Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 07 (1990: 5)


 

Dados de interêsse musicológico em relatos de viagens:
O viajante-artista Paul Marcoy no Amazonas (1848-1860)

Antonio Alexandre Bispo

(Excertos)

 

Paul Marcoy
Paul Marcoy
É questão indiscutível entre historiógrafos da música dos primeiros séculos do mundo de língua portuguesa da África, Ásia e América do Sul que todas as notícias de relevância histórico-musical encontradas em cartas e relatos de viagens devem ser consideradas com a devida atenção e, naturalmente, com o devido cuidado de interpretação. O mesmo parece não valer para o século XIX, muito mais próximo do presente e muito mais rico em fontes primárias que merecem seguramente maior e prioritária atenção.

Já se sabe, porém, há muito, que obras escritas por europeus em viagens de exploração científica, em missão religiosa ou diplomática, em estadias de trabalho ou mesmo de passeio podem transmitir valiosas informações. Essas notícias permitem também que se avalie a idéia que se criou da música e da vida musical das respectivas regiões assim como da musicalidade de seus povos na Europa ocidental e central.

Alguns autores já foram freqüentemente citados, como Joh. Bapt. von Spix und Carl F. Ph. von Martius (Reise in Brasilien, München, 1823-1831), principalmente pelos exemplos musicais que transmitiram à posteridade. A historiografia geral e a etnografia histórica ainda estão fascinadas com a descoberta das valiosas fontes guardadas em S. Petersburg (Leningrado) e Moscou provenientes da expedição do barão Grigory Ivanovitch Langsdorff (1774-1852), de antiga família alemã e membro da Academia de Ciências da Rússia (1774-1852):

"As viagens exploratórias, geralmente ditadas por instintos colonialistas, por vezes inspiravam-se também no desejo de explorar o exótico e o desconhecido, assumindo até mesmo um autêntico interesse científico." (A expedição científica de G.I. Langsdorff ao Brasil 1821-1829: Catálogo completo do material existente nos arquivos da União Soviética, Brasília, 1981, 11).

Seu amigo, Auguste de Saint-Hilaire, deixou observações de interesse musical já várias vezes levadas em consideração em publicações sobre a história da música de algumas regiões brasileiras. Poder-se-ia citar ainda vários outros trabalhos de viajantes já considerados em estudos dedicados ao século XIX, principalmente de Portugal e do Brasil. Em muito menor escala atentou-se a relatos referentes às antigas colonias portuguesas da África, a Goa e a Macau.

Existe, porém, mesmo com relação ao Brasil e a Portugal, numerosas publicações mais ou menos desconhecidas que trazem notícias de interesse histórico-musical e histórico-etnográfico. O levantamento dessas fontes nem sempre é fácil, pois mesmo bibliotecas européias sofreram com o desprêzo que se dedicou durante muitas décadas a um certo tipo de literatura de viagens de época mais recente. Hoje em dia, porém, pode-se dizer que o levantamento sistemático dessas fontes já se encontra em andamento.

Nem todas as notícias são, naturalmente, de idêntico valor. Muitas observações críticas e irônicas de europeus sobre a qualidade de execução musical podem ser vistas como reações perante culturas musicais percebidas como próximas e, portanto, como indícios de existência de diferenciada realidade sonora de música que apresentava profundas afinidades com a européia.

Itinerario de Paul Marcoy na America do Sul
Itinerário de Paul Marcoy na sua viagem
através da América do Sul
O interesse do observador estrangeiro concentrou-se porém sempre mais na fixação do que lhe parecia exótico. Mais do que dados de interesse especificamente histórico-musical, com indicação de nomes de compositores, executantes e de obras, os relatos dos viajantes oferecem notícias que despertam mais a atenção do cientista da cultura. Algumas dessas obras já serviram a etnólogos empenhados na procura de dados sobre diversas etnias e que quase sempre acabaram criticando a falta de metodologia científica dos registros. Tais relatos não deveriam porém tanto ser encarados como estudos em si históricos, ultrapassados na investigação da cultura de determinados povos, mas antes como documentos que oferecem dados para o estudo da história das respectivas culturas ou de determinada região. A observação etnográfica passa, por assim dizer, a servir à História.

Duas regiões desconhecidas do mundo despertavam particular curiosidade exploratória em meados do século XIX: a região das fontes do Nilo e a região das cabeceiras do Purus. Quanto a este último rio, supunha-se a sua origem no Perú, não longe de Cuzco, e essa suposição nascia da esperança de encontrar-se um meio de comunicação praticável com o Amazonas e com o resto do mundo. Essa questão foi resolvida em 1867, quando o jornal da Sociedade Geográfica de Londres e o principal órgão etnográfico alemão publicaram o relato de viagens de Chandless, um simples particular que, em 1864 e 1865, subiu o Purus e seu afluente Aquiry até perto das fontes.

Nessa época, encontrava-se no prelo o relato das viagens de Paul Marcoy, que entre 1848 e 1860 visitou o Alto e o Baixo Amazonas. Longos extratos de seu relato foram publicados na revista "Le Tour du Monde: Nouveau Journal de Voyages", editada por Édouard Charton, sob o título "Voyage de l'Ocean Pacifique a l'Ocean Atlantique a travers l'Amérique du Sud" (t. VI, p. 81,97,241,257,273; t.VII, p.225, 241,257,273,289; t. VIII, p. 97,113,129; t. IX, p. 129,145,161,177,193,209; t. X., p.129,145,161,177; t. XI, p. 161,177,193,209,225; t.XII, p.161,177,193,209; t.XIV, p.81,97,123,129,145;t.XVI, p.97,113, 130,146).

Paul Marcoy considerava-se artista e deixou transparecer, em vários pontos de seu relato, que procurava ver a natureza, as cidades, os povos e as culturas do Amzonas com olhos de esteta. Procurava, assim, os mais belos representantes indígenas para modêlos de seus desenhos e não ocultava o seu desapontamento pela feiúra de povoamentos e sobretudo a sua indignação pela devastação - já naquele tempo - da fauna e da flora. As gravuras que acompanham o texto de Marcoy foram executadas posteriormente sob sua inspeção e segundo os seus originais por outro artista (M. Riou). Algumas delas são de interesse iconográfico para os estudos musicológicos da Amazônia.

 
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