Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 07 (1990: 5)


 

Dados de interêsse musicológico em relatos de viagens:
O viajante-artista Paul Marcoy no Amazonas (1848-1860)

Demonismo, música e cerimônias indígenas em missões amazônicas: Santa Maria dos Yahua (Yaguas), Perú

Antonio Alexandre Bispo

(Excerto)

 

 (...) une flûte géante, ou mieux un tuyau d'orgue, emprunté à la tige du plus gros bambou qu'on ait pu trouver, ne cesse de mugir sous le souffle pieux de fidèles. Quand un de ces flûtistes est à bout de forces, un autre le remplace. Cette flûte, dont la seule vue, au dire des Yahuas, fait pourrir les yeux du profane qui l'aperçoit, est brulée à la fin du ballet avec les autres accessoires. Pendant la durée de la fête, si ses mugissements arrivent aux oreilles des femmes restées seules au village, elles poussent des hurlements, entre-choquent leurs poteries, frappent à coup de bâton les murs de leurs huttes, afin d'étouffler le son de l'instrument, présage infaillible de grands malheurs.

P. Marcoy, Voyge de l'Océan Pacifique a l'Océan Atlantique, Le Tour du Monde XIV, 1867, 124-125

 

Santa Maria no Rio dos Yaguas
Antiga missão de Santa Maria no Rio dos Yaguas
Paul Marcoy transmite em seu relato notícias a respeito da importância de concepções demonológicas no processo sincretístico desencadeado após primeiros contactos com missionários. O poder do "príncipe do mundo" sobretudo sobre os não batizados e os pecadores é um dos primeiros conceitos apropriados por indígenas quando submetidos ao trabalho missionário.

Já na cidade de Nauta tinha P.Marcoy ouvido que indígenas, que teriam sido disciplinados na igreja local, teriam voltado para a floresta e fundado uma aldeia de nome "Jurupari" ("Yurupary"). Esse nome prende-se a conceitos demonológicos expressos mitologicamente, musicalmente (nome de um instrumento) e cerimonialmente, e passou a ser até mesmo característica de um processo cultural comum a vários povos, sobretudo do Noroeste Amazônico, na região do Uaupés.

A descrição de Paul Marcoy demonstra a fase de reação cultural por parte dos Yaguas, que haviam então, pelo que tudo indica, passado a aceitar o domínio daquele que teria sido o seu príncipe na época que tinham gozado de liberdade e vivido segundo os seus costumes.

Primeiramente, Paul Marcoy visitou o povoamento de San José de Yahuas, em construção por um grupo de Yaguas cristãos que haviam-se separado há pouco de seu povo, agora "relapso". A missão original, situada no interior da floresta, era a de Santa Maria de Yahuas, às margens do rio do mesmo nome, afluente do Putumayo, primeiramente fundada por jesuítas e posteriormente ocupada por franciscanos. Tratava-se agora de uma aldeia de apóstatas, considerados piores do que os "pagãos" e que fizeram questão de executar, em homenagem ao visitante, à noite, a sua "dança nacional", a "dança do Bayenté". O "Bayenté" não seria para P. Marcoy outra coisa que o diabo dos Yahuas.

 Dans ce maillot rustique, étroit et bridant sur le corps, les bras des danseurs, pendant le long des cuisses, étaient comprimés de façon à leur interdire tout mouvement. Les trous du masque leur permettaient de voir, de respirer et en même tempos de jouer d'une flûte, qu'un camarade, leur toilette achevée, leur avait introduite dans la bouche. Cette flûte était un roseau long de trente pouces, pourvu à son extrémité d'une petite calebasse pleine des graines sèches et ornée de plumes d'ara.
Le pas chorégraphique se composait d'une suite de piétinements tantôt lents et cadencés, tantôt vifs et rageurs, qui rappelaient un peu le sapateo espagnol exécuté par des Indiens de la Sierra. Les danseurs se cherchaient, s'évitaient, se cognaient parfois assez étourdiment, accompagnant ces diverses évolutions des piaulements de la flûte qu'ils avaient à la bouche et du bruit des graines sèches s'entre-choquant dans leur étui.
Ce divertissement ne cessa que lorsque la sueur des exécutants eut percé le fourreau d'écorce et que, malgré les trous du masque, l'air parut manquer à leur poupâle courrière des nuits, comme appelle la lune le versificateur Lemierre. Le mystère qui préside à cette fête avait éveillé ma curiosité, et le pas du Bayenté était à peine terminé que je demandais à un des vieillards de la troupe si, en qualité d'étranger, on ne pouvait me donner un échantillon du ballet de l'Arimaney.
Une demande si simple éleva de graves murmures dans l'assemblée. J'avais choqué, sans le savoir, la susceptibilité des Yahuas à l'endroit de la lune, qu'ils adorent comme une divinité (...)

