Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

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N° 06 (1990: 4)


 

O "PELO TELEFONE" NA PESQUISA DA MÚSICA POPULAR
- A VALSA "TELEPHONE" OFERECIDA À VISCONDESSA DE EMBARÉ-

Antonio Alexandre Bispo

 

A discussão a respeito da peça "Pelo Telefone" de Ernesto Santos (sobre este cantor cf. Ary Vasconcelos, Panorama da Música Popular Brasileira 1, São Paulo, 1964, 71-74, com bibliografia) vem há muito preocupando os pesquisadores da música popular no Brasil. Essa peça de sucesso do carnaval de 1917 e gravada na Casa Édison no mesmo ano foi amplamente divulgada na "História da Música Popular Brasileira, 48: Donga e os Primitivos (Pesquisa e texto: José Ramos Tinhorão), São Paulo. Com essa peça relacionou-se uma questão considerada singularmente como de grande relevância (Sérgio Cabral, "Então nasceu o samba", Realidade, São Paulo, 1967). O assunto foi detalhadamente estudado por Henrique Alves (Sua Excia. O Samba, São Paulo, 2a. ed. 1976, pág. 23-31).

Uma das muito discutidas questões diz respeito à autoria da música e letra (primeiro verso) da peça. J.R.Tinhorão considera que estaria relacionada com o fechamento de casas de jôgo no Rio de Janeiro e que teria sido aproveitada, com modificações, anos mais tarde, por Ernesto dos Santos (e Mauro de Almeida). Este teria feito um "arranjo de motivos populares" sob o nome de samba, o que registrou na Biblioteca Nacional. O autor teria sido "um pioneiro esperto ao correr à repartição oficial para ?tirar patente‘". No seu livro "Música Popular: Um tema em debate" (Rio de Janeiro: Saga, 1966), que reune artigos publicados por esse pesquisador de 1961 a 1965, afirma que a "Pelo Telefone" "reunia - como em uma colcha de retalhos - reminiscências de batuques, estribilhos do folclore baiano e sapecados do maxixe carioca" (pág. 12). A autoria foi reinvidicada por outros autores e à gravação de 1917 seguiu-se logo outra: "o novo gênero de música urbana não nascia mais anonimamente, mas entre pessoas que tinham consciência de constituir a sua criação uma coisa registrável. Esse característico - que comprova, desde logo, mais do que a origem não folclórica do samba carioca, a sua própria filiação não de todo popular (...)" (J. Ramos Tinhorão, Pequena História da Música Popular: da Modinha ao Tropicalismo, 5a. ed., São Paulo, 1986, 123 ss.).

Edigar de Alencar, em "Claridade e sombra na música do povo" (Rio de Janeiro, 1984, 104-115) cita uma indicação de Carlos Maul, segundo a qual o estribilho "Olha a rolinha, sinhô, sinhô, se embaraçou", que foi integrada na peça em questão, "era do folclore português e fora lançado no tango-brasileiro "A Rolinha, quadro da revista "O Marrueiro‘, de Catulo da Paixão Cearense, estreada em março de 1916, no Teatro São José." (pág. 105).

Tudo indica, portanto, que do ponto de vista estritamente musical, a discussão dessa peça assumiu dimensões desproporcionais com o seu interesse musicológico. O próprio Luís das Câmara Cascudo chegou a fazer a absurda afirmação no seu já clássico Dicionário do Folclore Brasileiro: "O nome (samba) teve vulgarização lenta e apenas em 1916 apareceu a primeira música impressa em que ele se mencionava, ?Pelo Telefone‘, de Ernesto Sousa, Donga, Rio de Janeiro" (5a. ed., 1984, 690).

Toda e qualquer tentativa de exagerar a importância musical desta peça na história do samba deveria ter sido abandonada pelo menos após o estudo de José Siqueira, Origem do termo samba (Biblioteca Sociologia e Patologia Social 6, São Paulo, 1978, 93ss.). Em 1983, porém, a FUNARTE (INM/Divisão de Música Popular) publicou o livro de Roberto Moura, Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro (110 p.il.), - livro que apesar de seus aspectos altamente questionáveis chegou a ser exageradamente apreciado por determinado comentarista brasileiro atuante nos Estados Unidos -, no qual a polêmica do "Pelo Telefone" é tratada nas págs. 76-82. Neste livro, o autor faz uma declaração introdutória reveladora de uma situação sociológica ou psicológica influenciadora da pesquisa e que parece ser característica da auto-consciência de certo grupo de intelectuais no Brasil e interessados por cultura musical do Brasil no Exterior:
"Sinto que fazemos parte de um movimento maior, não codificado ou institucionalizaado (...)".

Tudo indica, portanto, que a discussão a respeito do significado da peça "Pelo Telefone" não só foi encetada por motivos comerciais ou outros alheios a questões especificamente musicais, como também a sua valorização em várias publicações reflete uma preocupação mais de natureza ideológica e talvez até de fundo sectário-religioso numa simpatia mútua de músicos e pesquisadores ligados a cultos de cunho sincretístico. Se, na investigação musicológica do samba o episódio relacionado com a peça "Pelo Telefone" pode ter apenas um interesse secundário, a desmistificação de um quadro que parece ter sido artificialmente construído exige uma revisão de critérios a ser feita a todos os planos.

Ferreira TelephoneNeste contexto deve-se estudar os possíveis fatores que hajam preparado e que talvez possam explicar o sucesso da peça, já que a alcançada popularidade constitui o único argumento justificativo de uma consideração especial da mesma. Num estudo desse teor, entre inúmeros outros aspectos, dever-se-ia analisar o papel desempenhado - com as possíveis conotações humorísticas e irônicas - pelo telefone na música de entretenimento à época da passagem do século.

"Telephone" é o título de uma peça de salão dedicada a personagem da aristocracia de Santos, a Viscondessa de Embaré. Foi a família do antigo barão de Embaré, vulto de importância ligado à Santa Casa de Misericórdia de Santos, que hospedou o casal imperial durante a sua visita em 1876.

Nessa peça, o executante deve imitar uma conversa telefônica. Sendo comum valsas no contexto carnavalesco da época, pode ser que o "Telephone" tenha sido tocado no carnaval. Seria o autor Ed. Ferreira o mesmo flautista do Rio de Janeiro, Edmundo Otávio Ferreira, membro da Banda do Corpo de Bombeiros e compositor da famosa schottische "Talento e formosura"?

 

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