lisboa (op.cit. pág.18). O escritor José Osório de Oliveira dedicou-se à divulgação do trabalho folclórico-musical do Museu do Dundo no Rio de Janeiro e em São Paulo (pág.15).

Profa.Dr. Maria Augusta Alves Barbosa, Universidade Nova de Lisboa, Universidade Internacional 

Em Portugal, estudou também os cantares do norte de Angola, na área da Companhia dos Diamantes, o Prof. Artur Santos, que foi em tempos meu colega no Conservatório Nacional. Realizou conferências várias sobre música africana e organizou até, em tempos, uma exposição sobre música genuinamente angolana, com excepcionais reproduções fotográficas. Não levou os seus trabalhos até ao fim e hoje, reformado, sei que não pensa sequer em os continuar. (...)

A análise musical dos registros ficou a cargo do Mtro. Hermínio do Nascimento, professor do Conservatório Musical de Lisboa, que resumiu da seguinte forma o objetivo do trabalho:

"(...) uma das principais razões da Diamang em registar e propagar o que ainda está na pureza primitiva, (é para que) não aconteça o mesmo que se está dando noutras regiões em que as orquestras e as canções regionais dos negros vão sendo substituídas pela Rumba, Conga, Samba tipo brasileiro, Baião, Lundum e cantiguinhas lamechas género fado com acompanhamento de violão - o vulgaríssimo violão, também chamado guitarra hispânica, como já tivemos ocasião de ouvir em discos cantados e tocados por nativos africanos, em que esses trechos, africanizados, se apresentam com o rótulo de folclore africano." (pág. 51).

O renomado musicólogo português Artur Santos também dedicou-se ao estudo do folclore musical do país e esteve em estreito contacto com o Museu do Dundo.

Instrumentos Musicais de AngolaEntre as publicações de cunho musicológico posteriores salienta-se o livro de José Redinha, Instrumentos Musicais de Angola: Sua construção e descrição; Notas históricas e etno-sociológicas da música angolana (Coimbra, 1984), terceira publicação do Centro de Estudos Africanos do Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra. O texto desse livro foi escrito em 1972. O autor, já falecido, colaborou com o Museu e Laboratório da Universidade, com a organização da "Semana de Cultura Africana" a partir de 1982 e deixou vários escritos (entre outros "Etnias e Culturas de Angola, de 1975). Ele pretendia ampliar o estudo em questão. A sua publicação foi feita para ilustrar a "Semana de Cultura Africana" de 1984, cujo tema foi "Africa: Instrumentos musicais".

Na introdução desse livro, o autor lembra do seu trabalho no Centro de Informação e Turismo de Angola (relações sobre instrumentos musicais na revista O Turismo Nr.23, 1969) e da Exposição Etnográfica de Instrumentos Musicais e Máscaras dos Povos de Angola organizada pelo Instituto de Investigação Científica de Angola, em 1964. Nessa ocasião, publicou-se um catálogo com uma relação dos objetos expostos (Instituto de Investigação Científica de Angola, Museu de Angola, op.cit.13). O autor descreve a situação da pesquisa musical em Angola: "Relativamente a Angola, pode dizer-se que, conquanto existam já bons arquivos de música gravada, ainda escasseiam os estudos musicológicos" (pág. 27). A principal falha deste estudo de José Redinha deve ser vista na insuficiente consideração das fontes históricas.

Nos últimos anos foram publicados alguns resultados de pesquisas em parte apoiadas pelo Instituto de Investigação Científica. Se o atual estado da pesquisa da música de Angola já não traz o cunho do antigo "Folclore Musical"" como na obra do Museu do Dundo, mostra porém o grande perigo de um uso da ciência para fins ideológicos. Esses trabalhos questionáveis não deverão ser aqui considerados por necessitarem de fundamental revisão crítica. São trabalhos que querem ser representativos de uma visão não-eurocêntrica na pesquisa mas que denotam eles próprios profundas vinculações com correntes intelectuais centro-européias. Repletos de conjecturas metodológicas de cunho etno-histórico, incluem considerações que podem trazer influências obscurantistas de negativos efeitos à pesquisa. Quer-se, por exemplo, a africanização de palavras, escrevendo-se Kapwera no lugar de capoeira, sem uma análise profunda da assimilação de palavras portuguesas em línguas africanas, apesar da existência de vocabulários com traduções já no século XVI. Ou seja, propaga-se um procedimento que foi um dos principais motivos da quase que inacreditável visão falsa que se estabeleceu dos cultos chamados afro-brasileiros.

Igreja Nossa Senhora dos Remedios de Luanda
Luanda: Igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Onde estão os arquivos de igrejas como esta? Angola necessita de um investigador pioneiro que faça um trabalho correspondente ao que realizou Francisco Curt Lange no Brasil.
Schachtzabel Im Hochland von Angola
A literatura de viagens pode oferecer subsídios para o estudo da música de Angola
As relações culturais entre Angola e Brasil são tratadas sem a necessária consideração da documentação histórica e sem o estudo adequado da cultura popular brasileira, da mística cristã e do sincretismo. O que leva a avaliações sem fundamento de certas tradições, como por exemplo dos Congos e Congadas, segundo a teoria referente às "extensões" africanas no Brasil, já criticada durante o simpósio internacional "Christliche Musikkultur und Synkretismus in Brasilien", realizado na Alemanha, em 1989. É de se esperar que as instituições portuguesas e brasileiras que se dedicam à investigação das culturas africanas passem a considerar com maior atenção crítica os trabalho publicados.

O estado da investigação musical referente a Angola e suas relações com Portugal e com o Brasil é, portanto, muitíssimo deficiente. O que mais falta é a atenção da musicologia histórica, a todos os níveis. Não só a documentação referente aos primeiros séculos deveria ser sistematicamente examinada, mas sim também a de épocas mais recentes. Tal exame porém não deveria ser feito com a exclusiva preocupação de encontrar vestígios de instrumentos "autóctones". Quando é que se vai tentar finalmente fazer o levantamente do cultivo da música de séculos de Angola, procurar os manuscritos, restaurar obras e executá-las? Quando é que também se vai considerar a história da música do século XX? Do ponto de vista do estudo das tradições musicais: quando é que se vai estudar detalhadamente os fatos até há poucas décadas existentes de tradições de fundo religioso de um país com 500 anos de história cristã e cristã-novista? Manifestações que foram em muitos pontos semelhantes às do Brasil? Sem dúvida, essa tareva é de difícil execução, pelos estragos ocorridos nas décadas tão conturbadas da história mais recente. Necessita porém ser feita - mesmo para o esclarecimento de certas questões relativas ao Brasil -, e para isso torna-se necessária uma ação conjunta que conte também e principalmente com a participação de inúmeros angolanos que fora do país.

(A.A.B.)

 

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