Timbre Correspondencia Euro-Brasileira

Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica
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N° 03 (1990: 1)


 

Canto Gregoriano Igreja Nossa Sra. do Libano SP
Programa do Coral Gregoriano de São Paulo no Festival de Outono, Centro de Pesquisas em Musicologia Nova Difusão, 1970

1990: Debates e polêmicas . Questões da atualidade

 

Semiologia Gregoriana no contexto histórico-musicológico do mundo de língua portuguesa

20 anos de fundação do Coral Gregoriano de São Paulo do Centro de Pesquisas em Musicologia da Sociedade Nova Difusão Musical

 

Antonio Alexandre Bispo

 

Dom E. Cardine. Primeiro Ano de Canto GregorianoEntre as mais significativas publicações de cunho musicológico em português do ano de 1989 inclui-se, indubitavelmente, a tradução da obra Première Année de Chant Grégorien e Sémiologie Grégorienne de Dom Eugène Cardine O.S.B. por Eleanor Florence Dewey (Ir. Maria do Redentor, C.S.A.). O livro foi lançado em exemplar edição da Associação Palas Athena do Brasil e Attar Editorial.

Se uma apresentação do renomado gregorianista da Abadia de Solesmes e professor do Istituto Pontificio di Musica Sacra de Roma é desnecessária para todos aqueles interessados no estudo do Canto Gregoriano, o mesmo poderia ser dito a respeito da tradutora, (...) já internacionalmente conhecida pelo seu incansável trabalho pela causa a que se dedica.

No Brasil, Eleanor Florence Dewey já conquistou posição de incontestável realce na história da música sacra do século XX. Em breves palavras, Teresinha Saraiva Schnorrenberg, personalidade que também vem há anos participando com interesse e particular dedicação dos esforços em pról do desenvolvimento dos estudos musicológicos em São Paulo, lembra da formação da eminente gregorianista no Instituto Pio X no Rio de Janeiro (1957-1960), no Istituto Pontificio di Musica Sacra em Roma (término em 1976) e, acima de tudo, de sua longa e profícua convivência como discípular, admiradora e confidente amiga espiritual com o autor da obra que tanto ajuda a difundir. Lembra também da atuação de Eleanor Florence Dewey como professora convidada por Roberto Schnorrenberg, diretor dos Cursos e Festivais Internacionais do Paraná e posteriormente primeiro presidente da Sociedade Brasileira de Musicologia, para ministrar cursos de Canto Gregoriano em Curitiba nos anos de 1968, 1969, 1970, 1975 e 1976.

Eleanor Florence DeweyEleanor Florence Dewey participou, como convidada da associação pontifícia de música sacra, do grupo representante do Brasil no VII Congresso Internacional de Música Sacra em Bonn, Maria Laach e Colonia, em 1980, e do VIII Congresso Internacional de Música Sacra em Roma, em 1985. Artigos seus foram publicados em obras impressas na Alemanha e no Vaticano (por ex. "Cantate Domino Canticum Novum" , Musices Aptatio 1983, 95-101). Convidada para retornar ao Brasil após a sua ida "definitiva" para a Inglaterra, graças a medidas tomadas pelo ISMPS, fundou o Coral Gregoriano no âmbito das atividades da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo - empreendimento único no gênero e acompanhado com atenção na Europa - e colaborou de forma essencial com os organizadores do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira" (1981).

Como membro da Sociedade Brasileira de Musicologia, Eleanor Florence Dewey vem batalhando incansavelmente desde a fundação da entidade para o bom sucesso dos trabalhos administrativos e prestou inestimável colaboração na organização do I° Congresso Brasileiro de Musicologia (1987). Na última sessão desse evento, entregou-se, mais uma vez, em longa e entusiástica preleção, à difusão e à defesa dos resultados das investigações de D. Eugène Cardine. Com os membros do Coral S. Pio X, que fundou e orienta, Eleanor Florence Dewey vem formando um grupo de cultores e estudiosos do Canto Gregoriano no Brasil. A própria tradução agora publicada desenvolveu-se com a ajuda de discípulos seus a partir de uma versão feita por Egle Conforto para um curso de "Semiologia Gregoriana" proferido em 1976/77.

