Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 03 (1990: 1)


 

Literatura

 

REVISTA PORTUGUESA

PROJETO DE RECOLHA DO FOLCLORE MUSICAL COM USO DE APARELHOS DE GRAVAÇÃO EM 1923

Revista PortuguesaEm edição facsimilada patrocinada pelo Instituto Português do Livro, republicou-se, em 1983, em dois volumes, os 23 números da Revista Portuguesa: Literatura, Crítica de Arte, Sport, Teatro, Música, Vida Estrangeira, dirigida por Victor Falcão (1923) (Editora Contexto, Rua Ilha Terceira, 42 D, 1000 Lisboa).

Essa publicação contém vários artigos de interesse musical. Do advogado e músico Ivo Cruz, fundador do "Renascimento Musical", organizador da "Sociedade Coral Duarte Lobo", da Orquestra Filarmônica de Lisboa e antigo diretor do Conservatório Nacional, a publicação traz dois trabalhos: "Balanço da actividade musical portuguesa", N° 1, 10 de março e "Acerca de S. Carlos e da reforma a fazer", cinco partes, N° 2, 17 de março, N° 3, 24 de março, N° 4, 7 de abril, N° 5, 14 de abril e N° 6, 21 de abril.

De Alfredo Pinto (de Sacavém), crítico de arte, musicógrafo interessado particularmente na música russa, a publicação traz o artigo "Portugal sempre esquecido", N° 7, 28 de abril; artigos com sua assinatura trazem também as revistas de número 8 e 9 (conjuntamente com Gastão de Bettencourt) e 10.

Particular destaque merece a entrevista com o Mtro. Francisco de Lacerda publicada no N° 20 de 4 de agosto de 1923. Entre as questões de ordem artística que o preocupavam, na época, estava a da organização do ensino da música e do canto nas escolas do país, a recolha e a fixação, com inteligência e método, do folclore nacional, assim como o inventário e a publicação de obras dos principais compositores portugueses dos séculos XVI, XVII e XVIII.

Sobre o folclore, Francisco de Lacerda diz:

"O Diário dos Açores - um excelente jornal de Ponta Delgada - publicou, em tempo, um resumo do que eu penso a tal respeito. Olhe, o Essai d‘une bibliographie de la chanson populaire en Europe de P. Aubry (1906), cita apenas uma publicação portugueza, com a menção de mediocre... Ora, seu eu consegui, lá fóra, augmentar o numero das citações, não pude, infelizmente, modificar a severidade da classificação... Foi nomeada uma comissão para estudar o plano e realizar a colheita do folklore poético e musical no nosso paiz. Aguardo, com a maior confiança, os seus estudos e trabalhos. Essa comissão, a que indignamente pertenço é, pela competencia de algumas das illustres personalidades que a compõem, uma segura garantia da seriedade e do valor dos trabalhos que d‘ella se esperam."

E como pensava Francisco de Lacerda recolher a parte musical, "a mais difícil, a mais subtil, do folklore"? "A comissão decidirá... Todavia, julgo que todos estarão de accordo em que o phonographo pode ser, hoje, para esse fim, um excellente e infalível auxiliar." (págs. 639-640)

Já existia, portanto, no início da década de vinte, um projeto de coleta sistemática e de registro mecânico do patrimônio folclórico-musical português. Francisco de Lacerda estava, com a sua convicção da necessidade do uso do fonógrafo, à altura dos mais clarividentes pesquisadores europeus do seu tempo. Nessa época, Wilhelm Heinitz já havia publicado, por exemplo, a sua "Transkription zweier Lieder aus Nil-Nubien" (Zeitschrift für Musikwissenschaft 2, 1919/20, 733ss.

(A.A.B.)


 

CURITIBA: APRECIADA A OBRA DA MUSICISTA E MUSICOTERAPEUTA ALCINA TACLA SABBAG (1914-1988)

O jornal "Indústria & Comércio" da capital paranaense publicou, nas suas edições de 2 a 4, de 9 a 11 e de 16 a 18 de dezembro de 1989, extenso artigo em três partes assinado por Marisa Ferraro Sampaio a respeito da compositora e pianista Alcina Tacla Sabbag.

A autora considera a redescoberta de A. Tacla Sabbag com base em entrevistas realizadas em 1981 como um dos fatos de importância na pesquisa da música no Paraná dos últimos anos. A reportagem é sobretudo de interesse para a valorização da atuação musical de descendentes de imigrantes do mundo árabe no Brasil.

