Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 07 (1990: 5)


 

Dados de interêsse musicológico em relatos de viagens:
O viajante-artista Paul Marcoy no Amazonas (1848-1860)

Canto religioso popular e crítica a pianistas amadoras no Pará

Antonio Alexandre Bispo

(Excerto)

 

Santarém século XIX
Santarém
1) Santarém: "Atenas" no Tapajós

Paul Marcoy relata que Santarém, apesar do reduzido número de casas - ele não contara mais do que uma centena - , possuia uma reputação de cidade elegante e de centro cultural no Baixo Amazonas, um fato que não desejaria contestar. A esse respeito diria até mesmo que as cidades seriam como indivíduos: "um homem pode ser grande de espírito e de caráter, tendo um casaco demasiadamente justo ou roupas curtas, do mesmo modo, uma cidade pode encerrar muitas qualidades públicas e possuir apenas um reduzido número de casas".

 

2) Igarapé-Miri: canto religioso de mestiços, negros e índios

Religiosidade Popular no Para
Cena de religiosidade popular no Pará
Paul Marcoy descreve no seu relato a cidade de Cametá, salientando a sua importância histórica como entreposto comercial no Tocantins e no canal que liga a região com o Igarapé Miri. Aqui, registra entusiasticamente a positiva impressão que obteve da cidade de Santa Ana do Igarapé-Miri, a qual contava, então, com 50 casas e uma igreja bem construída: "Marilhat, Decamps, Delacroix, ô maitres! qu'êtes-vous devenus et que pouvez-vous peindre à cette heure, qui vaille ce pilotis d'Igarapé-Miri, dont le gâchis splendide eût si bien convenu à vos brosses de coloristes!"

Paul Marcoy ilustra o seu relato com um desenho de reza/ou canto ao pé de um cruzeiro, salientando a influência da religião sobre os habitantes. O ponto de maior interesse do seu relato diz respeito porém a um grande edifício onde viviam ca. de 50 escravos negros, dirigidos por um padre sexagenário chamado Filipe. Numa noite de lua cheia, provavelmente às vésperas, o visitante ouviu o canto dos escravos:
"um sino tocou no interior. Logo após, um certo som grave, confuso, lento, monótono, interrompido por pausas, que saía dos poros vibrantes do edifício fizeram-me crer que se tratava de uma prece dita em comum. Uma voz isolada, provavelmente a do mestre, salmodiava uma antífona. Os escravos entoavam a resposta. Nessa solidão, às margens dessas águas calmas, nessa noite tépida e serena, a voz daqueles infelizes se elevava a Deus como que para pedir o seu testemunho do injusto rigor do destino e orar para pedir o encurtamento dessa longa provação".

 Le voix se turent. La prière était dite. Chaque esclave rentra dans son carbet. Un instant après, la petite porte placée en tête du pont s'ouvrit et donna passage à un nègre qui vint s'étendre sur le débarcadère et y fumer sa cachimba. Quand sa provision de tabac fut épuisée, l'homme posa sa pipe près de lui et se mit à chanter à la lune un de ces caplao de la côte de Guinée, dont la mesure est si lente et l'air si navrant. En écoutant ce nègre et regardant cette chapelle dédiée à Jésus, l'apôtre et le martyr des libertés saintes, je ne pus m'empêcher de rapprocher en idée le prêtre simoniaque qui l'avait édifiée et le pauvre esclave du prêtre, qui chantait, vivante ironie, evant le sueil du Crucifié.

P. Marcoy, Voyage de l'Océan Pacifique a l'Océan Atlantique, Le Tour du Monde XVI, 1867,141

 

Culto em casa de caboclos PA
"Sabbat" em casa de tapuias, africanos e mestiços
Terminada a oração, Paul Marcoy viu um negro sair da igreja, estender-se sobre o encoradouro e fumar um cachimbo. Quando o seu tabaco acabou, o homem colocou o cachimbo de lado e principiou a cantar ao luar um "caplao" da Costa da Guiné.

No engenho Juquiri, Paul Marcoy registrou, num sábado, festejos ou cerimônia noturna com música e dança em casa particular. Após o término dos trabalhos do dia, a festa teve início às 18 horas com toques de violão e com cantos. A impressão que o visitante teve de longe foi a de que a música mais parecia "uivos de macacos" do que expressão de alegria humana. Como a reunião "báquica e dançante" tinha lugar no interior da casa, não pôde ver os indivíduos; o pilôto e os homens do barco teciam conjecturas a respeito da possível razão do "sabbat". O pilôto achava que se tratava de uma festa de casamento de Tapuias, os outros que seria uma festa de um santo celebrada à americana, com danças, cantos e aguardente.