No prefácio à presente edição brasileira das obras do grande gregorianista, a tradutora expõe clara e concisamente o papel primordial do Canto Gregoriano, sempre reconhecido pelos documentos conciliares e tão pouco observado na prática litúrgico-musical da atualidade. Justifica a edição pela quase total ausência de publicações em português sobre Canto Gregoriano e pela sua utilidade não só para aqueles que queiram dela fazer uso para fins litúrgicos como também para todos os estudiosos que reconheçam o valor histórico e artístico do Gregoriano. Toca, portanto, no problema fundamental de quase todos os campos da Musicologia Aplicada, nomeadamente na questão do relacionamento dos resultados de pesquisas musicológicas para a interpretação.

Essa questão é de extraordinária importância tanto para a Musicologia, cujos esforços também devem ser legitimados pela contribuição que presta à vida musical, como para a disciplina "prática de execução musical", sempre preocupada em superar condicionamentos herdados do passado musical mais recente.

A discussão dos problemas relacionados com essa "prática de execução musical" (o termo alemão "Aufführungspraxis" já é usado internacionalmente em publicações musicológicas) e com a interpretação musical com base histórico-científica marcou profundamente o desenvolvimento da Musicologia desde fins do século passado. A literatura especializada está repleta de estudos e reflexões sobre movimentos de redescoberta do passado incentivados pelo interesse musicológico (por ex. "fases" de redescobrimento de Bach, Schütz, Händel) e sobre questões levantadas, por sua vez, pela prática instrumental e vocal.

Também a legislação eclesiástico-musical suscitou movimentos restaurativos que exigiram aprofundamento histórico e reflexões estéticas. Assim, a prática de execução da assim chamada "Polifonia Vocal Clássica" foi alvo de numerosos estudos publicados em revistas especializadas de Musicologia e de Música Sacra até que se chegou à conclusão que o problema estava mal colocado.

O desenvolvimento das discussões concernentes à musicologia de orientação histórica demonstrou que a diversidade de questões e a multiplicidade dos fatores a serem considerados exigem que se mantenha a consciência da relatividade inerente às conquistas científicas relacionadas com a redescoberta da música de épocas passadas na sua realidade sonora propriamente dita. Somente a necessária atenção às diferentes questões podem garantir uma atitude capaz de impedir a crítica áspera a interpretações baseadas em diferentes critérios, salvaguardando, assim, a liberdade essencial às manifestações da cultura musical viva. Todo equívoco nesse campo leva à compreensão dos resultados de investigações histórico-musicais como sendo conquistas de caráter sistemático, em atitude já não mais histórico-científica, mas sim de natureza estética ou filosófica.

Foram as tentativas de realização sonora dos resultados de detalhadas investigações - o que já levou a interpretações nem sempre bem sucedidas - que deram origem à atual atitude crítica de determinados musicólogos e medievalistas europeus perante certas tendências absolutistas em círculos de aficcionados. Numa discussão semelhante àquela desencadeada pela convicção de certos grupos de "música antiga" a respeito da possibilidade de uma recuperação quese que definitiva e autêntica da prática de execução musical de épocas passadas através da consideração de resultados de investigações histórico-musicias, coloca-se o problema da permanência de atitudes historicistas próprias do século XIX em tendências consideradas modernas da atualidade.

Trata-se, portanto, de questão pertinente à Metodologia da História como ciência, que não pode ser transformada, do ponto de vista histórico-musicológico, exclusivamente em análise sistemática destinada a descobrir elementos relevantes para a execução prática "autêntica" .

Essa atitude historicista, que levou, no século XIX e início do século XX, no próprio campo da música sacra, à ruptura da continuidade histórica e à perda de inestimáveis tradições seculares de execução e "dialetos de canto" transmitidos de forma não-escrita em nome de um retorno às origens e de uma regeneração com bases científicas pode destruir muito mais do que artificialmente constrói.

Essas questões foram levantadas durante o simpósio realizado com participantes brasileiros na Europa em 1989, quando puderam observar o cultivo da tradição particular de canto da cidade de Kiedrich. Inúmeros estudos já foram dedicados a questões semelhantes relacionadas com a prática do canto litúrgico em diversos países do mundo, como, por exemplo, do canto glagolítico na Jugoslávia. Entre os grandes investigadores da prática do canto e de acompanhamento do Gregoriano nos séculos XVIII e XIX destacou-se o musicólogo Karl Gustav Fellerer (1902-1984), um dos incentivadores da fundação da Sociedade Brasileira de Musicologia (por exemplo: "Zur Choralpflege und Chorallehre im 17./18. Jahrhundert, Kirchenmusikalisches Jahrbuch 56, 1952, 51-72 e "Der semifigurato-Vortrag der Hymnen und Sequenzen im 18. Jahrhundert" , Studieer Tillägnade C. A. Moberg, Stockholm, 1961, 135-143).