O nome de Alcina Tacla Sabbag é conhecido e conceituado nos meios sociais e filantrópicos de Curitiba (Leonor Castellano, "Alcina- o anjo bom", Centro Paranaense Feminino de Cultura VI). Nascida em Curitiba a 10 de janeiro de 1914, iniciou o seu aprendizado de piano somente aos 15 anos, dedicando-se à música popular e de salão sob a influência de Eugênio do Rosário e do pianista russo Eduardo Majewski. Entre as peças de A. Tacla Sabbag dessa época citam-se "Páscoa", para piano (1931), e "Caridade", arranjo para canto e piano de música de Al-Karawi (São Paulo, 1931), editado em comemoração do décimo aniversário da Sociedade Beneficiente das Moças Sírias de São Paulo.

Formação técnica e artística mais sólida recebeu de Rosa Lubrano, Antonio Melillo, João Poeck e Renée Devrainne. A partir de 1940 passou a receber orientação de Fritz Jank, considerando, porém, o período de estudos com Camargo Guarnieri (1944-1946) como o mais frutífero de todo o seu aprendizado. Utilizando material folclórico, escreveu, em 1944, para coro a capella, "Toada paranaense" e "Cabocla bonita", esta apresentada pelo Coral da Escola Graduada de São Paulo sob a regência de Camargo Guarnieri (20 de novembro de 1944). Em 1945, escreveu "Variações sobre o tema Mariá" do folclore pernambucano, para três vozes mistas, "Duas quadras" para canto e piano, com texto do livro "Ao som da viola, de Gustavo Barroso, "Três quadras" (texto de Francisco Mattos), para canto e piano, "Valsa" para piano, e "Estudo n°1/Estudo n° 2" para violino e piano.

Obras suas, como "Itamaraty", para piano (1946) e "16 Variações sobre um tema brasileiro" (1946, 1° lugar no Concurso Paranaense de Compositores Musicais (1957) chegaram a receber observações elogiosas de Andrade Muricy. A 26 de outubro de 1947, uma adaptação do seu "Bailado do café" (fantasia para dança, coro e piano) foi levada no Teatro Municipal de São Paulo. Das suas mais recentes composições destaca-se "Trova", para canto e piano (texto da poetisa paranaense Argentina de Mello Silva, 1975), também em versão para flauta e piano (1981).

Alcina Tacla Sabbag atuou também como conferencista, incluindo improvisações sobre temas sugeridos pelo público nas ilustrações musicais. A reportagem cita, entre outras, palestras proferidas no dia 24 de abril de 1947 na Sociedade Centro Rio Branco dos Rotarianos de São Paulo e no Instituto de Música do Paraná "Raul Menssing", em abril de 1961.

Alcina Tacla Sabbag dedicou-se desde 1944 a pesquisas do relacionamento entre a cor e o som, assim como dos seus efeitos na terapia dos deficientes visuais e auditivos, divulgando os resultados de suas pesquisas em conferências e em artigos na revista de "Musicoterapia" da Associação de Musicoterapia do Paraná.

O seu trabalho seguiu o seguinte esquema:
1) Gráficos de intervalos, vibrações, cores intrusas e decisivas, aplicados ao estudo da teoria musical;
2) Sons e cores sobrepostos: timbre, harmonia das cores;
3) Altura dos sons;
4) Posição das cores na música;
5) Combinação das ondas;
6) Aceitação ou repulsão, incompatibilidade;
7) Formas e projeções de cores e sons através das raízes folclóricas.

Suas indicações foram seguidas em diversas clínicas, entre outras, no Hospital Psiquiátrico Nossa Senhora da Luz (Curitiba). Não sem interesse foi a preocupação de A. Tacla Sabbag em combinar as suas reflexões sobre cor e som com o folclore musical. Assim, sugeria a utilização na terapia de acalantos e rondas infantís relacionados com a vivência do paciente.

(A.A.B.)


 

UBATUBA NOS CANTOS DAS PRAIAS (ESTUDOS DO CAIÇARA PAULISTA E DE SUA PRODUÇÃO MUSICAL, DE KILZA SETTI

Kilza Setti. Ubatuba nos cantos das praias (Estudos do caiçara paulista e de sua produção musical). Prefácio de Ruy Galvão de Andrada Coelho. São Paulo: Atica, 1985, 293 pp., bibliografia, discografia, ilustrações, 10 gráficos, lista dos sinais utilizados nos documentos musicais, exemplos.