 

 Ce jour était un samedi, et, comme le samedi est voisin du dimanche, et qu'en pays chrétien le dimanche est un jour de repos, la cessation des travaux dans cette sucrerie nous fut annoncée dès six heures du soir par un bruit de guitare et des éclats de voix, qui, vers dix heures, ressemblaient aux hurlements des fauves, plutôt qu'á l'expression de la gaieté humaine. Comme la réunion bachique et dansante avait lieu dans l'intérieur des bâtiments, on ne pouvait voir les individus qui la composaient; le pilote et les hommes de l'équipage en étaient réduits à des conjectures sur la causa probable de ce sabbat, que le premier attribuait à une noce de Tapuyas, et les seconds à l'anniversaire d'un Saint qu'on fêtait à l'américaine, aved des danses, des chansons et quelques outros d'eau-de-vie.

P. Marcoy, Voyage de l'Océan Pacifique a l'Océan Atlantique, Le Tour du Monde XVI, 1867, 143

 

3) Pará: Pianistas diletantes em Belém

 (...).Un carillon de cloches sonnant une vesprée arrivait jusqu'à nous. Ce bruit semblait venir de derrière une langue de terre boisée que nous longions en ce moment. Quelques minutes après, la pointe de ce pat était dépasée, et la ville de Santa Maria de Belem do Para, capitale de la province, nous apparaissait avec sa longue ligne de maisons et les clochers de ses églises, d'où s'envolaient comme des voix ailées toutes ces sonneries.

P. Marcoy, Voyge de l'Océan Pacifique a l'Océan Atlantique, Le Tour du Monde XVI, 1867, 243

 

Belem do Para seculo XIX
Vista de Belém do Pará
A única referência musical que Paul Marcoy faz de Belém no seu relato de viagens diz respeito a impressões que ganhou durante um passeio pela cidade:
"(...) um ruído de música veio roçar meus ouvidos. Parei para escutar. Esses sons melódicos, mais ácidos do que um vinho d'Argenteuil, pareciam sair de um aglomerado de árvores à minha direita. Fui àquele lado e descobrí por detrás das laranjeiras uma casa branca e quadrada, com as venezianas pintadas de cinza. Todas as janelas estavam fechadas, à exceção de uma só que, de longe, parecia ser um buraco negro na fachada. Essa abertura parecia ter sido feito para renovar o ar do interior, viciado pelo gás ácido que um piano mal afinado exalava em ondas. Os sons do instrumento, quebrado no grave, tinha, na região aguda, inflexões bruscas, siflantes, metálicas e que produziam no tímpano o efeito de uva verde no paladar. Duas mãos, que pela moleza do toque eu supunha ser de uma mulher, passeavam sobre o teclado e tentavam tirar dele variações sobre a velha ária francesa "Fleuve du Tage, je suis tes bord heureux, etc.". Mas a todas às solicitações da executante o detestável instrumento não respondia a não ser que por soluços e rangidos de latão. Ao escutar esse piano brasileiro, lamentei, do ponto de vista da arte, não ter visto algo similar na Gehena de Dante Alighieri, pois teria ali produzido um efeito dramático e prolongado a lista de suplícios da "perduta gente". Mas os pianos não haviam sido ainda inventados à época em que o Gibelin escreveu a sua trilogia mística".

 Les sons de l'instrument, chevrottants et cassés dans les cordes basses, avaient, dans les cordes hautes, des inflexions brusques, sifflantes, métalliques, qui produisaient sur le tympan l'effet du raisin vert pondait que par des hoquets et des grincements de laiton. En écoutant renacler ce piano brésilien, je regrettai, au point de vue de l'art, de n'en pas voir un tout pareil dans la Géhenne de Dante Alighieri, où son introduction eût produit un effet dramatique, et allongé d'autant sur le palais. Deux mains, qu'à la mollesse du doigté je devinais appartenir à une femme, se promenaient sur son clavier et tentaient de lui arracher des variations sur le vieil air français: Fleuve du Tage, je fuis te bords heurex, etc. Mais, à toutes les sollicitations de l'exécutante, l'affreux instrument ne réla liste des supplices de la perduta gente. Mais les piano n'étaient pas inventés au temps où le Gibelin écrivit sa trilogie mystique. Sans cela, il est problable que les traducteurs du poete eussent trouvé dans son Enfer quelque misérable maestro, de son vivant trop prompt à dénigrer l'oeuvre de ses confrères, et condamné, après sa mort, à jouer éternellement devant eux sur un piano fourbu les morceaux choisis de son répertoire.

P. Marcoy, Voyge de l'Océan Pacifique a l'Océan Atlantique, Le Tour du Monde XVI, 1867, 150

 

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