O trabalho altamente especializado desenvolvido no Brasil por Eleanor Florence Dewey somente pode ter a sua profundidade avaliada apropriadamente se considerado em termos das mais recentes investigações específicas e pertinentes reflexões de natureza teórico-científica e estética nos mais importantes centros internacionais de estudo do assunto. Nesse sentido, Eleanor Florence Dewey traz o Brasil, neste campo específico da Musicologia, à altura dos mais desenvolvidos países europeus. Aqui cumpre, portanto, fortalecer os laços daqueles que orienta com os mais destacados especialistas do assunto, o que poderia ser feito através de encontros e simpósios.

Questões referentes à paleografia e à relevância interpretativa das investigações somente poderão ser discutidas, no Brasil e, em geral, no mundo de expressão portuguesa, em círculo relativamente restrito de especialistas. Por isso, o interesse pelo Gregoriano não pode restringir-se a essas questões especializadas de interpretação. A realidade da prática de execução musical do canto nas igrejas do Brasil exige que se considere outros aspectos e argumentos para que se possa ao menos salvaguardar um mínimo do cultivo desse inestimável patrimônio sonoro. Quem presenciou, por exemplo, o canto gregoriano do Mosteiro de São Bento de Olinda, que deveria ser um dos modelares centro sacro-musicais do país, no primeiro dia do corrente ano, ficou consciente do lamentável nível musical e da falta absoluta de critérios demonstrada no uso de traduções deficientes e de mistura de gregoriano com peças de extrema banalidade.

Cumpre, portanto, trazer à memória certos aspectos da reflexão relacionada com o Canto Gregoriano que possam ser de interesse sob uma perspectiva menos especializada em questões de detalhes. Esses aspectos podem demonstrar os estreitos vínculos desse campo de investigação com a história da música do Brasil, justificar o trabalho dos pesquisadores e tornar a discussão especializada produtiva para todos aqueles interessados em questões relacionadas com a cultura musical em geral e com a atualidade da prática musical. Com os aspectos levantados no presente contexto, espera-se que este órgão possa incentivar a discussão da temática.

Cantochão soou na primeira missa celebrada no Congo em fins do século XV e na primeira missa celebrada no Brasil em 1500. Principalmente no Reino do Congo usou-se do Canto Gregoriano como meio catequético-pedagógico na formação cristã das crianças nativas. Sobretudo os frades franciscanos foram os principais agentes de difusão do Canto Gregoriano no trabalho missionário no início do século XVI. Os franciscanos foram também portadores de tradições próprias de canto litúrgico, não só quanto a formas como também com relação à prática de execução musical. Em 1514/15, seguindo instruções dadas por D. Manuel, intensificou-se o canto de coro "em estilo romano" na África e no Oriente. A procura de livros de cantochão no mundo extra-europeu tornou-se tão grande que chegou a causar a sua falta em Lisboa.

Esse canto, levado pelos portugueses para as mais diversas regiões do mundo e que se tornou um dos fundamentos de uma nova cultura musical em desenvolvimento, não era o canto do século XI, mas sim aquele do século XV e XVI da fase pré-tridentina, caracterizado por uma profusão de seqüências e laudas e que tinha provavelmente um cunho peculiar da prática portuguesa. Considerá-lo "decadente" e "degenerado" é não apenas difamar a Idade Média portuguesa, cada vez mais estudada do ponto de vista histórico-musical, como também desvalorizar preconceituosamente as bases da cultura musical que se desenvolveria no mundo extra-europeu. Pois foi com base nesse canto que logo se formaram - em autêntico processo de "inculturação" hoje tão propagado pela Igreja - formas particulares de canto litúrgico, quer espontaneamente quer de forma dirigida. Assim, já existia na década de trinta do século XVI, para a surprêsa dos europeus recém-chegados na Índia, um "entoado" particular de Goa.

