Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

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N° 05 (1990: 3)


 

VÍNCULOS HISTÓRICO-MUSICAIS DE MALTA COM PORTUGAL
O GRÃO MESTRE MANUEL PINTO DA FONSECA

Antonio Alexandre Bispo

 

Teatru Manoel de MaltaRecorde-se primeiramente que as pequenas ilhas de Malta, Gozo e Comino, situadas ao sul da Sicília, são possuidoras de restos arqueológicos neolíticos que comprovam a existência de uma cultura local anterior à de Creta ou da Grécia continental. Toda reflexão a respeito dos fundamentos culturais da área mediterrânea exige portanto a consideração de Malta. Também o estudo da difusão do Cristianismo no Norte da África e no Sul e Sudoeste da Europa não pode deixar de incluir Malta, já que a ilha foi visitada pelo apóstolo São Paulo (que talvez também tenha atingido a Península Ibérica).

Malta pode ser considerada, além do mais, como um caso exemplar da amálgama de influências culturais que se fizeram sentir também em outras regiões da Europa. Essas ilhas tiveram os seus portos naturais utilizados há séculos por navegantes das mais diversas nações. Foram atingidas por fenícios, cartagineses, romanos, vândalos e ostrogodos, pertenceram a Bizâncio, aos árabes (ca. da metade da população fala hoje um dialeto árabe norte-africano), aos normanos, ao Império dos Hohenstaufen e à casa de Anjou. Desde fins do século XIII, Malta passou ao poderio dos aragoneses, sendo unificada sob a coroa da Sicília. Através de política de casamentos, passou a pertencer a Castela. De decisiva importância para a história de Malta foi a entrega da ilha pelo imperador Carlos V em 1530 aos Cavaleiros da Ordem Joanita que haviam sido expulsos da ilha de Rhodos pelos turcos.

Os Cavaleiros de Malta, que governaram a ilha até 1799, transformaram-na no principal bastião da guerra santa contra os turcos, no "Escudo da Cristandade", combatendo também os elementos de cunho árabe da cultura local. O domínio da Ordem de Malta com o respectivo "ethos" cultural por ela determinado coincide, portanto, com um período de extraordinária importância para os países que tiveram a origem de sua formação histórica na época dos Descobrimentos. As tradições ligadas às lutas de cristãos e mouros e também a devoção tão popular no Brasil de São Benedito (Benedito de S. Philadelpho, Niger ou o Mouro, 1526-1598, padroeiro da cidade de Palermo) são, portanto, direta ou indiretamente relacionadas com Malta.

Sob a Ordem dos Cavaleiros de São João de Jerusalém que, com o seu lema "ajudar a todos os cristãos na necessidade" administrava o maior hospital da Europa, e à qual estavam ligadas as principais famílias da nobreza européia, deu-se o extraordinário florescimento da cultura cristã-barroca até hoje manifesta na arquitetura e nas artes plásticas de La Valletta.

O rei de Portugal contribuiu com vultosa quantia para a construção da cidade. Dada a localização estratégica de Malta e a grande quantidade de escravos moametanos que alí viviam, - o país chegou a vender escravos a Gênova e Veneza -, a ilha caracterizou-se por multiplicidade cultural e o seu barroco por acentuado exotismo.

A Biblioteca Nacional de Malta (National Library) guarda apenas poucos manuscritos musicais dessa época de apogeu da história local. Os elos com a música sacra napolitana são evidentes. Também aqui tem-se, portanto, um desenvolvimento paralelo àquele ocorrido em Portugal, centro importante da "escola napolitana". O principal núcleo da vida musical maltesa foi (e é) o Teatro Manoel, construído pelo Grão-Mestre Manoel de Vilhena (1722-1736), um dos mais antigos e arquitetônicamente mais significativos teatros do século XVIII da Europa e importante centro de cultivo da ópera italiana.

Raffaele VitaleDe particular importância, no caso, foi o longo período de govêrno (1741-1773) do Grão-Mestre português Manuel Pinto de Fonseca, uma fase de grande prosperidade da ilha. Nessa época, o Teatro Manoel esteve sob a direção do mestre de capela napolitano Vincenzo Ansossi, autor da música de uma "festa teatrale per musica" de título "Ulisse in Feacia", cujo libreto é conservado na Biblioteca Nacional de Malta sob o N° 47110. Essa obra, que indica a força da tradição napolitana de oratórios, dramas e comédias de cunho alegórico, cujo principal representante tinha sido Francesco Mancini (1672-1732), foi composta para ser representada em Valleta no dia 18 de janeiro de 1768 por ocasião da solenidade dos 27 anos de grão-mestrado de Fr. D. Manuel Pinto de Fonseca, príncipe de Malta, de Gozo e senhor do domínio de Trípolis. Malta, foi, de acordo com a tradição, a ilha visitada por Ulisses e Gozo "o umbigo do mundo" de Homero, onde a ninfa Calipso prendeu o herói da Odisséia durante sete anos. Segundo a lenda, Ulisses foi o fundador de Lisboa (Ulissipone).

Principalmente pós a capitulação da Ordem dos Joanitas perante as forças de Napoleão a caminho do Egito passou Malta à esfera de influência cultural francesa, o que marcou profundamente a história local da música nas camadas mais altas da sociedade no século XIX. Permanecendo apenas dois anos sob o poder político dos franceses, Malta já pertencia em 1800 aos inglêses, o que foi confirmado por tratado em 1814, tornando-se importante porto da armada, praça de mercado e centro cultural cosmopolita.

Assim como a ópera, a música sacra de Malta do século XIX permaneceu sob a dominante influência italiana, fortalecida por uma densa rêde de contactos pessoais de músicos e cantores malteses com os grandes centros da Itália, em particular com Nápoles. O próprio ensino musical em Malta baseava-se em tratados italianos e os mestres de música assimilavam técnica de composição através de compêndios práticos, tais como, por exemplo, o "Partimento Ristretto" de Raffaele Vitale, que iniciava com a frase "La musica altro non è che un accordo di 3a e 5a."

 

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