P. Marcoy, Voyage de l'Océan Pacifique a l'Océan Atlantique, Le Tour du Monde XIV, 1867, 124

 

Bayente dos Yahuas
A dança do "Bayenté" dos Yahuas
O viajante descreve como essa dança, ou melhor, esse "passo do Diabo", foi executado por três "corifeus" vestidos com uma espécie de saco de cortiça que descia até aos joelhos do participante, terminando com uma franja de miriti. Nessa vestimenta, os braços do dançarino eram comprimidos de modo a interditar os movimentos. Através dos buracos da máscara, podia ver, respirar e, ao mesmo tempo, tocar uma flauta que um outro indígena introduzia na sua boca após estar vestido. Essa flauta era uma cana de 30 polegadas, provida na sua extremidade de uma pequena cabaça cheia de grãos sêcos e enfeitada com penas de arara. A coreografia consistia em uma série de batidas de pés lentas e cadenciadas, às vezes vivas e que recordavam um pouco o "sapateo" espanhol executado pelos índios de "la Sierra". Os dançarinos procuravam-se, evitavam-se, encontravam-se, acompanhando suas diversas evoluções com os sons de flauta que tinham na boca e com o ruído dos grãos secos que se entrechocavam. Essa dança não terminou até que os seus executantes, ofegantes, já não quase podiam respirar. Eles então se ajoelharam e foram despidos de suas vestimentas por outros indígenas.

Yahuas
Yaguas/Yahuas. Visão romântica dos indígenas na Europa
Paul Marcoy salienta que a "dança do diabo" ou do "Bayenté", tão original que poderia parecer a um etnólogo, nada representaria se comparada com a dança da lua ou de "Arimaney", que teria lugar no meio do ano. Ele teria ouvido a respeito dessa solenidade religiosa dos Yahuas na missão de San José. O mistério que se relacionava com essa festa despertou-lhe a curiosidade e, apenas acabada a dança do diabo, pediu a um dos velhos que lhe dessem um exemplo da dança à lua. Com esse pedido, porém, feriu a susceptibilidade dos Yahuas, pois estes veneravam a lua como uma divindade, quase que como uma amiga a quem contavam as suas alegrias e tristezas.

Essa cerimônia tinha lugar cada ano numa grande maloca edificada só para a ocasião no meio da floresta. Essa casa só servia uma vez e era queimada após a dança, com as flautas e os tambores, ao som dos quais se dançava à lua. Durante essa noite solene, quando bebidas fermentadas excitavam o entusiasmo dos dançarinos e da assistência, composta só por homens, tocava-se uma flauta gigante, ou melhor, um "tubo de órgão", construída com o maior bambú que se encontrasse. Quando um dos executantes perdia a força de sôpro, era substituído por outro. Essa flauta, que sendo vista fazia adoecer os olhos do profano, também era queimada no fim da cerimônia. Se durante a festa os seus sons chegassem aos ouvidos das mulheres deixadas na aldeia, elas fariam barulho, batendo panelas e bastões contra as paredes para abafar o som do instrumento, presságio infalível de infelicidades.

Paul Marcoy salienta o sincretismo, ou melhor, a reinterpretação religiosa entre os Yaguas "apóstatas": a Virgem Maria ("Amamaria") era considerada como sendo a mãe fecunda de todos os astros (sobrevivência de conceitos marianos e de conceitos relacionados com Santa Ana) e irmã gêmea de Jesus Cristo ("Imaycama"); o Satanás era apenas o "mensageiro" do espírito do Mal, o "Bayenté".

 

 La danse du Diable ou du Bayenté, tout originale qu'elle puisse sembler à un ethnologue, n'est rien ou peu de chose comparée à la danse de la Lune ou de l'Arimaney, qui a lieu vers le milieu de l'an. Cette danse yahua, dont les néophytes de San José m'avaient touché quelques mots dans nos causeries, est moins un divertissement qu'une solennité religieuse (...)
Tout ce que je pus savoir de l'Arimaney, (...) c'est que ce mystérieux ballet a lieu chaque année dans une grande hutte édifiée, au milieu des bois, pour la circonstance. Cette hutte ne sert qu'une fois et est brûlée le lendemain du bal, avec les flûtes et les tambours au son duquel les coryphées ont dansé leur pas à la lune.

P. Marcoy, Voyage de l'Océan Pacifique a l'Océan Atlantique, Le Tour du Monde XIV, 1867, 124

 

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