Especialmente os jesuítas dedicaram-se à adaptação do Canto Gregoriano no âmbito do trabalho missionário no Oriente e no Ocidente, especialmente no Brasil. Em 1550, um cantor popular do Ceilão já se distinguia pelo seu canto religioso na língua do país e que rapidamente se difundiu no sul da Índia. Também no Japão cultivou-se o Canto Gregoriano no século XVI. Séculos após a expulsão dos missionários e proibição do Cristianismo no Japão ainda permaneciam vivas certas melodias tradicionais com cunho gregoriano entre os cripto-cristãos.

Esses poucos exemplos de um processo histórico - já estudado em linhas gerais - bastam para mostrar a necessidade de um tratamento do Canto Gregoriano a partir de perspectiva adequada às regiões que tiveram contacto com a cultura musical cristã muito depois do período considerado "áureo" do Gregoriano.

A questão de "como" interpretar o Canto Gregoriano necessita portanto levar em consideração questões de natureza musicológica próprias de países não-europeus e mesmo daqueles de regiões da Europa ainda pouco consideradas em uma disciplina científica que tem sido tão impregnada pela tradição francesa e alemã de pensar. Essa questão já foi alvo de reflexões etnomusicológicas durante o VII Congresso Internacional de Música Sacra de 1980 e em eventos que a eles se seguiram.

Aqui não se trata, evidentemente, de entregar o Canto Gregoriano às aspirações de cunho nacionalista. Inúmeras foram as tentativas feitas na França e na Alemanha, nas décadas de 30 e 40, em provar a natureza francesa ou alemã do Canto Gregoriano. Estudos de renomados especialistas, influenciados pelo espírito da época, trataram por exemplo de um suposto Gregoriano alemão. Até mesmo uma importante abadia beneditina pôde apenas resistir ao perigo nazista fazendo uso do ridículo argumento da natureza "ariana" do Canto Gregoriano.

Mário de Andrade, em um de seus mais questionáveis estudos ("Crítica do Gregoriano" , 1926), afirmou que "quando a música artística quiser se desenvolver no sentido da expressão sentimental, é nas fontes populares que irá buscar elementos e exemplo. O gregoriano não lhe poderá servir de fonte" (Música, Doce Música, Obras Completas de Mário de Andrade VII, São Paulo, 1963, 38). Inúmeros são os estudos, porém, dedicados ao relacionamento entre Canto Gregoriano e música folclórica, assim como aos traços gregorianos encontrados em cantos populares. Um dos mais renomados investigadores nesse campo é Benjamin Rajeczky (por exemplo: "Parallels of late-gregorian ornaments in hungarian folk songs" , Studia Memoriae Belae Bartók Sacra, Budapest, 1959, 3a. ed., 331-358). O próprio presidente da Sociedade Brasileira de Musicologia, Prof. Dr. José Geraldo de Souza, dedicou um de seus já clássicos trabalhos ao estudo da contribuição rítmico-modal do Canto Gregoriano para a música folclórica no Brasil.

O Canto Gregoriano deve, portanto, ser alvo de investigações musicológicas que levem em consideração, de maneira imparcial, os mais diversos aspectos na longa história de séculos de canto litúrgico e na sua quase que mundial difusão. Os problemas que se colocam com relação ao canto considerado como litúrgico por excelência são, porém, muito mais difíceis e delicados do que aqueles relativos à música figurada, pois o Canto Gregoriano - pela sua união intrínseca com a palavra e o ato de culto - não pode ser considerado como plenamente sujeito à temporalidade. A discussão teológica, musicológica e estética dos problemas de interpretação do Canto Gregoriano no mundo extra-europeu permanece, portanto, em aberto e deve ser conduzida com extremo cuidado.

Essa discussão é conhecida pela tradutora e profunda conhecedora da obra semiológica recentemente editada, que também sempre demonstrou o maior interesse e respeito por tradições musicais e algumas formas populares de "cantochão" sobreviventes no Brasil. Por isso, a frase de D. E. Cardine citada na "Nota Biográfica" redigida por Fr. Louis Soltner O.S.B., e incluída nessa publicação, assume particular importância: "o conhecimento da semiologia não leva, ipso facto, a uma boa execução: ela deve ser vivificada por uma interpretação que leve em conta a linha da frase e que tenha flexibilidade" (pág. 14).

