Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria
científica
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N° 04 (1990: 2)
Antonio Alexandre Bispo
(Excerto)
Em 1952, a revista Música Sacra (Petrópolis, Ano XVII, N° 11 e
N° 12, Novembro-Dezembro, 231-233) republicava um artigo de Notícias,
Revista da Província Sul Brasileira da Companhia de Jesus (Julho
de 1952) a respeito de um órgão de bambús construído por Fr. Odilon
Jaeger S.J. no Colégio Cristo-Rei em São Leopoldo.
(Foto A.A.Bispo-Acervo ISMPS/IBEM )
Já há muito tempo essa instituição pretendia adquirir um grande órgão alemão, aquisição dificultada por falta de meios financeiros e de transporte. Nessa época, Fr. Odilon Jaeger construiu, experimentalmente, com base em livros especializados, um órgão com tubos de bambús ( 1 registro de 42 tubos, móvel 1,5 m de alto x 0,70 de largo) e materiais improvisados (molas de foles aproveitadas de móveis e de caminhões, tábuas usadas).
A qualidade sonora do instrumento, demonstrada em cinco concertos dados pelo organeiro, incentivou a direção do colégio a substituir o plano original de importação do instrumento pela decisão em financiar a construção de um órgão de tubos de bambús (2 registros de 8 e 4, 6 oitavas, Do1-Do7, chave de oitavas, pedaleiras, pedal de crescendo e trêmolo). O instrumento tem 122 tubos, 98 de bambús ( o bambú maior tem 120 cm x 9 cm, o menor 2,3 cm x 0,9 cm) e 24 de cedro. Os bambús foram fervidos em solução imunizante e embebidos em óleo de linhaça.
De 1952 até o presente, esse órgão tem sido atrativo cultural
da cidade de São Leopoldo (até hoje citado em guias turísticos).
Com o fechamento do colégio (hoje o edifício serve a centro de
encontros) e com as reformas litúrgicas, o órgão passou a ser
raramente usado. Torna-se necessário, portanto, lembrar a todos
os interessados a existência desse instrumento e do significado
de sua construção no contexto internacional do uso de bambús como
tubos de órgão.
O órgão de bambús por excelência é o instrumento da igreja paroquial de São José de Las Piñas, Metro Manila, nas Filipinas. Dos 1031 tubos do instrumento, 902 tubos são feitos de bambús, ou seja, 86%. O instrumento possui um registro de vozes de pássaros ("Pajaritos"), construído segundo modêlo europeu mas de maiores dimensões, possivelmente para imitar o canto de pássaros tropicais.
O órgão foi construído pelo missionário espanhol Diego Cera de la Virgen del Carmen (Graus, Huesca, Aragonia, 26 de julho de 1769 - 24 de junho de 1832). Em fins de 1790, esse missionário abandonou o seu país natal. A 5 de novembro de 1795 foi-lhe confiada a paróquia de Las Piñas pelo bispo de Manila, onde o missionário se salientaria como cientista, arquiteto, técnico e organeiro. Foi ele que construiu o primeiro piano nas Filipinas, instrumento que ofereceu à rainha da Espanha.
Já em 1813, Diego Cera havia construído um órgão para a igreja de Las Piñas e um outro para a igreja San Nicolas em Manila. Este órgão já contava com um registro de bambús. Modêlo para a construção de sua obra magna foi o órgão da pequena aldeia Rode de Isabena, a 20 km de sua cidade natal, construído em 1653.
O grande órgão de bambús de Las Piñas foi construído entre 1816 e 1824, ano em que recebeu os únicos tubos de metais (trompetes espanhóis). O órgão sofreu sob a ação de terremotos, vendavais, desmoronamentos e do desleixo. Após a revolução de 1898, o órgão permaneceu 17 anos abandonado. Embora ter-se feito coleta de donativos para a recuperação do órgão já no início do século, tendo até mesmo um parente do imperador do Japão apoiado a restauração em 1943, uma comissão de inspetoria foi obrigada a atestar, em 1961, que o instrumento não poderia ser mais utilizado.
Em 1966, o organeiro Hans Gerd Klais, de Bonn, inspecionou o instrumento e, de 1973 a 1975, recuperou-o. A restauração do órgão foi realizada em parte no Japão, em parte na Alemanha. Para isso, foram elaboradas análises e criadas condições climáticas semelhantes às das Filipinas. Madeiras que já não existem nas Filipinas foram importadas do Brasil.
A história do órgão, os seus elos com o país basco e o processo de sua restauração foram documentados no filme "Ad majorem Dei Gloriam" (1985), apresentado no Verão Teuto-Filipino do Museu de Etnologia de Munique. A análise do material empregado por Diego Cera indica a técnica utilizada para a preparação dos bambús. Dado o perigo do ataque de insetos - o bambú tem um alto grau de açúcar - o missionário enterrou os tubos por um ano na areia. O sal da água do mar agiu como excelente conservante.
A restauração do instrumento possibilitou a realização dos "Bamboo Organ Festivals of Las Piñas", que contou com o apoio financeiro de entidades alemãs e a colaboração do organista Wolfgang Oehms da Catedral de Trier. Em 1983, o órgão soou conjuntamente com a orquestra de bambús de Victor Toledo.