Conteúdo:
Considerações iniciais
Introdução: 1. O litoral norte de São Paulo e a cidade de Ubatuba; 2. "Areia", "sertão", "bairro". Isolamento e comunicação
Primeira parte, O Homem e sua cultura
Cap. I - O caiçara de Ubatuba: representação e auto-representação
Cap. II - A visão do mundo do caiçara. O espaço e o tempo. Padrões e referenciais
Cap. III - "Urbanização" do caiçara. Problemas de subsistência. Ocupação da terra
Cap. IV - "Cultura caiçara"? Os jovens e a tradição. Festas
Segunda parte, A música
Cap. I - Núcleos de produção musical
Cap. II - O músico face aos diferentes níveis associativos. Modos de avaliação entre os músicos
Cap. III - A mulher e a prática musical
Cap. IV - Músico e liderança. Músico-artesão. Violência e prática musical
Cap. V - O repertório caiçara. Contribuições para uma caracterização do seu "estilo". Gêneros e formas musicais
Cap. VI - Conservação e renovação do repertório tradicional. Processos de composição
Cap. VII - Terminologia musical caiçara. A linguagem e os procedimentos instrumentais
Cap. VIII - O violino caiçara. Viola. Percussão
Cap. IX - Música vocal e música instrumental
Terceira parte, Música e religião
Cap. I - O catolicismo
Cap. II - Hierarquia dentro do sagrado
Cap. III - Religião: fantasia necessária
Cap. IV - O poder da oração. Orações cantadas
Cap. V - Folião: músico e agente de fé
Cap. VI - Santos de maior prestígio e a produção musical
Cap. VII - O protestantismo
Cap. VIII - Resultados da ruptura com o catolicismo
Cap. IX - Produção e destruição da música caiçara
Considerações finais. Música: prática profissional para o caiçara?

Com esse livro, a autora publica a sua tese de doutoramento em Antropologia Social apresentada em 1982 ao Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Segundo as suas próprias palavras, realizou esse estudo entre as populações litorâneas de Ubatuba "com o objetivo de retomar anteriores investigações efetuadas no início dos anos sessenta no litoral norte do Estado de São Paulo (pág. XV) (cf. Rossini Tavares de Lima e outros, O Folclore do Litoral Norte de São Paulo, Rio de Janeiro: MEC-SEAC-FUNARTE/Instituto Nacional de Folclore; São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura e Universidade de Taubaté, 1981, 13).

A autora deixa claro que pretende "um trabalho mais voltgado para a Antropologia da Música do que para a Etnomusicologia (ou musicologia comparada)" (pág. XVIII). Com grande modéstia, não considera o seu trabalho inovador, mas antes um "exercício de percepção ou mesmo de sensibilização da realidade estudaada, concentrando-se principalmente na observação do estilo de vida do caiçara enquanto ligado às esferas musicais" (pág. XIX).

Na apreciação do material recolhido, foi necessário "manter-se um constante elo de aproximação com a música portuguesa de tradição oral" (pág. XXII). Considera também oportuno "remeter ao musico andarilho da Idade Média grande parte desta reflexão sobre o músico caiçara atual. Esta idéia surgiu em virtude de se ter encontrado muita semelhança entre a visão que a sociedade teve do músico medieval e a que tem do músico de hoje. Daí a hipótese de aproximação das categorias "jogral" e "trovador" com as categoriaas "cantador" e "versista" do litoral paulista de hoje" (pág. XXII). Essas observações faz com profundo conhecimento de causa, pois, já dispondo de formação musical adquirida no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (1953), estagiou, sob a orientação do renomado pesquisador Michel Giagometti e do musicólogo e compositor Fernando Lopes Graça, nos Arquivos Sonoros Portugueses.

Kilza Setti de Castro Lima, sócia fundadora da Associação Brasileira de Folclore, já prestou inestimáveis serviços ao estudo, à pesquisa e ao ensino do folclore como professora de escolas superiores e como membro da Comissão Paulista de Folclore, sendo uma das personalidades mais conceituadas da pesquisa especializada da cultura musical do Brasil. Com a presente obra, que pode ser considerada como um marco de especial importância no desenvolvimento dos estudos musicológicos brasileiros, presta a autora mais uma significativa contribuição à área a que se dedica.

(A.A.B.)

 

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