É justamente no campo da interpretação que se espera da grande gregorianista, após a publicação desse consciencioso trabalho de tradução, uma contribuição definitiva aos estudos de cunho musicológico relativos à prática de execução musical. Com o seu conhecimento de detalhes paleográficos, com a estética "francesa" de realização sonora profundamente assimilada na tradição de Solesmes - e que se manifesta ainda claramente na sua interpretação gregoriana -, com o seu contacto de anos com a cultura musical do Brasil, poderá Eleanor Florence Dewey não apenas vir a ser o elo de ligação entre os grupos que procuram manter a continuidade da tradição viva do Canto Gregoriano e aqueles que procuram a recuperação de uma perdida "autenticidade" , como também aquela especialista capaz de oferecer um exemplo que possibilite solucionar a questão interpretativa em países não-europeus. Poderá, portanto, ajudar a superar os mal-entendidos que levam a um tratamento injusto de especialistas e a uma insuportável situação conflitante no meio especializado. Todo e qualquer corte artificial e intolerante de continuidade na área deveria ser evitado.

(....)

Nessa necessária discussão, a própria palavra "Semiologia" , que implica em determinadas teorizações estéticas, não pode ser aceita sem aprofundadas reflexões. Assim, em estudo sobre os conceitos de significado, estrutura e "contra-figura" como uma contribuição à teoria do "querer dizer" musical ("Bedeutung, Struktur, Gegenfigur: Zur Theorie des musikalischen Meinens" , International Review of the Aesthetics and Sociology of Music, Institut of Musicology, Zagreb, II/2, 1971, 213-228), Tibor Kneif trata de uma revisão do conceito de sinal: Pode-se apenas falar de "sinais" no sentido propriamente semiótico apenas quando esses possuem caráter representativo para a unidade de significado e significante, ou seja, quando representam algo que, na verdade, não são. Sinais desse cunho só existem na música no que diz respeito ao plano da significação; o uso exclusivamente operacional do conceito de sinal apresenta traços tautológicos.Todos os elementos sonoros que constituem estruturas e contra-figuras não são sinais, pois somente representam-se a si próprios. Eles não são nem sinais em geral, nem símbolos em especial, mas simplesmente substâncias ou elementos de um contexto da obra. Eles pertencem ao plano do mundo, não ao da fala. Assim, os elementos sonoros, empregados na música, não podem ser vistos dentro de um sistema fechado de sinais. O plano de sinais na música é casual, ocasional e tem caráter de torso. A obra musical é, em parte, sinal, enquanto quer significar algo; é, em parte, destituída de caráter de símbolo ou sinal, enquanto for organizada em vista de estruturas regulares, ou na intenção de mostrar semelhança ou oposição a outras obras: em geral, ela é um mixtum compositum, com traços de língua e traços de um mundo de objetos pré-linguísticos. Com outras palavras: quando portadora de significado, a música pode ser considerada em termos de sinais; como estrutura e figuração oposta ela é um artesanato de natureza concreta" (op. cit., pág.225).

Sob este aspecto, seria do maior interesse se a grande gregorianista brasileira pudesse contar com o apoio de empresas e entidades que possibilitassem uma viagem para o grupo coral por ela dirigido, com fins de demonstração, para o meio especializado europeu, de sua capacidade de realização sonora e de consideração criteriosa dos resultados da investigação musicológica. Parece que ainda não se tomou plenamente consciência, no Brasil, que no país vive e trabalha uma das maiores personalidades do movimento gregoriano e do estudo da Paleografia Musical da atualidade. Todo o apoio ao seu trabalho contribuirá também para a formação de uma imagem mais séria dos esforços musicológicos e de prática de execução musical do Brasil no Exterior, onde às vezes se apresentam grupos improvisados de diletantes que se lançam com grande publicidade e apoio de entidades à execução de obras calcadas em pesquisas do passado musical do país, mas realizadas sem a necessária fundamentação científica. Seria esse também a maior homenagem que a iniciadora desse empreendimento de tradução poderia fazer ao eminente gregorianista D. E. Cardine, cuja obra de vida corre cada vez mais o perigo de ser descaracterizada por estranhas atitudes de proselitistas e que necessariamente levarão a freqüentes críticas por parte de representantes da musicologia.

 

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